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Enquanto o Brasil queima, o agro foge de ter metas climáticas mais ambiciosas

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DÉLIO ANDRADE
DÉLIO ANDRADEhttp://delioandrade.com.br
Jornalista, sob o Registro número 0012243/DF

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Influencers do agronegócio estão #xatiados nas redes sociais. Não estão gostando nada da onda de memes e comentários que têm associado o setor às queimadas que tomam conta do país. Eles alegam que nenhum proprietário vai pôr fogo na sua própria terra, que eles dependem da natureza etc. etc. 

No episódio desta semana do podcast Bom dia, fim do mundo, Marina Amaral, Ricardo Terto e eu trazemos alguns dados que ajudam a qualificar um pouco esse debate. Se, por um lado, há, sim, um uso agropecuário do fogo tradicional, adotado tanto por pequenos quanto por grandes produtores – e que deveria estar sendo 100% evitado neste momento em que estamos passando por uma seca severa –, por outro, há também suspeitas de que algumas queimadas, especialmente em terras públicas, estão sendo feitas para fins de grilagem

Representantes do setor tentam se dissociar particularmente desse segundo caso – que é um crime –, ao dizer que o fogo vem de gente querendo se valer de especulação imobiliária para “valorizar” a terra ao queimar a floresta e colocar pasto no lugar, não do pecuarista. Sim, isso está em jogo. Mas para quem essas terras vão depois? E o gado criado ali? Não vai acabar parando em frigoríficos? Então, bem… o agronegócio, mesmo que indiretamente, tem um papel nessa história

A pergunta a que o setor mais moderno e tecnificado do agro – que se preocupa com as questões climáticas e tem a perder com a imagem negativa gerada por queimadas e desmatamento – deveria estar respondendo é: por que não atua para cortar pela raiz o ogronegócio que comete barbaridades no campo e no Congresso?

Uma história que vem se desenrolando desde o começo do mês ajuda a ilustrar como esse agro bacanudo também tem deixado a desejar.

Ela começa com uma carta enviada por alguns representantes do setor à secretária de Mudança do Clima do Ministério do Meio Ambiente, Ana Toni, depois que uma reunião entre eles acabou adiada. O governo federal está neste momento ouvindo representantes da sociedade para discutir o Plano Clima, que será a principal diretriz do país para o combate e a adaptação às mudanças climáticas, e também para elaborar a nova meta do Brasil junto ao Acordo de Paris.

Em 2015, quando praticamente todos os países do mundo concordaram em adotar medidas para conter o aquecimento global, eles já sabiam que os esforços que estavam se dispondo a fazer eram bem aquém do necessário. 

Ao se fazer as contas de quanto cada nação prometeu reduzir de suas emissões de gases de efeito estufa, logo ficou claro que o mundo ainda rumaria para um aquecimento de quase 3 ºC até o fim do século – em vez do 1,5 ºC considerado “mais seguro”. Então, lá mesmo em Paris, já ficou combinado: daqui a dez anos, a gente atualiza para cima essas metas.

Chegou a hora. Os países têm de apresentar até o começo do ano que vem suas novas NDCs (sigla para Contribuições Nacionalmente Determinadas – as metas internas de cada nação) à ONU. E o momento não poderia ser mais dramático. Nos últimos nove anos, as emissões até desaceleraram, mas continuaram subindo. 

E os impactos chegaram mais cedo do que a ciência previa. Entre os últimos 14 meses (desde julho de 2023), em 13 deles a temperatura média do planeta já ficou 1,51 ºC acima dos níveis pré-industriais. As enchentes, ondas de calor, secas e queimadas que estamos vivenciando em tudo quanto é canto da Terra já ocorrem nesse contexto. Imagina se aquecer ainda mais. 

Mas, voltando à carta. Os representantes do agronegócio começam dizendo que o setor está comprometido com a questão climática. “O setor vive da natureza. É o primeiro a sofrer com o que já vem ocorrendo. Qualquer interpretação diferente não é justa. Dependemos do clima.” 

Tudo verdade. E de fato eles já estão sendo impactados. Mas aí eles usam as perdas para adotar o modo vítima e argumentar que eles não podem ser mais cobrados do que já são.

“A redução das emissões de gases efeito estufa na produção agropecuária é relevante no caso doméstico, mas não é o principal ofensor a nível internacional. Desta forma, nos preocupa posicionar o setor como parte central do problema ou da solução. Não podemos perder de vista os combustíveis fósseis como o principal desafio a ser combatido”, escrevem. 

