A possível indicação de mais um homem branco para o STF (Supremo Tribunal Federal) abriu debate sobre a falta de diversidade na corte. Mas a questão não se restringe a gênero ou cor. Também no recorte regional o tribunal está longe de espelhar as características da população brasileira.
Na história do STF na República, nunca houve um ministro nascido em seis estados do país (Acre, Amapá, Mato Grosso do Sul, Rondônia, Roraima e Tocantins), além do Distrito Federal.
Segundo dados do tribunal, as unidades da federação que mais tiveram representantes na corte foram Rio de Janeiro (33), Minas Gerais (30), São Paulo (26) e Rio Grande do Sul (18). Em seguida, vêm Bahia e Pernambuco, com 14 e 11 ministros cada um, respectivamente.
A cara “sudestina” que marca a corte se consolidou desde a redemocratização do país.
Atualmente, de 11 ministros, 7 vieram do Sudeste, 2 do Sul, 1 do Nordeste, 1 do Centro-Oeste e nenhum do Norte, considerando-se o local de nascimento.
Para que a composição fosse representativa das cinco regiões do país, teria que ter algo próximo a 4 ou 5 ministros do Sudeste, 1 a 2 do Sul, 3 do Nordeste, 1 do Centro-Oeste e 1 do Norte.
Uma vez que cada ministro pode ficar no cargo da sua nomeação até completar 75 anos, a responsabilidade pela cara do Supremo não é de apenas um presidente. Atualmente, há ali ministros nomeados por cinco mandatários.
Gilmar Mendes, por Fernando Henrique Cardoso (PSDB); Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli, por Lula (PT); Luís Roberto Barroso, Edson Fachin, Luiz Fux e Rosa Weber, por Dilma Rousseff (PT); Alexandre de Moraes, por Michel Temer (MDB); André Mendonça e Kassio Nunes Marques, por Jair Bolsonaro (PL).
Todos esses presidentes contribuíram de alguma forma para a concentração de ministros com origem no Sudeste e no Sul, que aumentou ao longo do tempo.
No primeiro dia de Sarney como presidente, havia quatro ministros de fora do Sul e Sudeste: Aldir Passarinho, Carlos Madeira, Djaci Falcão e Rafael Mayer, todos do Nordeste.
Quando Collor tomou posse, esse número caiu para dois.
De Itamar Franco em diante, a fotografia da corte no dia da posse presidencial só teve no máximo um ministro do Nordeste e nenhum do Norte. Nos casos de Temer, Bolsonaro e do segundo mandato de Dilma Rousseff (PT), nenhum de nenhuma das duas regiões.
Nascido em Diamantino (MT), Gilmar tem sido desde a nomeação o único ministro com origem no Centro-Oeste. Ex-procurador da República e advogado-geral da União, ele construiu sua carreira em Brasília.
Atualmente, Kassio Nunes Marques, de Teresina (PI), escolhido por Bolsonaro, é o único ministro nordestino da corte.
Caso se confirme a nomeação de Cristiano Zanin, um dos principais cotados à vaga de Lewandowski que se abre neste mês, o perfil regional da corte será mantido.
Advogado e amigo de Lula, Zanin é de Piracicaba, interior de São Paulo, e tem escritório na capital paulista. A partir de um recurso seu, o petista teve condenações anuladas porque o Supremo considerou parcial o ex-juiz Sergio Moro.
O próprio presidente disse no início deste mês que “todo mundo compreenderia” caso ele indicasse o amigo ao STF.
Lula disse depois que ainda não sabe quem vai indicar e que não tem compromisso assumido com nenhum candidato. Por outro lado, exaltou o defensor de seus processos relacionados à Operação Lava Jato. “O Zanin foi a grande revelação jurídica nesses últimos anos”, afirmou.
Sem citar o advogado de Lula, a professora Flávia Santiago Lima, da Faculdade de Direito da Universidade de Pernambuco, diz que uma maior diversidade regional no STF seria importante para dar legitimidade ao tribunal e reforçar o sistema federativo do Brasil.
Ela aponta que, na pauta de temas que podem, eventualmente, ser julgados pelo Supremo, há questões que dizem respeito a especificidades das regiões do país.
Entre os exemplos citados pela professora estão intervenção estatal em setores econômicos, como o sucroalcooleiro; demarcações de terras; legislações estaduais de proteção ambiental; e limitações constitucionais à legislação tributária dos estados.
Professor de direito da UFBA (Universidade Federal da Bahia), Samuel Vida avalia que há uma normalização da atitude política que chama de “sudestinocêntrica” no país, em prejuízo da pluralidade regional.
“Neste sentido, a composição do STF concentrada em membros originados do Sudeste e do Sul atrofia o projeto de democratização e pluralização da Constituição Federal de 1988”, diz.
Em sua opinião, não deve haver um critério formal de representatividade regional na corte, mas a concentração de ministros com origem em uma única região pode comprometer a capacidade do tribunal de refletir a complexidade da sociedade brasileira.
“As próximas vagas a serem indicadas pelo presidente Lula, no delicado contexto de retomada do processo democratizante, oferecem uma oportunidade ímpar para corrigir as atuais distorções, incluindo, também, a contemplação de outras variáveis relevantes para o reconhecimento da pluralidade nacional, como raça, etnia, gênero e sexualidade”, diz.
PRÓXIMAS APOSENTADORIAS NO SUPREMO
GOVERNO 2023-2026
Ricardo Lewandowski (abr.23)
Rosa Weber (out.23)
GOVERNO 2027-2030
Luiz Fux (abr.28)
Cármen Lúcia (abr.29)
Gilmar Mendes (dez.30)
GOVERNO 2031-2034
Edson Fachin (fev.33)
Luís Roberto Barroso (mar.33)
GOVERNO 2039-2042
Dias Toffoli (nov.42)
GOVERNO 2043-2046
Alexandre de Moraes (dez.43)
GOVERNO 2047-2050
Kassio Nunes Marques (mai.47)
André Mendonça (dez.47)
Por Angela Pinho
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