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À CNN, Aras evita falar em culpa de Bolsonaro ou do governo Lula em atos criminosos no DF; assista e leia a íntegra

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DÉLIO ANDRADE
DÉLIO ANDRADEhttp://delioandrade.com.br
Jornalista, sob o Registro número 0012243/DF

Em entrevista à CNN, o procurador-geral da República, Augusto Aras, disse que não descarta uma eventual investigação contra integrantes do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para apurar se houve falha de segurança ou de inteligência diante dos ataques criminosos do dia 8 de janeiro em Brasília.

“[Sobre] Outras autoridades federais do [Palácio do] Planalto e de outros entes que estão ligados à segurança do Planalto, nós precisamos ainda avançar nas investigações. Nós temos que ter responsabilidade. Nós não podemos chegar aqui e fazer acusações ao GSI [Gabinete de Segurança Institucional], à Abin [Agência Brasileira de Inteligência] ou às Forças Armadas”, disse.

Assista acima à íntegra da entrevista de Aras à CNN concedida nesta quinta-feira (19), na sede da Procuradoria-Geral da República (PGR), em Brasília.

Aras pondera que a prioridade, neste primeiro momento, é avançar contra quem instigou um golpe de Estado e depredou as sedes dos Poderes.

Augusto Aras informou que mais de 200 denúncias devem ser apresentadas nos próximos dias ao Supremo Tribunal Federal (STF) contra criminosos envolvidos nos atos de vandalismo.

O procurador-geral avalia ainda que, uma vez proclamado o vencedor e diplomados os eleitos, por meio das urnas eletrônicas, é necessário respeitar o resultado das eleições.

“Acho que tem alguém saudosista por não ter havido um golpe.”

Aras afirmou também manter boa relação com o governo Lula, assim como manteve durante o mandato de Jair Bolsonaro, que passou a ser investigado, desde a semana passada, no STF a pedido da PGR.

“Ele [Bolsonaro] vai ser investigado no Supremo sobre o conjunto de atos que pode ser desde a incitação até mesmo o financiamento dos atos, desde que isso venha na investigação. Nós aqui não podemos presumir culpa de ninguém.”

O procurador-geral criticou a atuação do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF) nos casos do afastamento do governador Ibaneis Rocha e da determinação de prisão de Anderson Torres: a PGR não fora comunicada dessas decisões.

“Se, porventura, a maioria do STF entender que o Ministério Público é uma instituição dispensável para a essencialidade da Justiça, nós teremos que buscar um recurso junto às Cortes Internacionais, porque nós temos dezenas e dezenas de recursos [aguardando análise].”

Na entrevista, Augusto Aras se defende das críticas de que não agiu com celeridade diante dos fatos que ocorreram última semana, condena açodamento do Ministério Público e do Judiciário, diz que não houve mudança na atuação da PGR nos últimos dias e afirma ser importante agir com prudência, proporcionalidade e razoabilidade.

A oito meses de concluir seu mandato como procurador-geral, Aras recusa cargos em outras gestões e anuncia que irá se retirar da vida pública. “A nova gestão deve ser da minha vida privada, com minha família, com meus amigos.”

Leia a seguir a íntegra da entrevista com o procurador-geral da República, Augusto Aras à CNN:

CNN: O senhor descartou em agosto a possibilidade de haver uma tentativa de golpe em caso de uma eventual derrota de Jair Bolsonaro. O senhor disse: “Não estou preocupado nem me passa pela cabeça. Não vai ter golpe”. De fato, não houve golpe. Mas houve uma tentativa como nunca vista. O senhor errou na avaliação? Minimizou o que poderia acontecer?

Augusto Aras: Sabem todas as autoridades que lidam com o sistema de Justiça, com segurança, que não se pode estar a revelar os trabalhos de combate, seja a macro, a microcriminalidade, seja assuntos estratégicos, principalmente aqueles que dizem respeito ao Estado, no particular ao Estado Brasileiro.