“Ao invés de ampliarmos os compromissos do setor agro em termos de redução de emissão, devemos avançar em estratégias e propostas para fortalecimento da agenda de adaptação”, apontam. Quer dizer, eles querem saber como o setor vai ser protegido, mas não querem se comprometer com reduzir mais suas emissões. 

E continuam assim: “O maior desafio neste momento não é ampliação da ambição na redução das emissões, mas sim a sua efetiva implementação. Mesmo que o Acordo de Paris estabeleça o aumento constante de ambição em redução das emissões, entendemos que o governo brasileiro deveria ser cauteloso nesse momento. Uma estratégia deveria ser ampliar a ambição em investimentos no âmbito da adaptação ao invés de somente mitigação”. 

Eles questionam até mesmo a meta do governo Lula de zerar o desmatamento até 2030, dizendo que o foco deveria ser apenas o desmatamento ilegal. Tem uma coisa que eles falam que faz todo sentido: o Brasil precisa conseguir colocar em prática a legislação que já tem, como é o caso do Código Florestal, a principal lei a definir regras para a proteção de vegetação nativa em propriedades rurais.

Eles têm razão ao dizer que as regras que preveem mecanismos para a regularização ambiental de propriedades que cometeram desmatamento ilegal, por exemplo, ainda patinam, e isso é importante para dar segurança jurídica e até mesmo para dar incentivos para a manutenção da floresta em pé. Sim, o país tem de resolver isso. Mas tem de ir além.

Agora vejam que essa carta é assinada por nomes que vêm mostrando um comprometimento com a questão ambiental e climática nos últimos anos. É o caso do Marcello Brito, que se identifica como um agroambientalista. Ex-presidente da Associação Brasileira do Agronegócio (Abag), ele tem investido em cacau na Amazônia para desenvolver uma alternativa econômica para a região que não se baseie em desmatamento. Ele foi um forte crítico da política antiambiental do Bolsonaro e rejeitou a ideia de que era para passar a boiada. 

Também se destacam entre os signatários João Adrien, hoje no Itaú BBA, André Nassar, da Abiove, a entidade que reúne as exportadoras de soja, e o pecuarista Pedro de Camargo Neto, ex-presidente da Sociedade Rural Brasileira (SRB). Além de representantes de bancos, como o Rabobank, que investe muito no setor. 

Enfim, todos bastante conscientes da emergência climática e críticos do ogronegócio e dos mecanismos de desinformação que uma ala do setor aplica. Com quem ambientalistas, em geral, conseguem conversar. Mas o que eles mostram nessa carta é que, quando esse agro moderno é cobrado a agir, a tomar uma atitude, eles pulam fora, querem menos ambição.

Só que o Brasil, assim como todos os demais países, tem de reduzir mais suas emissões para conter o aquecimento global. Menos ambição só significa um aumento maior da temperatura, só significa mais eventos extremos. Não adianta adaptar a agricultura se o clima continuar piorando. 

E o agronegócio é parte dessa equação. Eles têm toda razão em dizer que a queima de combustíveis fósseis é a grande responsável no mundo pelo aquecimento global – e o Brasil certamente precisa ter isso em vista e repensar os planos de abrir novas frentes de exploração de petróleo.

Mas, na contribuição brasileira – que não é pequena, somos o sexto maior emissor do mundo –, o agro tem um papel muito importante. O desmatamento responde por cerca de metade das nossas emissões e a agropecuária, diretamente, responde por 27%.

Um grupo de ambientalistas reagiu à carta e publicou um artigo na Folha de S.Paulo. Eles afirmaram que esse setor tão moderno melhor faria se agisse para conter o ímpeto destrutivo da bancada ruralista no Congresso, que defende uma série de projetos de lei que visam afrouxar regulações ambientais. 

Melhor faria se cobrasse pela aprovação de leis que endurecem a punição a crimes ambientais (como o fogo e o desmatamento), se eliminasse o financiamento a áreas embargadas. Do contrário, dizem, ele se confunde, sim, com o ogronegócio. 

A reação veio nesta quarta-feira (18). Camargo Neto e Sergio Bortolozzo, presidente da SRB, publicaram um novo artigo na Folha rebatendo as críticas, que eles classificaram como “lástima”. E dizem: “Juntos, ambientalismo e agronegócio precisariam pressionar os poderes públicos a enfrentar o crime cada dia mais organizado. Garimpo, extração de madeira, grilo de florestas – tudo ilegal – exigem ação. […] É inaceitável confundir a já complexa questão. Crime é responsabilidade dos Poderes públicos, não tem nada a ver com o agronegócio”.

Pois é…

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