O Pauta Pública desta semana reforça a importância de incluir a crise climática no debate das eleições municipais, que ocorrem em 6 de outubro em todo o país. Para discutir o tema, o entrevistado foi Rodrigo Corradi, secretário executivo adjunto do Iclei – Governos Locais pela Sustentabilidade, uma rede global de mais de 2,5 mil governos locais e regionais comprometidos com o desenvolvimento urbano sustentável.
A conversa traz uma reflexão sobre a interseção entre gestão municipal e a crise climática, destacando como os problemas ambientais costumam ser abordados de forma global, muitas vezes ignorando o papel crucial dos territórios locais e os impactos sentidos dentro das cidades. “Em primeiro lugar, [o eleitor deve] é escolher candidatos que tenham referências a questões climáticas no seu plano de governo. É preciso questionar qual é sua proposta, onde está a preocupação com as mudanças climáticas”, defende.
Corradi, que atua na tomada de decisão em organizações internacionais, enfatiza que as questões ambientais não podem ser mais tratadas como restritas a grupos específicos. Para ele, toda a agenda de sustentabilidade se conecta direta ou indiretamente a outras demandas estruturais, como saúde e educação.
Corradi ressalta que a articulação entre os níveis federal, estadual e municipal é essencial para a implementação eficaz de políticas climáticas. Ele alerta que os eleitores precisam se conscientizar sobre a importância de seu papel na escolha e cobrança de ações dos representantes políticos. “O processo democrático não é somente baseado nas eleições. Ele é um processo de contínua pressão cívica e democrática, a gente tem que se acostumar mais com isso.”
Leia os principais pontos e ouça o podcast completo abaixo.
EP 140
A urgência de priorizar a crise climática – com Rodrigo Corradi
[Andrea Dip] Estamos às vésperas das eleições municipais num clima um tanto apocalíptico no país: queimadas em várias regiões, seca na Amazônia como nunca antes visto, o ar em muitas capitais está na lista dos piores do mundo. Um cenário nada animador. Agora, como podemos relacionar esses problemas com a gestão municipal? O que os prefeitos e vereadores têm a ver com isso?
[Rodrigo Corradi] Muitas vezes a gente coloca as pautas climáticas dentro de uma dinâmica global. São questões da grande agenda climatológica e os temas são colocados quanto às toneladas de emissões. Reforço sempre que a pauta da sustentabilidade é uma pauta local. Nós não temos alternativa ao ser humano, ao seu espaço de território, que não seja conectado ao ambiente que está no seu entorno. Isso quer dizer que toda a agenda de sustentabilidade, ela acaba direta ou indiretamente se conectando ao território.
Dentro da camada dessa grande pauta de sustentabilidade, a agenda central, quiçá dessas duas grandes emergências que nós vivemos hoje e muito interconectadas, é a emergência climática e a emergência da perda da biodiversidade. Elas têm uma dinâmica local muito forte. No Brasil, somos um entre os dez maiores emissores globais e somos um ponto fora da curva porque a nossa grande emissão não é feita dentro da cidade. Nossa grande emissão é a emissão florestal. É o uso do solo e a maneira como nós fazemos essa gestão.
O fato é que não importa como é feita a emissão, mesmo emitindo muito dentro das nossas cidades, nós sofremos. Porque a realidade da adaptação climática está onde as pessoas vivem. Estamos respirando esse ar, que complica a nossa estrutura produtiva, e entendemos também o que são os extremos climáticos como as chuvas, inundações e ondas de calor. Todos esses riscos climáticos que trabalhamos dentro dos territórios, eles atuam junto à vida das pessoas e a vida das pessoas está nas cidades.
[Andrea Dip] Como a gestão municipal impacta a gestão estadual e federal? Podemos afirmar que a ação ou inação de um prefeito afetará na gestão estadual, que por sua vez terá impacto nas medidas federais? Explica pra gente como funciona essa escala?
[Rodrigo Corradi] Todas as agendas de implementação das pautas climáticas, elas ao fim podem ter os recursos movidos no nível federal. Tanto os recursos financeiros quanto os recursos técnicos e materiais. A estrutura de coordenação tem que ser muito bem pensada no nível estadual, e a coordenação para que os territórios possam estar articulados ao município. O município não está sozinho numa situação de emergência, mas é o locus da resposta e da preparação.
Estou falando do ideal, que é ter uma coordenação feita pelo nível estadual, uma coordenação entre os diferentes setores. Quando chegar na estrutura federativa brasileira, é clara a resposta no final das contas, já que ela também está conectada à realidade do território, e quem faz a gestão do território é o(a) prefeito e a prefeito(a). […] Então existe uma necessidade que essas coordenações da lógica estratégica possam chegar no território com força, e essa força tem de vir de uma coordenação federativa. Essa coordenação federativa é a demanda que, na realidade, todos os especialistas se colocam dentro desse escopo. Não é somente uma vara de condão federal que vai acabar solucionando esse tema.
[Clarissa Levy] Para muita gente, a crise climática é algo que está fora de seu controle, o cidadão comum não se sente capaz de virar o jogo e sabemos que para essa crise não há saída individual, mas temos o voto. O que a eleitora, o eleitor deve pensar antes de escolher um candidato, considerando que a emergência climática é uma pauta interseccional?
[Rodrigo Corradi] Em primeiro lugar, é escolher candidatos que tenham referências a questões climáticas no seu plano de governo. É preciso questionar qual é sua proposta, onde está a preocupação com as mudanças climáticas. A gente não pode pensar na lógica ambiental da maneira como ela era vista antes, que era entendida como essas pautas identitárias ou pautas de grupos específicos. A pauta ambiental, e principalmente a agenda climática, é a mais transversal, se não a mais inclusiva entre outras pautas.
Então você pode, sim, perguntar ao seu candidato o que que ele tá pensando pra educação conectado com a agenda climática. O que ele está pensando quais vão ser os efeitos [da mudança climática] para a gestão territorial. São questionamentos muito importantes junto com a questão da identificação. […]
A eleição municipal, na realidade o ciclo eleitoral, finaliza em junho do ano que vem, que é quando são aprovados os planos plurianuais das prefeituras brasileiras. Porque, no final das contas, eles [os candidatos] tentam seduzir o eleitor antes das eleições, mas na verdade o maior compromisso que um prefeito e uma câmara de vereadores pode colocar é passar o plano plurianual, com a alocação dos recursos pelos próximos quatro anos.
Por isso, eu chamo a atenção de que a eleição é fundamental, mas essas cobranças e questionamentos têm que ser postos, principalmente dentro desse ciclo, já que o processo eleitoral não se finaliza nas eleições. É um bom ponto para chamar a responsabilidade, não somente para os prefeitos e prefeitas, mas também para a câmara de vereadores da cidade que aprova e faz a alocação orçamentária para as ações que vão ser postas.
Felizmente ou infelizmente, o processo democrático não é somente baseado nas eleições. Ele é um processo de contínua pressão cívica e democrática, a gente tem que se acostumar mais com isso. Porque não se pode pensar que essas ações vão ser solucionadas somente pelos indivíduos sem o Estado. Se a gente pensar que o Estado não vai ser parte da agenda de solução, com todo o respeito, eu não vejo uma incidência material que pode pode apresentar soluções pensando nos riscos e nas vulnerabilidades para os grupos.