Durante os últimos dois anos, desde 2021, nós começamos um trabalho extensivo a todos os estados da federação, com o apoio do Conselho Nacional do Ministério Público, com o apoio especialmente do Ministério Público Militar, em que nós estivemos sempre atentos a todos os movimentos que pudessem resultar em atos de violência que pudessem atingir a nossa democracia.

Em 2021, nós estivemos juntos, inclusive na Presidência, salvo me engano, do ministro [Dias] Toffoli ainda, com o ministro Alexandre [de Moraes], ali trabalhando intensamente no monitoramento do controle e da fiscalização dos atos, dos pequenos focos que iriam surgindo em todo o Brasil e conseguimos apagar esses focos.

Então, foi assim que comemoramos o 7 de Setembro pacífico e ordeiro com manifestações em praça pública, pacífica e ordeiras como assegura a Constituição Federal.

Então, em 2021, nós garantimos a paz em uma ação coordenada.

Em 2022 também vieram manifestações pacíficas e ordeiras em praça pública e, mais que isso, tivemos um primeiro turno seguro, pacífico e ordeiro, um segundo turno seguro, pacífico e ordeiro.

E somente a partir de um determinado momento em que estava concluída a eleição é que começaram a surgir eventos mais fortes e, creio que em razão do momento da transição, pode ser que as autoridades de segurança pública tenham perdido algum detalhe.

Nós, do Ministério Público, tínhamos por certo aquele monitoramento de 2021 e 2022, que foi um sucesso absoluto, trabalho entre procurador-geral, Conselho Nacional do Ministério Público, Ministério Público Brasileiro, o Poder Judiciário, o Supremo Tribunal Federal, os comandantes-gerais das PMs do Brasil, a Polícia Federal, enfim, os órgãos de inteligência, nós mantivemos o nosso equilíbrio Nacional de paz e ordem.

CNN: Mas o que aconteceu agora, então?

Augusto Aras: Na verdade, se as autoridades competentes tivessem o conhecimento ou, tendo conhecimento, tivessem dado credibilidade às eventuais informações que nunca nos chegaram ao conhecimento, teriam tomado as providências cabíveis para, ao menos, a proteção do patrimônio público.

CNN: O senhor acha que cabe uma investigação ao atual governo, com relação à falha de segurança, de inteligência? O próprio presidente admitiu [falhas na inteligência] nesta semana.

Augusto Aras: Olha, a investigação sempre cabe para averiguar a verdade dos fatos.

O nosso grande problema é que, neste momento, o Ministério Público Federal, junto com o Ministério Público do Distrito Federal, está atento e preocupado em avançar nas investigações e nas ações penais contra aqueles que depredaram o patrimônio público, instigaram um golpe de Estado, atentaram contra o Estado Democrático de Direito, incitaram movimentos que atentaram contra a liberdade democrática no seu sentido mais puro, que é a convicção de cada eleitor, de respeitar o resultado das urnas.

Então, a nossa preocupação neste momento é fazer o que já estamos fazendo.

Desde o dia 8 de janeiro que nós estamos trabalhando todos os dias, praticamente de 12 a 14 horas por dia.

Já oferecemos 45 ou 46 denúncias, ações penais, fora as investigações, temos mais 200 denúncias a serem apresentadas nos próximos dias…

CNN: Contra quem?

Augusto Aras: Contra as pessoas que participaram dos eventos.

CNN: A PGR foca sua atuação nessas investigações em quatro núcleos: executores, autores intelectuais e instigadores, financiadores e agentes públicos. O que a gente pode esperar nos próximos dias com relação a agentes públicos e financiadores?

Augusto Aras: Nós já requeremos o inquérito contra o governador Ibaneis [Rocha], contra o ex-ministro Anderson Torres e o vice-secretário de Segurança Pública do DF e o ex-comandante geral da PM.

