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Invasão zero: Suspeito de assassinato de pajé Nega Pataxó é solto pela Justiça na Bahia

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DÉLIO ANDRADE
DÉLIO ANDRADEhttp://delioandrade.com.br
Jornalista, sob o Registro número 0012243/DF

Preso em flagrante pela morte de Maria de Fátima Muniz, 52 anos, conhecida como pajé Nega Pataxó, o estudante de veterinária José Eugênio Fernandes Amoedo, 20 anos, foi posto em liberdade pela Justiça na última sexta-feira (23). Ele pagou uma fiança de 20 salários-mínimos – R$ 28.240 – e deixou o Conjunto Penal de Vitória da Conquista para responder pelo crime em liberdade. O assassinato ocorreu durante uma tentativa de desocupação da fazenda Inhuma, em Potiraguá (BA), que marcou o ápice do movimento Invasão Zero, que reúne cerca de 5 mil ruralistas interessados em promover, com as próprias mãos, desocupações de áreas em disputa agrária.

Amoedo integrava um grupo de 150 ruralistas que se uniram contra uma ocupação de 30 indígenas, no dia 21 de janeiro deste ano. Ele foi preso horas depois portando o revólver calibre .38 que o laudo pericial conseguiu apontar como a origem do disparo que tirou a vida da pajé. 

Na ocasião, também foram baleados os caciques Nailton Pataxó e Aritanã, que sobreviveram aos ferimentos. O autor confesso dos disparos contra os caciques, o ex-policial Antônio Carlos Santana Silva, também foi libertado após pagamento de fiança. Os detalhes do caso só vieram à tona após a retirada do sigilo do processo, na última terça-feira (27).

As liberdades provisórias foram concedidas pela juíza da 1ª Vara Federal Cível e Criminal de Itabuna, Karine Costa Carlos Rhem da Silva. A magistrada reconheceu a gravidade dos fatos, mas considerou a inexistência de antecedentes criminais. “As provas documentais e testemunhais demonstraram que, antes do fato, ele [Amoedo] mantinha atividades lícitas e boa convivência social, aliando estudo em curso de nível superior com atividades de estágio”, justificou a juíza. “Ademais, passados mais 8 (oito) meses dos fatos, não há notícia da persistência do conflito que resultou nos fatos criminais em apuração”, concluiu.

No último domingo (25), Amoedo fez a primeira aparição pública após deixar a prisão, no Coroas Country Club de Itapetinga. Em grupos de WhatsApp locais, uma foto do suspeito da morte da pajé junto aos pais e à irmã foi comemorada por ruralistas e compartilhada com um vídeo gravado pelo coordenador do Invasão Zero, o pecuarista Luiz Uaquim, em que classifica como “injustiça” a prisão do universitário suspeito de homicídio e chama os ocupantes da fazenda Inhuma de “cangaço formado por pessoas encapuzadas, fortemente armados de rifles, escopetas e revólveres”. “Essa liberdade de Eugênio, representa a nossa liberdade. Estávamos todos presos, Eugênio, junto com você”, afirmou. Durante a ação do Invasão Zero, três indígenas foram baleados e nenhum ruralista foi ferido.

Irmão de Nega Pataxó e sobrevivente do conflito na fazenda Inhuma, o cacique Nailton Muniz Pataxó, 78 anos, lamentou a soltura dos suspeitos. “Hoje a nossa comunidade se sente revoltada ao saber dessa notícia, dessa informação tão triste. Os Pataxós Hã-Hã-Hãe e outros Pataxós estão temendo o que pode acontecer daqui pra frente. A nossa comunidade vem sofrendo vários tipos de ataques e hoje estamos aqui repudiando essas ações”, lamentou.

Cacique Nailton reclama das sequelas após o conflito e o abandono em que os Pataxó Hã-Hã-Hãe teriam sido deixados. “Quando mataram minha irmã, fui visitado no hospital pela ministra Sonia Guajajara, pela presidente da Funai [Joenia Wapichana], pela Polícia Federal e pela Polícia Militar. Depois disso não apareceu ninguém, até hoje não me deram satisfação de nada.”

Segundo a assessoria de comunicação do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, o processo de José Eugênio Fernandes Amoedo está com o prazo aberto para alegações finais até 6 de setembro e então a juíza terá dez dias para decidir se o réu será submetido a júri ou absolvido. O Ministério Público Federal (MPF) ainda não apresentou denúncia contra Antônio Carlos Santana Silva. A Agência Pública questionou o órgão sobre o assunto, mas ainda não recebeu retorno.

A Pública procurou também Funai, MPI, governo da Bahia e as defesas de José Eugênio Fernandes Amoedo e Antônio Carlos Santana Silva, mas não obteve resposta até o momento. Este espaço será atualizado em caso de manifestação.

Invasão Zero

O político e agropecuarista Luiz Uaquim é um dos fundadores do Invasão Zero e nega ter liderado a ação que terminou com a morte de Nega Pataxó. “Quem fez o recrutamento foi um pessoal de Itapetinga e de Potiraguá que pediu ao movimento pra divulgar pelo WhatsApp. Não foi o Invasão Zero que coordenou a ação. Nosso movimento foi criado para pressionar o Estado a reagir contra as invasões. Nossas ações se mantêm dentro da lei.”

O movimento nasceu em março de 2023, com o objetivo de impedir a ocupação da fazenda Ouro Verde, em Santa Luzia (BA), e promove ações de desocupação sem ordem judicial com base no conceito do desforço imediato, descrito no artigo 1.210 do Código Civil, que prevê que “o possuidor turbado, ou esbulhado, poderá manter-se ou restituir-se por sua própria força, contanto que o faça logo”, mas também que “os atos de defesa, ou de desforço, não podem ir além do indispensável à manutenção, ou restituição da posse” – o que torna ações armadas injustificáveis. 

Os ruralistas conseguiram criar uma frente parlamentar de mesmo nome no Congresso, que contou com a presença do ex-presidente Jair Bolsonaro e contabiliza adesão de aproximadamente 200 congressistas. 

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