Tradicionalmente, esta coluna é publicada no site às terças-feiras, e a correspondente newsletter é enviada às segundas-feiras, ao 12h. Contudo, nesta semana, estamos publicando a coluna de forma extraordinária nesta segunda-feira. Para receber as próximas edições, inscreva-se aqui.
Enfim, o Twitter foi banido e ninguém morreu, ninguém enfartou por causa disso – é bem possível que a vida daqueles que, como eu, só usavam essa rede social, se torne até mais saudável. Afinal, desde a aquisição por Elon Musk, a plataforma tem passado por um intenso processo de enshittification (ou bostificação, como expliquei nesta newsletter) na qual está rapidamente deixando de ser uma “praça pública” para se tornar um celeiro de ódio, pornografia e quintal da extrema direita.
Para Elon, pouco importa, assim como pouco importa que, ao decidir desobedecer ordens da Justiça brasileira, tenha colocado em risco seus próprios funcionários. Musk aproveitou o que sabia que viria – a tal carta do STF ameaçando a equipe – para mandar todo mundo embora, fechar a barraquinha e sair do país, usando a extraterritorialidade como porto-seguro pra atacar livremente nossa democracia (não esqueçamos que Bolsonaro fez o mesmo ao se mudar pra Orlando para tentar articular um golpe de Estado).
Está claro que seu interesse não é tornar o ex-Twitter uma empresa bem-sucedida. Pelo contrário, quer torná-la uma ferramenta da extrema direita global, mais ou menos como o Gettr, rede social fundada pelo assessor de Donald Trump, Jason Miller, que, embora tenha tido um modelo de negócios viável, foi usada para financiar o bolsonarismo, como descrevemos nesta reportagem. Vamos aos números. Apenas no ano passado, a receita de anúncios do Twitter nos EUA caiu em 60%. O valor das ações caiu 72%, uma perda de 24 bilhões de dólares, segundo o Washington Post. Agora, com o bloqueio no Brasil, perde-se do dia para noite 20 milhões de usuários, segundo a própria plataforma, ou 6% do total: 1 em cada 15 usuários desapareceu.
Se estivéssemos falando de uma empresa minimamente séria, o CEO que levou a esses números seria imediatamente demitido.
Mesmo assim, seria um grande erro aplaudirmos cegamente a decisão monocrática de Alexandre de Moraes.
Alexandre estava certo em bloquear o Twitter. Não há a menor possibilidade de permitir que uma rede social opere no Brasil sem representante legal – poderia ser apenas um escritório de advocacia, como fez o Telegram quando se viu na mesma situação em 2022. É o que estipula o Marco Civil da Internet, quando determina que as empresas de tecnologia operando no país têm que cumprir a lei; só dá pra cumprir a lei com representante legal. E a Justiça tem que ser dura com esses tecno-oligarcas, justamente porque eles atuam de todas as maneiras para preservarem o seu faroeste digital onde são xerifes, bandidos e mocinhos, e todo o resto de nós somos grãos de areia ao vento.
Mas na esteira da briga contra Musk, que se pessoalizou por vontade de um e também por vaidade do outro, o ministro tem atuado de maneira exagerada e precipitada, demonstrando que o poder que obteve dentro da Corte de fato lhe subiu à cabeça.
Embora tenha conseguido uma coesão quase absoluta dos comentaristas e ativistas de direitos digitais sobre suspender o Twitter, a decisão de bloquear as contas da Starlink parece arbitrária, uma vez que as empresas não fazem oficialmente parte do mesmo grupo – embora tenham o mesmo dono. Agora, a Starlink decidiu não cumprir a decisão de Moraes e não banir o Twitter, numa demonstração que, de fato, é Musk quem manda nas duas. Mas é esperado que o bilionário seja truculento. Da nossa Justiça, deve-se esperar lógica e razoabilidade.