Essas autoridades já estão respondendo a inquérito policial. Outras autoridades federais do Planalto e de outros entes que estão ligados à segurança do Planalto nós precisamos ainda avançar nas investigações, nós temos que ter responsabilidade.

CNN: Ainda está incipiente com em relação a isso?

Augusto Aras: Não é que esteja incipiente. Nós estamos apurando a responsabilidade. Nós não podemos chegar aqui e fazer acusações ao GSI, ou à Abin ou às Forças Armadas. Nós sabemos que movimentos sociais envolvem questões altamente complexas. Nós sabemos que isso ocorre em todo o mundo, no Brasil não é diferente.

Nós temos muitas vezes, um momento como o do 8 de janeiro, que pode refletir no futuro ainda distante e ser apenas um momento em que a semente do mal foi depositada.

Nós temos que ter lembranças das histórias, principalmente a brasileira, nos revela que em 1956 tivemos Jacarecanga lá no Pará, tivemos três anos depois, em 1959, Aragarças, em Goiás. Juscelino Kubitschek anistiou os militares da Aeronáutica e do Exército que participaram daqueles dois movimentos. Mas cinco anos depois tivemos 1964.

Então, é preciso entender que o movimento democrático não se combate fogo com fogo.

O fogo que combate o fogo é o fogo os bombeiros aqui no Planalto Central, mas não o da Capital da República, em que os bombeiros, que são experts em incêndio, aproveitam o vento para que o vento jogue o fogo contra o outro fogo.

CNN: A PGR foi criticada nos primeiros dias — internamente e por pessoas de fora — por uma suposta demora em tomar providências contra os criminosos. Em um primeiro momento, até a AGU – que não tem essa atribuição – fez uma série de pedidos, incluindo a prisão dos envolvidos. O senhor criou o Grupo Estratégico de Combate aos Atos Antidemocráticos, a PGR fez nos últimos dias pedidos de abertura de inquéritos e apresentou denúncias ao STF contra criminosos que atentaram contra as instituições e a democracia. Há agora uma celeridade com relação ao que foi visto nos primeiros dias. Houve uma mudança de postura? O que justifica essa mudança?

Augusto Aras: Não há nenhuma mudança na nossa postura da PGR. Os colegas são os mesmos. São as mesmas pessoas, os mesmos subprocuradores-gerais, os mesmos membros, os mesmos servidores que atuam em conjunto.

A minha gestão é, acima de tudo, compartilhada. Os meus opositores que incessantemente são aqueles da Lava Jato e tentam de toda forma mitigar quando não podem sequer reduzir a nossa atuação que supera 30 anos internamente de tudo que eles fizeram.

Que supera em persecutio criminis, especialmente do colarinho branco, mais de 12 anos anteriores da nossa gestão.

Eles não conseguem demonstrar porque eles não fizeram melhor.

E mais: a comunidade que passa pelo crivo deste Ministério Público sabe que as ações aqui são responsáveis. Ninguém atira primeiro para perguntar depois se é culpado ou não culpado. Aqui, nós cumprimos a Constituição e as leis.

CNN: O senhor se defende dessas críticas alegando atuar com cautela?

Augusto Aras: Nós agimos sempre, mas sempre dentro da prudência jurídica que se recomenda ao Ministério Público e ao Poder Judiciário. Historicamente, a polícia sempre tem várias linhas de investigação cuja imprensa explora.

Ao Ministério Público, à magistratura não é dado esse tipo de, digamos, revelação estratégica porque isso prejudica as investigações. Até por que o artigo 20 do Código da Lei Penal proíbe e diz que os inquéritos são sigilosos.

As ações penais dependem, mas os inquéritos são de regra sigiloso, não obstante haja um entendimento do Supremo de que não há mais o sigilo desse artigo 20 que seja quebrado o sigilo pelo Judiciário, e não pelos membros do Ministério Público.

