Em 2014, o Ministério Público Federal (MPF) denunciou cinco militares pelo homicídio e ocultação do cadáver de Rubens Paiva, político cassado pela ditadura militar, que foi morto em janeiro de 1971. No entanto, desde então, o processo não avançou e nem houve desfecho. Um dos acusados é o general José Antônio Nogueira Belham.
De acordo com o Portal da Transparência, Belham segue recebendo uma remuneração básica bruta de R$ 35.991,46 enquanto vive em Brasília, no Distrito Federal. O homem também aparece com a patente de marechal, considerada uma honraria voltada apenas a oficiais do Exército Brasileiro que tiveram atuação excepcional durante período de guerras.
Na época do crime, o militar era comandante do Destacamento de Operações e Informações (DOI) do 1º Exército, na zona norte do Rio, onde Rubens Paiva teria morrido. Ele foi levado para unidades militares após ser preso, em casa, no Leblon, zona sul do Rio, por seis agentes do Centro de Informações de Segurança da Aeronáutica (Cisa).
Em depoimento à Comissão Nacional da Verdade (CNV), em 2013, o general negou que sabia sobre as torturas a Rubens Paiva e ainda acrescentou que estaria ausente do local pois estava de férias. O MPF, por sua vez, apontou que os militares envolvidos, incluindo Belham, todos previamente ajustados e agindo com unidade de desígnios, mataram o ex-deputado.
Assassinato
Após a denúncia ter sido aceita, a defesa dos militares moveu uma reclamação no Supremo Tribunal Federal (STF). Em setembro de 2014, o ministro Teori Zavascki concedeu liminar ao pedido e suspendeu o curso da ação penal.
Os advogados questionaram decisões anteriores da Justiça Federal e do Tribunal Regional Federal da 2ª Região. Para a defesa, o processo não deveria continuar por causa da Lei da Anistia. O MPF discorda e considera o caso um crime contra a humanidade, imune a anistias.
Os acusados são José Antônio Nogueira Belham; Jacy Ochsendorf e Souza; Raimundo Ronaldo Campos; Jurandyr Ochsendorf e Souza; e Rubens Paim Sampaio. Pelo menos os três últimos já faleceram. O major Jacy Ochsendorf e Souza ganha um salário bruto de R$ 23.457,15.
Com a morte de Zavascki, a ação passou a ser analisado por Alexandre de Moraes. O processo não era movimentado desde o fim de 2018, mas o ministro do STF pediu um parecer da Procuradoria-Geral da República (PGR) sobre o julgamento de cinco militares em outubro deste ano.
Na última quinta-feira (21/11), a PGR apontou que é mais adequado aguardar a decisão do STF no âmbito do recurso extraordinário que trata da aplicação da Lei da Anistia. Em resumo, a procuradoria que a Corte continue o caso da morte de Rubens Paiva.
Procurada pelo Metrópoles, a defesa dos militares, incluindo o general Belham, considerou a nova manifestação da PGR como “decepcionante” por vários motivos: “O primeiro deles é a constatação de que agora até o cinema impulsiona o judiciário brasileiro. Isso é muito frustrante. O processo ficou parado 10 anos e editaram um filme, lançaram um filme candidato ao Oscar sobre o tema e o processo voltou a andar, quer dizer, a mensagem que fica do Brasil no cenário internacional é de que os órgãos públicos brasileiros só se mexem quando tem alguém olhando”.
Em relação ao mérito, segundo o advogado Rodrigo Roca, não haveria nem mais a quem se processar já que boa parte dos envolvidos já morreu. Além disso, a defesa aponta que o tema, baseando-se na aplicação da Lei da Anistia, já foi debatido por diversas vezes.
“O ministro Teori Zavascki concedeu a liminar para suspender o andamento da ação penal. Essa liminar foi referendada pelo ministro Alexandre de Moraes. O Supremo Tribunal Federal já enfrentou esse tema algumas vezes. Nos tribunais, porque foram várias as ações, também houve esse mesmo frenesi no cinquentenário do regime militar, em 2014, e foram deflagradas simultaneamente várias demandas, todas extintas ou bloqueadas de alguma forma, como é o caso desse processo”, afirma Roca.
Por fim, a defesa dos militares espera que “o Supremo Tribunal Federal mantenha a posição que ensaiou até o presente momento, ou seja, que se ponha definitivamente uma pá de cal sobre esse assunto e que a reclamação seja julgada procedente”.
Rubens Paiva
O ex-deputado e engenheiro Rubens Paiva tem sua história contada no filme Ainda Estou Aqui, longa-metragem de Walter Salles inspirado no livro homônimo de Marcelo Rubens Paiva, filho do político. Ele nunca mais foi visto após ser levado para prestar depoimento em 1971, período da ditadura militar.
Rubens Beyrodt Paiva, nascido em 26 de dezembro de 1929 em Santos, São Paulo, se casou com Maria Lucrécia Eunice Facciola e teve cinco filhos com ela: Vera Sílvia Facciolla Paiva, Maria Eliana Facciolla Paiva, Ana Lúcia Facciolla Paiva, Maria Beatriz Facciolla Paiva e Marcelo Rubens Paiva.
A carreira política de Paiva teve início em 1962, quando foi eleito deputado federal por São Paulo pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB). Durante a ditadura, Paiva se tornou um símbolo de resistência contra o regime antidemocrático e chegou a confrontar publicamente o então governador paulista, Ademar de Barros, que apoiava o golpe.
Paiva também integrou a CPI destinada a investigar as atividades do IPES-IBAD, instituições acusadas de financiar palestras e artigos que alertavam para a chamada “ameaça vermelha” no Brasil. Essa atuação lhe custou o mandato, que foi cassado em abril de 1964.
Rubens Paiva se exilou na Iugoslávia, na França e em Buenos Aires após ter o mandato cassado. Ele retornou ao Brasil e sua família deixou São Paulo para morar no Rio de Janeiro. O patriarca da família Paiva não voltou a trabalhar com a política, mas manteve contato com exilados enquanto seguia a carreira como engenheiro.
Prisão e morte
Em 1969, Rubens Paiva viajou ao Chile para prestar auxílio a Helena Bocayuva Cunha, que estava exilada após se envolver no sequestro do embaixador Charles Burke Elbrick. Algum tempo depois, pessoas que portavam cartas de Helena para o ex-deputado foram detidas, e Paiva acabou sendo vinculado a Carlos Alberto Muniz, que, por sua vez, tinha ligações com Carlos Lamarca, o homem mais procurado do país na época.
Em 20 de janeiro de 1971, seis homens invadiram a casa de Rubens no Rio de Janeiro fortemente armados e levaram o político para prestar depoimento. Eunice, esposa de Paiva, e Eliana, filha do casal, foram presas no dia seguinte.
Rubens foi torturado e morto no Destacamento de Operações Internas (DOI), no quartel da Polícia do Exército. Segundo Amílcar Lobo, médico do DOI, Paiva morreu devido aos ferimentos sofridos em sessões de tortura. Na época, os órgãos oficiais alegaram que Paiva havia fugido durante transferência de prisão e nunca mais fora encontrado.
Eunice Paiva, liberada depois de 12 dias presa no DOI, passou a brigar para que o desaparecimento do marido fosse investigado. Somente em 2014 foi revelado que a fuga de Rubens havia sido inventada pelo ex-major Raimundo Ronaldo Campos e outros dois companheiros.
Em 1996, depois da sanção da Lei dos Desaparecidos pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso, foi emitido o atestado de óbito do ex-deputado, ficando assim reconhecida oficialmente a sua morte. O corpo nunca foi encontrado.