A ministra do Supremo Rosa Weber, que foi juíza do trabalho por 35 anos e ocupou uma vaga no Tribunal Superior do Trabalho, é ré numa ação trabalhista movida pela ex-cuidadora da mãe dela. Estela Maris Machado trabalhou cinco anos na casa de Dona Zilah Pires, a mãe da ministra. Dormia ao menos cinco dias por semana na residência dela em Porto Alegre. Não tinha carteira assinada.
O processo, ao qual o Bastidor teve acesso, começou a tramitar na Justiça do Trabalho de Porto Alegre em março do ano passado. Estela Machado moveu a ação contra Zilah Pires e dois filhos dela: a ministra Rosa Weber e José Roberto Weber.
A cuidadora diz que foi contratada pela ministra em janeiro de 2015, quando Dona Zilah tinha 97 anos. Estela Machado diz ter pedido, sem sucesso, que sua carteira fosse assinada. Afirma que trabalhava de domingo a sexta na casa de Dona Zilah, em jornadas diárias “extenuantes” de “no mínimo” 19 horas. Dormia na residência da mãe da ministra. Assegura que ficava à disposição de Dona Zilah nas madrugadas.
Ela cobra férias, adicionais noturnos, horas extras, entre outros pontos. Também pede indenização moral e existencial. Ao todo, são R$ 1,08 milhão em verbas indenizatórias.
Em sua petição inicial, Ângelo Diel, o advogado da cuidadora, argumenta que as jornadas descritas como exaustivas e alongadas tornam o caso especialmente grave: “A exposição do empregado a jornada extenuante de trabalho, em desacordo com os limites previstos na legislação, é um dos fatores que levam à caracterização do trabalho escravo”.
Em 2017, Rosa Weber suspendeu uma portaria do governo Temer que regulamentava o combate ao trabalho escravo. Na opinião da ministra, os conceitos de trabalho escravo contidos na portaria eram “sobremodo restritivos”. Disse que a “escravidão moderna é mais sutil e o cerceamento da liberdade pode decorrer de diversos constrangimentos econômicos e não necessariamente físicos”. Rosa Weber argumentou, entre outros pontos, que a portaria minimizava a relevância das jornadas exaustivas na definição do trabalho análogo à escravidão.
A defesa da família de Rosa Weber contesta os argumentos da ex-cuidadora. Segundo os advogados, foi Estela Machado que não quis assinar carteira. Alegou, de acordo com a defesa, que teria outro trabalho com carteira assinada. Não há, porém, registro de qualquer contratante na carteira da ex-cuidadora enquanto ela prestava serviços à mãe da ministra. (A carteira de trabalho foi anexada aos autos.)
Os advogados da ministra dizem que Estela Machado não era “cuidadora” de Dona Zilah. Afirmam que ela era tão somente uma “acompanhante”, uma “dama de companhia” sem maiores obrigações além de servir o jantar e ver TV com a mãe da ministra. Mantêm que ela foi contratada diretamente por Dona Zilah, então aos 97 anos, sem participação da ministra, como afirma a ex-funcionária.
A defesa reconhece que Estela trabalhava sem carteira e por cinco dias na semana – e não seis dias. Mas refuta a acusação indireta de trabalho escravo. “Não há como comparar os serviços de acompanhante de uma senhora idosa e gentil, realizados num ambiente cordial, numa residência confortável, em rotina que não consumia mais do que oito horas diárias de atividades (o resto do tempo a autora estava repousando ou dormindo), com a triste condição de escravidão”, dizem os advogados. “É com surpresa que as reclamadas veem a comparação dos serviços prestados pela reclamante à condição análoga a de escravo, inclusive com citação ao artigo 149 do Código Penal na petição inicial. A autora sempre demonstrou, por meio de gentilezas e mimos, a notável felicidade com a qual prestou serviços à 1a reclamada.”
Em agosto do ano passado, os advogados da ministra ofereceram R$ 120 mil para encerrar o caso. A cuidadora queria R$ 800 mil. O juiz Jorge Alberto Araújo sugeriu R$ 300 mil. Sem acordo, ele marcou uma audiência para cinco de maio próximo. Nela, as partes apresentarão provas e suas testemunhas. O juiz decidirá em seguida quem tem razão no caso.
Há uma segunda ação trabalhista que envolve os cuidados à mãe da ministra. A doméstica Andrea Gislaine Cardoso Rosa afirma que trabalhou como cuidadora de Dona Zilah por dois anos, entre 2017 e 2019, também sem carteira assinada. Cobra R$ 19,3 mil. Nesse caso, a ministra não é parte. Segundos os autos, a doméstica trabalhava apenas duas vezes por semana. Seria, portanto, uma diarista – o que, em tese, não configuraria um vínculo de trabalho.
A reportagem perguntou aos advogados da ministra e de sua família se a defesa desejava prestar esclarecimentos adicionais acerca do caso. Não houve resposta.