Mas é importante dizer que essa prudência com que nós agimos é inerente ao devido processo legal, cujo atributo substancial é proporcionalidade, razoabilidade, adequação. Ou seja, a temeridade, a vulgaridade, o escândalo, isso atenta contra o devido processo legal, material e formal.

Tantos casos que já vimos, erros judiciários e mais ainda da imprensa, e eu não vou citar nenhum erro da imprensa porque nós todos conhecemos a escola base.

Mas tem muitos outros, por conta do açodamento de alguns que não cabe ao Ministério Público e nem ao Judiciário fazê-lo.

Nós nos submetemos a uma lei orgânica, e essa lei tem conteúdo ético de conduta.

E é por isso que nós fizemos mais que todas as gestões anteriores e temos objetivamente como provar, inclusive na Amazônia, na sala onde você se encontra, e que não há como explicar para os meus opositores porque nenhum deles fez. Ou melhor, nenhum governo fez.

CNN: Há um entendimento de uma parcela dos operadores de direito de que inquéritos como o dos atos antidemocráticos e o das milícias digitais eram necessários por uma suposta inação da PGR em investigar embrião desses atos golpistas. A PGR errou ao não ter agido lá atrás de maneira mais incisiva para cortar pela raiz? Porque essas movimentações saíram das redes sociais, saíram do papel e a gente viu o que aconteceu no dia 8 de janeiro.

Augusto Aras: Eu acho que tem alguém saudosista por não ter havido um golpe. Parece que tem saudosismo.

Nós, da PGR, com CNMP, com MPs, com o STF, com o ministro [Dias] Toffoli, com o ministro [Luiz] Fux, com o ministro Alexandre [de Moraes], nós mantivemos a paz social durante três anos.

E com este evento do 8 de janeiro nós podemos apagar o trabalho que fizemos de controle, monitoração e fiscalização dos três anos anteriores? Nós temos é que dar graças a Deus que estes três anos evitaram um mal maior.

Nós não tivemos uma única morte no dia 8 de janeiro e é isso que temos que comemorar porque as forças populares das massas não se contêm.

Elas não se contêm simplesmente jogando força contra força, fogo contra fogo. Até porque há um risco sempre possível de o vento mudar de direção. E nós não podemos tratar de questões sociais relevantes, graves e perigosas para o estado democrático de direito como se trata de assuntos de banalidade e de microcriminalidade.

A questão de defesa do Estado Democrático de Direito é um dever de todo brasileiro e todas as nações contemporâneas. E mais: é um dever de todos nós zelar pela paz social.

A democracia é o único regime possível. Não temos outro regime possível, só esse. Mas esse regime passa pelas urnas e o processo eleitoral tem fases. Uma vez proclamado o resultado, uma vez diplomados os eleitos, quatro anos depois voltamos a discutir o assunto. Mas temos que respeitar o resultado das urnas.

CNN: O senhor disse em agosto que havia zero risco de Jair Bolsonaro não aceitar o resultado das eleições. O senhor afirmou que os discursos dele eram apenas retóricas. E que era necessário diferenciar o discurso político do discurso jurídico. “Meras lucubrações não correspondem a nenhum crime”. O ex-presidente Jair Bolsonaro passou a ser investigado no STF por incitação aos atos golpistas do dia 8 de janeiro a pedido da PGR. O que mudou?

Augusto Aras: O que muda é o fato de nós termos um evento concreto que, embora essa concretude não se dirija ao ex-presidente, apenas se apresenta no contexto dos demais fatos.

Discurso de qualquer natureza precisa ser interpretado no ambiente em que se faz e no contexto em que ocorre. Nós não podemos esquecer que se fôssemos criminalizar a política como foi criminalizada pela Lava Jato e por segmentos do Poder Judiciário algum tempo atrás, nós teríamos que criminalizar toda a sátira que vem desde os gregos.

Os gregos já conheciam a sátira, os gregos já conheciam as tragédias e modernamente o Estado e a democracia têm como primado a liberdade de expressão.