Outro grande problema da decisão levou a notas de repúdio de organizações sérias que defendem a regulação das plataformas. Moraes havia determinado que lojas de aplicativos como Google Play e AppStore tirassem do ar aplicativos de VPN – uma tecnologia que mascara de onde é uma conexão e permite acessar sites bloqueados em um país. É uma decisão sem lógica e que afetaria direitos de milhares de pessoas. O ministro, depois, voltou atrás, mas manteve outra decisão: a de punir com 50 mil reais quem acessar o Twitter por VPN, o que é um despropósito porque muda o foco da punição para o usuário, algo que todas as legislações desde o Marco Civil da Internet, têm buscado evitar. Rompe, portanto, com o espírito da lei.
“Essa medida pode ser considerada desproporcional, uma vez que a utilização de VPNs, por si só, não implica em atividade ilícita ou prejudicial à ordem pública”, escreveu a organização Data Privacy.
Quem cobre o tortuoso caminho das tentativas de regulação das Big Techs no Brasil sabe que os ministros do Supremo (e não só Moraes) estão cansados de decidir sobre o tema; prefeririam que o Congresso tivesse se resolvido e criado regras claras para sua operação em território nacional. Isso não aconteceu porque, como sabemos, as mesmas corporações trabalham pesado para barrar qualquer legislação.
E, portanto, a exacerbação de poder do Supremo não é totalmente culpa de Alexandre.
Mas não podemos deixar que um ministro do STF tome decisões arbitrárias desta maneira sem prestar contas à sociedade. Alexandre tem agido de maneira tempestuosa e açodada, colaborando, de certa maneira, para fortalecer aqueles que querem enfraquecê-lo e, assim, enfraquecer o STF e a democracia brasileira.
Por outro lado, temos que reconhecer que o ministro e o STF estão diante de um ataque internacional sem precedentes – e é preciso, para além de criticá-los, também defendê-los. Elon Musk não está agindo sozinho: como relatamos desde 2022, membros da extrema direita dos EUA como Steve Bannon abraçaram os ataques à Moraes como bandeira internacional, e a gritaria só aumenta com a crescente chance de Bolsonaro ir parar na cadeia.
Levar o caso ao pleno do STF é o passo mais acertado neste sentido.
O uso que Elon Musk faz do Twitter como ferramenta para mobilizar e fortalecer a massa bolsonarista foi coroado agora com a criação do perfil “Alexandre files” no qual ele promete vazar as ordens “ilegais” de Moraes. É um perfil com selo dourado, com maior alcance, portanto. Até a publicação desta coluna, publicou um só um pedido de suspensão de meras sete contas, ao lado de uma comparação tosca com a Constituição brasileira dizendo que a decisão fere nossa lei maior.
Só que não se trata de uma batalha contra um poder judicial que age de maneira abusiva, mas de escolher uma batalha contra um país que Elon Musk acredita ser uma república de banana.
Afinal, uma ordem bastante semelhante, e da mesma maneira secreta, foi emitida em julho de 2023 pelo juiz americano Jack Smith, exigindo da empresa os dados da conta de Donald Trump, sob pena de multa de 50 mil dólares por dia de atraso na entrega dos dados. Segundo o site The Hill, a empresa não gostou da ordem, enrolou para atendê-la, mas acabou cedendo e enviando todos os dados. Elon Musk, que então já era dono da maior parte das ações da empresa, ficou de bico calado. Não ouviu-se um pio.
A empresa recorreu, mas perdeu também na segunda instância. “O tribunal distrital concluiu que havia ‘motivos razoáveis para acreditar’ que revelar a ordem judicial ao ex-presidente Trump ‘colocaria seriamente em risco a investigação em andamento’, dando a ele ‘uma oportunidade de destruir evidências, mudar padrões de comportamento [ou] notificar aliados’”, decidiu o Tribunal de Apelações de Washington DC.
Então: Quero ver se Elon Musk é machão para publicar as ordens secretas da Justiça americana que chegam ao Twitter. Bastava criar uma conta “EUA Leaks” e postar lá.
Du-vi-do.
Pois é de neocolonialismo digital que se trata esse embate, nada mais.