Atual gestão identificou uma série de problemas, como servidores que embolsariam verba pública e loja que não paga aluguel há 17 anos
A Companhia de Desenvolvimento Habitacional do DF (Codhab) investiga irregularidades em imóveis da empresa pública espalhados pela capital. Os problemas vão desde a ocupação de lotes por 17 anos sem o pagamento de qualquer taxa; suposto envolvimento de servidores na cobrança de aluguel com apropriação de dinheiro público; a desvio de finalidade em habitações de interesse social. A estimativa é de que ao menos 100 mil famílias ocupem irregularmente centenas de imóveis ou terrenos da companhia.
A estatal tem como finalidade o fomento de políticas habitacionais, mas também tem um patrimônio que inclui lotes, prédios e apartamentos. No entanto, a própria companhia não sabe o valor dos bens que possui, devido à falta de controle dos dados vinda de gestões passadas.
Todas as informações estão em papel, armazenadas em caixas amarelas, com volumes espalhados pelo prédio que abriga a empresa pública, no Setor Comercial Sul. Não há como cruzar dados, por exemplo, para saber se um imóvel está desocupado, se o aluguel é pago ou se pode ser vendido.
Ao assumir a direção da empresa, em janeiro deste ano, a nova gestão iniciou uma série de ações para melhorar o controle patrimonial. Nos primeiros 90 dias, por meio da Gerência de Fiscalização, a Codhab encontrou 70 imóveis com desvio de finalidade somente no Paranoá Parque e no Jardins Mangueiral. Outras denúncias, que ainda serão apuradas, dão conta de que esse número pode subir para 500.
Os desvios de finalidade se aplicam a todos os imóveis vendidos para pessoas de baixa renda, como no Programa Morar Bem, que descumpriram as cláusulas contratuais. Pelas regras estabelecidas, os proprietários não podem vender, alugar ou transferir o domínio da residência no período de 10 anos, mas há diversos casos de irregularidade. Em sites de venda na internet, por exemplo, encontram-se facilmente ofertas de imóveis nessas regiões.
PCDF investiga servidores
A Codhab também pagou condomínio e Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) de um apartamento fechado na SQS 405, área nobre de Brasília. O imóvel estava cedido a um grupo de arquitetos africanos, que permaneceram no local por dois anos devido a um convênio com o governo.
Eles haviam deixado a unidade há seis meses, mas não foi comunicada a vacância do apartamento. Assim, a Codhab não pôde alugar nem vender a propriedade. Agora, vai vender o imóvel.
Na 404 Sul (foto em destaque), outra situação é investigada pela Polícia Civil, por meio da Coordenação Especial de Combate à Corrupção, ao Crime Organizado e aos Crimes contra a Administração Pública (Cecor). Nesse caso, a suspeita é de que servidores estivessem recebendo, de forma ilícita, o aluguel do apartamento.
Segundo os fiscais apuraram, uma senhora morava no local e repassava o dinheiro em espécie a dois funcionários da empresa. A inquilina chegou a tentar regularizar o imóvel, orçado em R$ 600 mil, por alegar “interesse social”.
Ela morou seis anos na propriedade nessas condições. Em 13 de março de 2018, pediu à Codhab que fizesse o processo por “estar separada, ter três filhos e não ter para onde ir”. A moradora ainda disse que a documentação traria a “paz que precisa” e concluiu: “Espero em Deus a compreensão desta secretaria”.
A Codhab iniciou então o processo de reintegração de posse, pegou as chaves e também colocará o apartamento à venda.
Além desses dois exemplos, quatro unidades no Plano Piloto estão na mesma situação. Alguns desses apartamentos eram da Câmara dos Deputados, foram repassados à extinta Sociedade de Habitação de Interesse Social (Shis) e hoje são propriedade da Codhab ocupadas irregularmente. Todos estão em processo de reintegração de posse. Eles estão localizados nas SQNs 408 e 414 e nas SQSs 308 e 315. Juntos, devem render à Codhab cerca de R$ 3,6 milhões.
Frustração de receita
O descontrole de anos anteriores é tão grande que a Codhab deixou de arrecadar aluguel de três lotes em Ceilândia por 17 anos. A área é explorada comercialmente pela empresa Arte Cor, na QNP 19. O dono, Antônio Marcos Alves, abriu a empresa no local há quase duas décadas e nunca pagou aluguel.
A reportagem procurou o empresário, mas um funcionário disse que ele está viajando, encontra-se inacessível e só retorna ao DF em 10 de maio.
À Codhab, Antônio informou ter procurado a empresa para regularizar a situação, em 2005. Segundo o empresário, a orientação recebida foi de aguardar uma licitação para que ele pudesse comprar o terreno.
Somente neste caso, a Codhab deixou de receber 17 anos de aluguel por três lotes e ainda fica com patrimônio imobilizado. Esse dinheiro poderia ser revertido em processos de regularização fundiária ou em moradias populares.
O Supermercado Guarapari, na QNP 14 de Ceilândia, também faz uso de duas lojas da Codhab sem pagar os custos. Nesse caso, as paredes foram derrubadas à revelia da companhia, e um depósito, construído. Essa situação deve ser investigada pela Polícia Civil, pois o proprietário da empresa informou à Codhab ter pago R$ 40 mil pela ocupação das salas. A empresa quer saber quem recebeu esse dinheiro, como foi a negociação e porque não há qualquer documentação da transação.
O dono do Supermercado Guarapari, Renato Palácio, informou que “está averiguando o caso com seus advogados e dará mais informações na próxima semana”.
Codhab intensifica fiscalização
De acordo com o diretor Imobiliário da Codhab, Marcus Palomo, as ações vão continuar ao longo da gestão e visam apurar desvios de finalidade em imóveis de interesse social, além de identificar e avaliar o patrimônio da empresa.
“Só assim poderemos definir a estratégia da companhia de destinação do patrimônio. Hoje, boa parte não atende aos fins para os quais a companhia foi criada institucionalmente, a exemplo de imóveis comerciais como salas, supermercados, lanchonetes e depósitos”, afirmou.
Segundo Palomo, esses locais poderiam estar gerando rendimento para a empresa ou terem sido vendidos para aplicação desses aportes em ações de interesse da Codhab, como o investimento nas habitações de interesse social.
Modernização
O presidente da Codhab, o ex-distrital Wellington Luiz (MDB), afirmou que uma das metas de sua gestão é “trazer a empresa para o século 21” e, por meio da informação, coibir fraudes e esquemas de corrupção.
Já há uma força-tarefa incumbida de identificar e avaliar todo o patrimônio da companhia. O próximo passo e tentar informatizar os processos. “Um dos grandes desafios é modernizar também o acesso ao cidadão. As pessoas querem se sentir acolhidas na Codhab. A transparência faz parte das diretrizes estabelecidas pelo governador Ibaneis Rocha”, disse.
De acordo com Wellington também está sendo fortalecida a parceria com a Polícia Civil. “A Codhab estreitou os laços com a direção da PCDF, que designou a Cecor para apurar, com o máximo rigor, as denúncias que venham a constituir crimes”, completou.