Se nós começarmos hoje a prender, a punir e a lançar no catre quem quer que se manifeste jocosamente que seja como tantos grandes comediantes como Jô Soares, Chico Anísio, Agildo Ribeiro, ou as músicas de Chico Buarque, Caetano Veloso, se fôssemos criminalizar essas manifestações poéticas e literárias e muitas vezes políticas nós teríamos aí sim…

CNN: Só que neste caso ultrapassou a linha da retórica.

Augusto Aras: Essa linha da retórica quem tem que julgar é o povo. E o povo não elegeu nas urnas o ex-presidente.

CNN: Jair Bolsonaro vai ser investigado no Supremo a pedido da PGR pelo quê?

Augusto Aras: Ele vai ser investigado no Supremo sobre o conjunto de atos que podem ser desde a incitação até mesmo o financiamento dos atos, desde que isso venha na investigação. Nós aqui não podemos presumir culpa de ninguém.

A conquista da civilização e do processo civilizatório é a de que a boa fé se presume, a má fé se prova. E nós, do sistema acusatório, que temos o dever de acusar, nós temos o dever de provar a acusação.

Não podemos simplesmente acusar ou fazer como os inquisidores faziam amarrar uma pedra no pescoço do Teo, joga no lago Paranoá: se ele boiar, ele é inocente. Mas se ele morrer ele é culpado.

CNN: Nesse entendimento que o senhor adota, o senhor vem sendo chamado pelos críticos de “leniente”, de “engavetador-geral da República”. O senhor se defende alegando atuar com cautela?

Augusto Aras: Vamos trocar cautela por prudência do sistema constitucional. Cautela é um termo técnico. E como nem todos os jornalistas têm formação jurídica ou não têm honestidade intelectual, vamos usar o termo prudência, proporcionalidade, razoabilidade, adequação. Que são termos do devido processo legal substancial.

CNN: O senhor dizia que não havia risco à democracia, mas em menos de uma semana houve o 8 de janeiro e depois foi descoberta uma minuta golpista dentro do armário de Anderson Torres. O senhor muda a avaliação? Houve um risco à democracia?

Augusto Aras: Não há o que mudar. Porque estamos investigando. Em primeiro lugar, é preciso dizer que entre 8 de janeiro, onde houve um quebra-quebra no Distrito Federal em que todos os nossos colegas do Ministério Público brasileiro têm atuado e trabalhando em coordenação, nós estamos apurando e temos mostras de que estamos temos atuado de forma muito rápida.

Porque as instituições que constroem o Estado Brasileiro têm colaborado.

O Senado trouxe imediatamente tudo o que apurou. A Câmara trouxe três dias depois tudo o que apurou. O Judiciário tem mandado tudo o que tem apurado.

Ou seja, em um ambiente de milhares de pessoas não temos condições, ninguém tem condição, de resolver o assunto com a rapidez desejada.

CNN: Em tese, quais crimes o senhor vê nessa minuta que foi descoberta no armário do ex-ministro e ex-secretário Anderson Torres.

Augusto Aras: Nós temos buscado junto ao Supremo Tribunal Federal a defesa de nossas prerrogativas como órgão acusatório constitucional.

Nós fazemos isso inclusive todo o período desses três anos e quatro meses formalmente nos autos.

Movemos a ADPF 572 em que o Supremo nos garantiu as nossas manifestações como titular das ações penais.

Nós movemos outra ADPF que espera julgamento do STF. Nós recorremos de todas as decisões em que as prerrogativas constitucionais do MPF não são observadas. Ainda ontem tivemos uma grave violação.

O ex-ministro Anderson Torres prestou depoimento e nós não fomos comunicados.

Quando nós soubemos pela imprensa que ele seria ouvido, nós tentamos deslocar um membro auxiliar para participar da oitiva. Mas foi tarde demais. Ele foi ouvido 10h30 e a imprensa deu isso um tempo depois.

CNN: O senhor vê algum tipo de crime nessa minuta [encontrada na casa de Anderson Torres]?

