Militares temporários reintegrados judicialmente após afastamento por problemas de saúde começaram a ser desligados do Exército Brasileiro com base em um parecer da Advocacia-Geral da União (AGU), em todo Brasil, inclusive no Distrito Federal.
Até a última Reforma da Previdência dos militares, aprovada na gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), a Lei 13.954 de 2019, militares temporários afastados por problemas de saúde tinham direito a benefícios, como salários e aposentadorias.
Mas com a reforma, os novos temporários, a exemplo de quem ingressou na tropa pelo alistamento voluntário, perdeu o direito a reintegração em caso de afastamento por saúde.
Teoricamente, os militares temporários afastados por problemas de saúde teriam o direito adquirido. No entanto, em 12 de abril de 2024, a AGU, na administração do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), publicou parecer autorizando o desligamento dos reintegrados.
“Não há necessidade de interpelação judicial para o fiel cumprimento da nova lei, podendo a Administração Pública proceder de ofício ao licenciamento ou desincorporação do militar temporário que não reúne os requisitos para permanecer nas fileiras do Exército, com o encostamento para tratamento médico pelo tempo necessário”, diz o parecer.
O parecer foi distribuído para os quartéis. Segundo o advogado Gregory Brito Rodrigues, dois militares reintegrados no DF e um em Formosa (GO) foram desligados. E a situação se repete em outras unidades da federação.
Britto ressaltou que o desligamento deve respeitar o princípio Tempus Regit Actum. Em resumo, estabelece que o tempo rege o ato, no sentido de que os atos jurídicos se regem pela lei da época em que ocorreram.
“Como vou pegar uma norma para retroceder em desfavor da pessoa? É igual à Lei das Saidinhas, que só vale para os novos presos. A AGU quer fingir que o princípio Tempus Regit Actum não existe”, argumentou.
Família adiada
Morador do Sol Nascente, o 3º sargento Wesley Luiz de Oliveira Carvalho, de 39 anos, é um dos desligados. A expulsão adiou o sonho do militar de adotar uma criança.
Entre 2011 e 2012, sofreu surtos psicóticos dentro quartel. O Exercito mandou Carvalho embora, mas após recurso em 1ª na Justiça, com base em relatórios e laudos, o militar conseguiu a reintegração.
Afastado do trabalho, o 3º sargento segue em tratamento psicológico e psiquiátrico até hoje e depende da terapia para manter a sanidade.
Em junho de 2024, foi surpreendido com o desligamento baseado no parecer da AGU. “Não tenho mais renda, não tenho como pagar minha medicação, minha saúde piorou”, contou.
O militar tentou conseguir um emprego, mas por conta doença não consegue ficar em público e trabalhar. “Eu estava amparado por uma decisão de um juiz. E agora não sei o que fazer”, lamentou.
Fragilizado, Carvalho recebeu inclusive recomendação médica para ampliar as doses de medicação. Para o militar, o desligamento é uma profunda falta de respeito e preocupação com o próximo.
Pesadelo
“Não veem que do outro lado está uma pessoa doente? Que não pode trabalhar? E eu desenvolvi a doença dentro do Exército. É um pesadelo. É sem sentido. É muita injustiça”, comentou.
Antes do desligamento, Carvalho e a esposa tinham o plano de adotar uma criança. O casal nutria o sonho de abrigar, cuidar e educar um filho ou filha. O 3º sargento inclusive se preparava psicologicamente.
“Nosso plano de adoção foi por água abaixo. Como vamos ter o sonho de formar uma família? Vai ser mais um sonho adiado indeterminadamente. Iriamos adotar, mas vamos ter de retrabalhar tudo isso”, afirmou.
Outro lado
O Metrópoles entrou em contato com a AGU e o Exército. Não houve resposta até a última atualização da reportagem. O espaço segue aberto.