O Congresso Nacional pode derrubar hoje (14) parte dos vetos feitos pelo presidente Lula (PT) na Lei 14.701/2023 — na prática, isso deve retomar a tese do Marco Temporal, que foi barrada pelo presidente, além de outros pontos criticados pelas organizações indígena e vetados pelo mandatário. Caso isso se confirme, a estratégia da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) será reagir de imediato. Segundo a Agência Pública apurou, assim que a lei for novamente sancionada, o que deve ocorrer em até 48 horas após a votação, a entidade vai ingressar com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) no Supremo Tribunal Federal (STF), pleiteando a derrubada da maior parte dos dispositivos da lei. Em setembro, a Corte considerou a tese inconstitucional.
A Pública teve acesso à ADI que a Apib pretende protocolar. No peça, a organização aponta, além do marco temporal, outros pontos considerados inconstitucionais. Entre eles está a alteração da Constituição por lei ordinária e a relativização da distinção entre posse tradicional indígena e posse civil.
A votação de vários vetos a diferentes projetos de lei ocorre nesta quinta-feira (14) em sessão conjunta da Câmara Federal e do Senado. A Frente Parlamentar Agropecuária (FPA) tenta retomar o texto aprovado pelos parlamentares que institui a data da promulgação da Constituição de 1988 como “marco temporal” para a ocupação indígena, o que inviabilizaria a demarcação de territórios em que os indígenas foram expulsos e não habitavam à época. Além disso, os ruralistas também querem retomar pontos que afetam o usufruto exclusivo das terras indígenas. O projeto foi apelidado de “Lei do Genocídio Indígena” pela Apib.
A reportagem conversou com o coordenador jurídico da organização, Maurício Terena, para quem “não resta dúvida de que o STF vai manter a decisão de inconstitucionalidade do Marco Temporal”. “O que está pendente do debate vai ser justamente às questões relacionadas a outros dispositivos que a lei também preceitua. Exploração econômica, transgênico, flexibilização da política de não contato. Isso o STF ainda não tem decidido. Em nossa análise, a gente entende que existem subsídios jurídicos que comportam toda uma incondicionalidade dessas matérias, mas o Supremo não tem nada decidido em relação a isso”, diz.
Na visão de Terena, a aprovação da lei pelo Congresso foi “uma afronta ao entendimento do Supremo”. “Nossa perspectiva é, acima de tudo, reafirmar a constitucionalidade do direito dos povos indígenas, mas também reafirmar um posicionamento que os povos indígenas hoje podem litigar pelos seus direitos através da Apib, que tem sua assessoria jurídica indígena própria”, afirma o advogado.
A aprovação da lei no Congresso, depois de anos de discussão, ocorreu de maneira acelerada, em reação ao avanço do julgamento do tema no STF: em 30 de maio, a Câmara aprovou o projeto em regime de urgência; em 27 de setembro, o Senado aprovou o texto vindo da Câmara na íntegra na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e no plenário, remetendo o PL para o presidente.
A aprovação ocorreu no mesmo dia em que o Supremo finalizou o julgamento, considerando a tese do Marco Temporal inconstitucional. O tribunal indicou um “caminho do meio”, levantando a possibilidade de indenizações pelo valor da terra nua – e não somente pelas benfeitorias, como ocorre atualmente – às fazendas que se sobrepõem às terras reivindicadas pelos indígenas. Um levantamento da Pública mostrou que essas indenizações podem custar mais de R$ 1 bilhão aos cofres públicos.
Em 20 de outubro, Lula sancionou o projeto com 34 vetos, barrando vários dos pontos considerados mais problemáticos por organizações indígenas, incluindo o estabelecimento do marco temporal.