Augusto Aras: A questão não é de crime, estamos falando de prerrogativas do MP que nós estamos defendendo há três anos e quatro meses que estou aqui. Cuja defesa dessas prerrogativas começou com minha antecessora Raquel Dodge e que continuará certamente com o meu sucessor se porventura o Supremo Tribunal Federal não preservar nos autos esse nosso dever funcional.

As prerrogativas do MP e de qualquer carreira de Estado não são postas em favor do membro, mas em favor da instituição e dos cidadãos.

CNN: Eu mencionei a minuta e não a oitiva. Porque a minuta prevê um Estado de Defesa no Tribunal Superior Eleitoral.

Augusto Aras: Essa minuta de que você fala nunca veio a conhecimento desta casa [PGR].

CNN: Mas já tramita no TSE, onde o senhor atua como chefe do Ministério Público Eleitoral e é representado também pelo doutor Paulo Gonet.

Augusto Aras: Mas nós não tomamos conhecimento desta minuta. Eu creio que em algum momento a autoridade judicial competente vai encaminhar. Agora, a questão é nós sabermos se no estado democrático de direito se as prerrogativas do Ministério Público serão resgatadas. Não sou só eu quem está a defendê-la. O MP brasileiro está todo acompanhando as violações das prerrogativas do MP.

CNN: Na semana passada, o ministro Alexandre de Moraes tomou decisões: de afastamento do governador Ibaneis Rocha e de determinação de prisão de Anderson Torres. Elas foram referendadas sem que houvesse uma provocação da PGR, como é praxe.

Augusto Aras: Não é praxe, é garantia constitucional.

CNN: O depoimento de Anderson Torres de ontem foi marcado sem que a PGR fosse notificada. Qual a avaliação do senhor sobre a atuação do ministro Alexandre de Moraes? E a PGR apresentou nos últimos meses recursos contra decisões contra as quais não concordou ao ministro Alexandre de Moraes. Esses recursos não foram analisados pelo plenário como pediu a PGR. Com a nova resolução aprovada pelos ministros o senhor acredita que conseguirá reverter decisões das quais a PGR discorda? Quais?

Augusto Aras: Em primeiro lugar, nós temos cumprido com o nosso dever funcional desde a gestão anterior à minha, demonstrando nossa irresignação nos autos por meio dos recursos cabíveis todas as vezes que as prerrogativas constitucionais do MP tenham sido afastadas.

Considerando que o STF é constituído por 11 membros, uma decisão monocrática pode ser desfeita por uma decisão a mais, por 6 a 5.

O que nós acreditamos é que se, porventura, a maioria do STF entender que o MP é uma instituição dispensável para a essencialidade da Justiça, nós teremos que buscar um recurso junto às Cortes Internacionais, porque nós temos dezenas e dezenas de recursos que não são só da minha gestão.

O assunto é que, vivendo um momento em que temos uma crise instalada, em que este MP nunca faltou com seus deveres, agir dentro do devido processo legal não é ser moroso e não é ser leniente.

A linguagem da política é muito rápida. A linguagem do jornalismo é tão rápida ou mais rápida que a da política, porque permite até a especulação que não seja criminosa.

Mas a linguagem do Ministério Público e da magistratura é uma linguagem dentro da Constituição e das leis. É uma linguagem estrita em que só excepcionalmente quando em risco o Estado Democrático de Direito – e não podemos presumir que o Estado Democrático de Direito esteja em risco somente com o blá-blá-blá de quem quer que seja, é preciso atos concretos.

E a própria lei do Estado Democrático de Direito tipifica os crimes: atos graves, ameaças, não basta conversa fiada.

CNN: Falando em especulação, a gente tinha a informação de que o senhor estava tentando marcar um encontro com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Augusto Aras: Nós não temos necessidade, porque já estivemos duas vezes em ambiente coletivo, conversamos aquilo que era naquele momento necessário. Nós temos tido contato permanente com os auxiliares do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e quando for necessário, seja a este procurador-geral da República ou à instituição, ou ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, uma simples ligação telefônica resolverá o assunto.

