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Disparidade salarial pode ser embrião para escândalos como o da Americanas

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DÉLIO ANDRADE
DÉLIO ANDRADEhttp://delioandrade.com.br
Jornalista, sob o Registro número 0012243/DF

Uma diferença exagerada de remuneração entre os que estão no topo da organização e o restante da empresa é o grande problema a ser resolvido na tentativa de evitar escândalos corporativos como o da Americanas. Essa é a opinião de especialistas em gestão e governança ouvidos pela reportagem.

“Isso gera excesso de competição interna, disputas agressivas por cargos e poder, desmotivação e sentimentos de injustiça junto às pessoas da base, além da diminuição da empatia e da coesão da equipe”, afirma Alexandre Di Miceli da Silveira, doutor e mestre em administração de empresas e finanças, sócio da consultoria em alta gestão Virtuous.

O Instituto Ethos, voltado à disseminação das boas práticas de governança ambiental, social e corporativa (ESG) no meio empresarial, defende a revisão da disparidade salarial dentro das companhias.

“A desigualdade absurda da remuneração precisa ser tratada”, diz o sociólogo Caio Magri, presidente do Ethos -do qual a Americanas foi suspensa em março. Em empresas suecas e dinamarquesas, diz ele, essa diferença é de 20 vezes. “No Brasil, está na casa de centenas de vezes”, diz Magri, lembrando pesquisa realizada pelo especialista em governança corporativa Renato Chaves, em parceria com a FGV (Fundação Getulio Vargas).

De acordo com o levantamento, feito em 2021, dentre todas as empresas pertencentes ao Índice Bovespa, a Americanas é a que tinha a segunda maior discrepância salarial entre o cargo de presidente e a média salarial dos colaboradores: o principal executivo da companhia recebia uma remuneração 431 vezes maior que a média da empresa. No ranking, a Americanas só perdia para o Assaí, 535 vezes.

“Se o executivo pagasse imposto sobre os dividendos que recebe talvez essa diferença não fosse tão absurda”, diz Magri, para quem a remuneração variável deveria estar sempre atrelada a metas concretas de governança corporativa.

João Paulo Pacífico, fundador da securitizadora Gaia, que estrutura operações de crédito para negócios com impacto social e ambiental, concorda. “Sou muito cético quanto à remuneração variável”, afirma, lembrando que, na Gaia, o pagamento de bônus foi abolido há 10 anos.

“Sou a favor de pagar bons salários e promover uma divisão melhor dos recursos. Alguns vão ganhar mais do que outros, mas não bizarramente mais”, diz Pacífico, para quem o Brasil deve começar a colocar em evidência o múltiplo entre o maior salário (fixo e variável) e a média paga pela organização. “As companhias deveriam colocar um limite: 50, 60, 100 vezes. Mas nunca 500, 600 ou 1.000 vezes.”

Para mitigar o risco, o pagamento em ações à alta liderança precisa estar vinculado ao alcance de um conjunto de indicadores coletivos (não só focado no resultado), afirma Silveira. Exemplos de indicadores coletivos são bem-estar dos empregados, satisfação dos clientes, investimento em inovação e não receber multa de reguladores.

O especialista também defende a adoção de participação nos lucros para todos os empregados. “É preciso reformular o conceito de sucesso: a performance de uma empresa é, fundamentalmente, um jogo de equipe. A avaliação de desempenho e a remuneração devem ser coletivas.”

Para Silveira, vale a regra da simplicidade. “Quanto maior a complexidade do sistema de incentivos, maior a tentação para burlá-lo. Quanto mais o alto escalão se concentrar no dinheiro, menos vai se concentrar na empresa e nas pessoas.”

Por Daniele Madureira

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