A Comissão de Anistia do Ministério dos Direitos Humanos (MDH) aprovou nesta sexta-feira (23) a concessão de anistia e reparação coletiva à Federação das Associações de Favelas do Rio de Janeiro (Faferj) por perseguições, prisões e torturas sofridas pela entidade e seus dirigentes durante a ditadura militar. No período, a Faferj atuou na defesa dos direitos dos moradores das favelas, alvos de expulsões forçadas e repressão sistemática pelo Estado.
No julgamento, também foi recomendada a cessão de prédio ou terreno público para a construção de uma nova sede para a federação, onde seria erguido um espaço de memória para refletir e educar sobre as violências sofridas por grupos periféricos no período ditatorial. A Faferj representa hoje mais de 800 associações de moradores de comunidades.
O pedido de anistia, protocolado em 6 de novembro de 2023 pela Faferj junto com a Defensoria Pública da União (DPU), buscava o reconhecimento oficial das violações cometidas contra a população periférica do Rio de Janeiro e a própria federação entre 1964 e 1985. Durante a ditadura, mais de 100 mil moradores de favelas foram removidos de suas comunidades, enfrentaram violência e perda de direitos básicos, segundo relatório apresentado pela Comissão Estadual da Verdade do Rio de Janeiro (CEV-Rio) em 2015.
A relatora Ana Maria Lima de Oliveira e a presidenta da Comissão de Anistia, Eneá de Stutz e Almeida, durante sessão
“Favela, em que pese suas origens etimológicas e históricas, no Brasil é [uma palavra] utilizada de forma pejorativa para estigmatizar a população pobre, periférica, em sua maioria negra, que vive em locais nos quais o Estado só aparece para reprimir e apoiar ações de interesse do capital”, afirmou, no início de seu voto, a relatora e conselheira da comissão, Ana Maria Lima de Oliveira.
Além do pedido oficial de desculpas por parte do Estado, as recomendações da comissão propõem a implementação de um plano para a redução da letalidade policial que inclui o uso de câmeras e microfones acoplados aos uniformes dos agentes, e o fim das chamadas “troias”, práticas que consistem em entradas não autorizadas de policiais em imóveis privados nas comunidades.
Além disso, a comissão chama a atenção para a necessidade de fazer valer a Lei Agatha Félix, que prevê a priorização das investigações envolvendo crianças e adolescentes vítimas, como forma de reduzir a violência em favelas. O dispositivo legal foi criado em homenagem à menina de 8 anos que foi atingida por um tiro disparado por um policial militar, quando estava dentro de uma kombi com a mãe, no Complexo do Alemão, Zona Norte do Rio de Janeiro, em 20 de setembro de 2019.
Estado e violência
A relatora Ana Maria Lima de Oliveira também destacou, durante o julgamento, que tanto no passado quanto nos tempos atuais, a especulação imobiliária se fez uma força motriz das remoções forçadas em favelas brasileiras.
“A especulação imobiliária em comunidades, locais de grande beleza natural, é o principal motivo das remoções e deslocamentos forçados. O Estado ditatorial, tanto no campo quanto na cidade, agiu em defesa dos especuladores. E no Estado democrático, a situação não é diferente. As comunidades que resistem, como o Quilombo Sacopã, na Lagoa Rodrigo de Freitas, sempre foram alvo dessa especulação e, mais recentemente, das milícias de origem evangélica que se formaram no Rio de Janeiro, com ataques velados de racismo, inclusive de caráter religioso”, afirmou.
Eneá de Stutz e Almeida, presidenta da Comissão de Anistia do MDH, lamentou que, mesmo em um Estado democrático, as comunidades periféricas ainda enfrentem violência estatal.
“A ausência de reforma das instituições, especialmente das instituições de segurança pública, transforma a perseguição política em um legado que não é apenas histórico, mas também presente, pois é transgeracional”, afirmou. “Enquanto não lidarmos com o legado autoritário do período de Estado de exceção não teremos paz”.