
Ouvi dizer por aí que o governo brasileiro concedeu asilo político a uma cidadã estrangeira condenada por corrupção em seu país. Para além da já polêmica decisão, o episódio ganhou circunstâncias ainda mais controversas: a Força Aérea Brasileira teria sido mobilizada para buscá-la, num gesto que expõe o uso de recursos públicos em favor de interesses que se mostram estritamente pessoais, ou ideológicos. É isso, mesmo. Aos desavisados aviso que quem banca é o contribuinte brasileiro, que paga impostos para ter acesso à saúde, mas não tem. Que trocou a picanha pelo osso e nem viaja de avião.
A beneficiária da gentileza não possui cidadania brasileira, não é autoridade de Estado e tampouco figura entre vítimas de catástrofes naturais, como tsunami, terremoto, furacão, ou perseguições humanitárias reconhecidas, como de “crime de opinião”. Sua maior credencial é a proximidade política com integrantes do atual governo.
O Brasil parece coisa de maluco, mas vamos aos fatos e, principalmente, à lei. Afinal, qual o interesse público envolvido na operação? Quais os critérios objetivos que justificariam tamanha mobilização estatal?
O artigo 37 da Constituição Federal de 1988 estabelece que a administração pública deve obedecer aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. O uso de recursos da Força Aérea para atender a um pedido de natureza evidentemente pessoal, ainda que travestido de decisão política, viola frontalmente os princípios da impessoalidade e da moralidade administrativa.
Trata-se de uma ação com forte viés subjetivo, sem justificativa transparente de interesse coletivo, e que remete à prática patrimonialista de confundir o Estado com os desejos do governante ou de seu círculo próximo.
A Lei nº 8.429/1992, que trata dos atos de improbidade administrativa, prevê em seu artigo 11 que constitui infração qualquer ação ou omissão que atente contra os princípios da administração pública. O uso indevido de aeronaves, recursos financeiros e infraestrutura pública para fins privados pode, sim, ser enquadrado como ato de improbidade, passível de investigação por parte do Ministério Público e de sanções como perda da função pública e ressarcimento ao erário.
Ainda que não se trate aqui de enriquecimento ilícito direto, há evidente desvio de finalidade no uso dos recursos públicos, o que configura prejuízo institucional.
O Brasil se arrisca a ser visto como um refúgio para delinquentes de colarinho branco
O asilo político é uma prerrogativa soberana do Estado, prevista no artigo 4º, inciso X, da Constituição, e deve ser concedido a quem sofre perseguição por motivos políticos, religiosos, raciais ou ideológicos. No entanto, a prática internacional — respaldada por tratados como a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção (Decreto nº 5.687/2006) — não reconhece como legítimo o asilo a pessoas condenadas por crimes comuns, como corrupção e lavagem de dinheiro.
Ao acolher alguém condenado por atos que lesam o patrimônio público de outro país, o Brasil se arrisca a ser visto como um refúgio para delinquentes de colarinho branco, enfraquecendo ainda mais a já sua combalida imagem no cenário internacional e abrindo precedente preocupante para futuras decisões semelhantes.
A mobilização de aparato estatal em favor de interesses privados, seja por amizade, conveniência ideológica ou cálculo político, enfraquece a confiança da população nas instituições e contribui para a sensação de que há dois tipos de cidadania: a do brasileiro comum, sujeito à letra fria da lei, e a dos “companheiros”, agraciados com favores sob medida.
Não se trata, aqui, de acusar este ou aquele agente público. Essa é a função das instituições competentes, como o Ministério Público, o Tribunal de Contas da União e, no caso de autoridades, o Congresso Nacional, mas é dever da imprensa questionar, investigar e expor os desvios de lógica, legalidade e moralidade que comprometem a saúde republicana do país.
Se o Estado brasileiro continuar a se comportar como extensão da satisfação dos caprichos de quem deveria governar, e não como instrumento do interesse coletivo, estaremos cada vez mais distantes de uma democracia plena, que já se encontra à deriva, e cada vez mais afundados em um sistema onde o erário serve aos compadres, não ao cidadão.
*Jornalista profissional diplomado, editor do portal Do Plenário, escritor, psicanalista, cientista político ocasional, analista sensorial, enófilo, adesguiano, consultor de conjunturas e cidadão brasileiro protegido (ou não) pela Constituição Brasileira
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