O que eu posso lhe garantir é que entre este PGR, o ex-governo, o atual governo ou qualquer governo, a conduta é a mesma: respeito à Constituição e às leis. É só isso que o Brasil precisa.

Vamos concitar o Brasil para respeitar a Constituição e as leis do país? Se fizermos isso, o caminho da paz social, do bem-estar de todos, o caminho do desenvolvimento socioeconômico, o emprego, a arrecadação, tributária, tudo isso será atendido.

O que nós precisamos é cumprir a norma. Essa norma não é apenas para enfeitar as edições de papel, mas para que construamos a nação que nós desejamos.

CNN: O senhor é um crítico da lista tríplice, concorreu ao cargo por fora dela e a acusou de ser fraudada. O senhor tem alguma sugestão de como essa escolha poderia ser regulamentada para o futuro? A saída seria deixar a escolha exclusivamente para o presidente?

Augusto Aras: A Constituição atribui ao presidente da República a prerrogativa de indicar um procurador-geral e ao Senado de ratificar ou não.

O Senado muitas vezes rejeitou nomes do MP e de outras instituições, fazendo parte do sistema de freios e contrapesos inerentes às nossas instituições democráticas e republicanas.

A minha posição será sempre de respeito à Constituição. Não encontro, do ponto de vista político, nenhuma solução fora da Constituição. Não encontro fora das condutas morais solução que não seja, além da Constituição, aquelas que se encontram nos cânones sagrados da nossa civilização.

CNN: O senhor me disse no ano passado que não pretende ficar mais do que quatro anos à frente da PGR. O senhor vai voltar a dar aulas e a advogar. Ou mudou de ideia?

Augusto Aras: Aqui na Procuradoria, em três anos e quatro meses, nós reestruturamos a instituição, nós reorganizamos a instituição, nós construímos um projeto Amazônia que nunca houve na história de governos ou desta instituição.

Ao fazer isso, estamos elevando o número de procuradores e membros e equipamentos de 70% do território brasileiro para ter MP e que não têm.

Ou seja, até nossa gestão apenas 30% do território brasileiro teve 70% do MP, que é algo no mínimo estranho.

E nós temos neste momento de reorganização da nossa instituição uma compreensão de que o Norte, Nordeste e Centro-Oeste precisam ter Ministério Público, precisam ter Estado funcionando devidamente.

O projeto Amazônia é uma prova de que sem recursos de quem quer que seja, que não seja os nossos próprios recursos, sem alteração do teto orçamentário, só com os nossos recursos nós dotamos a Amazônia desde maio do ano passado com mais de 30 ofícios de procuradores da República, mais 5 Procuradorias Militares, escritórios avançados nas fronteiras, nós criamos o Georadar.

CNN: Então, chegou a setembro, quando acaba a gestão do senhor, missão cumprida?

Augusto Aras: A missão está cumprida e mais do que cumprida. Durante a nossa gestão tivemos um MP expandido por atuação em todas as áreas: da prevenção à repressão.

Nós inclusive contribuímos e muito para que o Brasil e o MP brasileiro deixassem de ser um caçador à espreita da presa e da bebida para estar presente com respeito ao devido processo legal, dentro de critérios de racionalidade necessários, proporcionalidade, razoabilidade e adequação. Sem atirar primeiro para perguntar depois o que que vai dar.

CNN: O que o senhor vai fazer a partir de setembro?

Augusto Aras: Primeiro, estarei aqui na casa por algum tempo porque é dever de quarentena estar na casa por algum empo para cumprir o que a lei determina. Eu sou um homem normativo.

Não uso a lei e não admito usar a lei ou qualquer valor e princípio para fazer como satanás pregando em quaresma. Eu costumo cumprir a lei, cobrar a prática da lei e fazer da lei aquilo que os gregos nos ensinaram: buscar o justo.

