No primeiro ano em que a Justiça Eleitoral exigiu prestação de contas dos candidatos a cargo público, as empreiteiras com atuação no DF, hoje no olho do furacão da Operação Lava Jato, já figuravam como doadoras. Era 1994, Cristovam Buarque e Valmir Campelo disputavam o governo local. Juntos, eles receberam R$ 1,5 milhão em doações da Norberto Odebrecht e da Via Engenharia, construtoras denunciadas nos últimos meses ao Ministério Público Federal por corrupção e pagamento de propina em troca de vantagens na construção de obras públicas.
Os documentos são em papel, com capa desgastada e letras datilografadas. Não há registro da prestação em meio digital, o que só ocorre a partir de 2002. Os documentos amarelados revelam que o então candidato eleito pelo PT, Cristovam Buarque, contou com uma ajuda robusta das duas empreiteiras. Metade de tudo o que recebeu, R$ 400 mil, veio das contribuições da Odebrecht (R$ 200 mil) e da Via (R$ 200 mil). Essa contabilidade detalhada só se tornou pública um ano depois. Buarque teve um total de receitas declarado em R$ 861.477,27 e gastou com a campanha para o governo local R$ 934.477,27. Ou seja, ainda tirou do bolso R$ 73 mil.
A notícia da participação vultosa de empreiteiras na campanha do candidato de esquerda causou um alvoroço político, ao ponto de setores mais conservadores do partido pedirem publicamente que as verbas fossem devolvidas. Em uma entrevista à Folha de S.Paulo em 11 de dezembro de 1994, quando foram divulgadas as contribuições para a sigla, Cristovam Buarque, ex-governador e hoje senador, chegou a declarar que as doações para o PT “quebravam a pureza” da legenda.
Um ano depois, Buarque apareceu como beneficiário das doações. Na época, não havia nada que desabonasse nem o PT, nem as empresas doadoras. As contas, inclusive, foram aprovadas pelo Tribunal Regional Eleitoral do DF (TRE-DF), no documento de 244 páginas, relatado pelo juiz Nelson Gomes da Silva.
Confira parte das contas aprovadas pelo TRE-DF durante campanha de 1994:
Mas estava ali o registro de um sistema de cooperação que, ao longo das últimas duas décadas, abasteceu e moveu uma indústria da propina envolvendo políticos e empresários agora pilhados nas delações da Lava Jato. Coincidência ou não, as duas empreiteiras estão no centro da crise ética apontada pelos delatores das Odebrecht.
Doação detalhada
A Via Engenharia doou para o petista, hoje no PPS, R$ 200 mil. Os primeiros R$ 60 mil foram remetidos em 3 de novembro de 1994; mais R$ 40 mil, em 14 de novembro; e o restante, R$ 100 mil, depois de Buarque se tornar o governador eleito. A Odebrecht desembolsou R$ 200 mil para a campanha do então candidato petista no dia 13 de novembro do mesmo ano. Com as informações transparentes, o PT tentou devolver as doações das empreiteiras.
Cristovam não chegou a autorizar obras para as construtoras. A Via Engenharia, à época ainda administrada por Fernando Queiroz e José Celso Gontijo, só voltou a atuar com força no setor público quando Joaquim Roriz venceu o pleito de 1998. Durante o governo dele, a empreiteira iniciou as polêmicas obras da Ponte JK e do prédio atual da Câmara Legislativa. Ambas as construções se tonaram alvo de investigações pelo Ministério Público e o Tribunal de Contas por suspeita de superfaturamento.
Inaugurada em novembro de 2002, a Ponte JK teve o projeto inicial orçado em R$ 40 milhões, mas, dois anos depois, o preço final alcançou a cifra de R$ 186 milhões. Posteriormente, a ponte virou cartão-postal de Brasília. Ganhou até a Medalha Gustav Lindenthal, outorgada pela Sociedade dos Engenheiros do Estado da Pensilvânia, Estados Unidos, em 2003.
Outro prédio suntuoso com contrato fechado no governo de Roriz com a empreiteira do DF é o da atual Câmara Legislativa, localizado às margens do Eixo Monumental. O acordo foi firmado em 2001 com o valor de R$ 42 milhões. A obra ficou parada entre 2005 e 2008 e foi entregue em 2010, com um custo de R$ 120 milhões.
Ajuda desde sempre
Quem viveu no período dos primeiros registros de campanha do TRE relata que, muito antes das doações declaradas, as empreiteiras já atuavam nos bastidores das campanhas políticas. As primeiras negociações extra-oficiais teriam começado em 1986.
Não há, porém, nenhum registro dessa época na Justiça Eleitoral, apenas os relatos de quem participou das campanhas. A reportagem do Metrópolespediu ao TRE os dados completos dos pleitos de 1994 e 1998, mas até o fechamento desta reportagem, os técnicos ainda não tinham encontrado os documentos, que não foram digitalizados.
No entanto, nas prestações digitais, desde 2002, não há nenhuma doação oficial da Via Engenharia, por exemplo, para Roriz, mesmo diante da estreita relação entre ele e Fernando Queiroz, dono e sócio-fundador da empreiteira. Nos documentos oficiais, também não há repasse para José Roberto Arruda (PR).
Caixa 2
Nas delações da Odebrecht, os ex-executivos da empreiteira afirmam que Arruda teria recebido R$ 966 mil em propina durante a campanha para governador de 2014. Desse total, R$ 500 mil vinculados à obra do Centro Administrativo do GDF, executada pela Odebrecht em parceria com a Via. Três meses depois do aporte, a empreiteira teria liberado mais R$ 466 mil para o caixa 2 de Arruda.
Entre os delatores, há divergência de valores. Arruda, segundo Benedicto Barbosa da Silva Júnior, ex-presidente de Infraestrutura da Odebrecht, teria recebido R$ 1,6 milhão e não R$ 966 mil, o que, para o advogado do ex-governador, Paulo Emílio Catta Preta, reforça apenas a tese da defesa, de que “há muitas informações incongruentes” durante os depoimentos dos ex-executivos da empreiteira.