CNN: A ideia é voltar a dar aulas e voltar para advocacia?

Augusto Aras: O que é o justo, Teo? É o que não é mais e não é menos.

CNN: E o que é?

Augusto Aras: Estar fazendo tudo o que fiz ao longo de uma vida de 43 anos de carreira jurídica.

CNN: Iria para uma nova gestão?

Augusto Aras: A nova gestão deve ser da minha vida privada, com minha família, com meus amigos e com todos que deixei de conviver nos últimos anos, que é extremamente para mim e para os meus.

Mas posso garantir que temos colegas prontos, que conhecem a instituição, que já deram provas de que conhecem a instituição no cenário nacional interagindo com as demais instituições e que estão preparados para dar sequência ao trabalho que iniciamos.

CNN: O senhor vai indicar algum nome para sucedê-lo ao presidente Lula?

Augusto Aras: Não. O presidente Lula é o senhor da indicação. O presidente Lula, quem quer que ele indique, haverá de ser apoiado pelos demais membros da casa. A democracia impõe que tenhamos um só presidente, que é o presidente Lula, presidente de todos os brasileiros, e da mesma forma este cargo de PGR é monocrático.

CNN: O senhor foi, de fato, sondado para uma vaga no Supremo Tribunal Federal pelo ex-presidente Jair Bolsonaro?

Augusto Aras: Este tema nunca foi tratado. Digo isso desde que o presidente, em um momento de generosidade pública, aventou uma hipótese remota, remotíssima, de me indicar, de indicar um PGR à terceira vaga.

Convenhamos, nunca houve e nem hoje há uma terceira vaga. Eu sempre disse a meus colegas, e na sabatina no Senado quando me questionaram que a incompatibilidade entre um cargo de PGR e a possibilidade de ser indicado para o STF só foi superada por Sepúlveda Pertence, em um momento ímpar do Brasil, que foi o momento da redemocratização.

E disse desde sempre, desde antes de ser PGR: quem quer ser PGR não pode sonhar com uma cadeira do STF.

Aqui, as atividades são sempre muito onerosas pelo grau de conflituosidade que demanda do PGR. Para o bem da instituição e do Brasil: sempre ação dentro do devido processo legal.

Sempre com proporcionalidade, razoabilidade, adequação e respeito à forma da lei. Fora da lei, como dizia Rui, não há salvação.

CNN: Estamos a oito meses do fim da gestão. O senhor se arrepende de alguma medida tomada ou se arrepende de ter deixado de tomar alguma medida, de investigação ou de denúncia?

Augusto Aras: Não, pelo contrário. Eu me sinto tranquilo em saber que durante todo esse período eu estive conversando, dialogando com todos os colegas e autoridades da República que se dispuseram a cumprir o instrumento mais eficaz em busca do consenso social, que é o diálogo e a integração deste diálogo.

Dessa forma, eu creio que muito da sociedade brasileira e das autoridades do passado e também do presente sabem que este procurador-geral da República nunca atuou de forma irresponsável.

CNN: O senhor ainda se sente incompreendido? O senhor havia me dito que o futuro faria justiça ao senhor.

Augusto Aras: Eu não acho nem que o futuro, acho que o presente já está fazendo Justiça. O presente já revela.

Salvo aqueles que por questões de caráter ou mesmo de ignorância não querem enxergar o óbvio, a paz social depende do cumprimento de uma ordem jurídica e essa ordem jurídica fez ao longo do nosso processo civilizatório oriental e ocidental algo magnífico que é manter a vida em sociedade, desde a pax mongólica à pax romana, é a Constituição Federal que preserva a paz entre os povos.

Este conteúdo foi originalmente publicado em À CNN, Aras evita falar em culpa de Bolsonaro ou do governo Lula em atos criminosos no DF; assista e leia a íntegra no site CNN Brasil.

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