É compreensível que o cidadão tenha perdido o fio da meada da Operação Lava Jato. Nem os videogames mais sofisticados têm tantas fases. Turbulência, Custo Brasil, Saqueador, Tabela Periódica, Sépsis, Boca Livre, Abismo… as investigações não param e chegaram ontem à 31.ª etapa (na foto, autoridades dão entrevista sobre ela). Delatores delatam, procuradores denunciam, a polícia prende – e no Rio de Janeiro está até faltando tornozeleira eletrônica, tamanha a quantidade de corruptos.
Quem acompanha o caso por dever profissional tem, a esta altura, uma sensação de déjà vu. Um mesmo mecanismo se repete a cada nova denúncia. Há contratos públicos, empresários em busca de vantagens, políticos corruptos e um previsível encontro de interesses para lesar o bolso do cidadão. Como nenhum outro evento, a Lava Jato revelou as entranhas do capitalismo de compadrio brasileiro. Qual será o fim dela?
A promessa sempre foi ir além da corrupção. Ao revelar relações espúrias, as investigações abriram espaço para que, no lugar delas, fossem erguidas instituições mais sólidas, capazes de dar uma base nova ao capitalismo brasileiro. Nosso capitalismo de compadrio só existe e resiste há tanto tempo porque tal conluio de interesses funciona para ambos os lados.
Para os empresários corruptores, pagar propina garante que não haverá expropriação ou mudança de regras durante a maturação de seus investimentos. Para os políticos, a sociedade com empresários financia campanhas e promove obras necessárias ao crescimento e à sua sobrevivência no poder. Ao romper esse acordo de interesses, é preciso pôr algo no lugar: instituições que deem segurança ao investidor, sem criar privilégios a este ou aquele grupo, além de servir para punir os políticos que cobrem propina.
Uma avaliação honesta da Lava Jato precisa reconhecer que, apesar de avanços, estamos longe disso. As novas leis estabelecendo regras mais sensatas para as diretorias de estatais e novas modalidades de concorrência, em que a empresa é obrigada a apresentar um projeto executivo, não apenas um projeto básico sujeito a dezenas de aditivos, são um bom começo. Mas não bastam.
De nada adianta a Justiça funcionar apenas em Curitiba, se o nó da Lava Jato está em Brasília. A classe política resiste a implantar uma nova legislação que implique mudanças profundas no statu quo. Dezenas de empresários graúdos já foram presos. A pergunta que todos se fazem é: e os políticos, que cometeram crimes e não têm interesse nessas mudanças? Quando irão para a cadeia? Não nomes de pouca relevância, como o ex-deputado André Vargas, o ex-deputado Paulo Ferreira ou o ex-vereador Alexandre Romano. Mas políticos graúdos, quando?
O único a ser preso e a reconhecer seus crimes foi o ex-senador Delcídio Amaral. Basta dar uma olhada nas dúzias de delações já homologadas pela Justiça para saber que a corrupção não para aí. Os maiores nomes do PMDB conspiraram para “estancar a sangria”, nas imortais palavras do senador Romero Jucá – ou será que a “sangria” era apenas uma beberagem preparada em festas?
Que dizer da mais eloquente anotação do iPhone de Marcelo Odebrecht: “dizer do risco cta suíça chegar campanha dela”? Com a prisão do marqueteiro João Santana, vieram à tona as provas de que o petrolão financiou campanhas da presidente afastada Dilma Rousseff, que não perde uma oportunidade para se dizer “inocente” e “honesta”.
Marcelo, que antes dizia não “ter o que dedurar” certamente poderá fornecer os detalhes em sua delação premiada. Assim como o empreiteiro Léo Pinheiro poderá contar com precisão a história dos imóveis atribuídos ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em Atibaia e no Guarujá. Ambas as delações são as mais aguardadas em toda a Lava Jato, justamente pelo teor dos nomes de políticos potencialmente envolvidos.
Punir políticos graúdos é um dever que cabe, em primeiro lugar, ao Supremo Tribunal Federal (STF). Depois de levar meses para analisar o caso do presidente afastado da Câmara, Eduardo Cunha, de arrastar há anos inquéritos contra o presidente do Senado, Renan Calheiros, e de emitir em questão de horas um habeas corpus libertando o ex-ministro Paulo Bernardo, podemos afirmar que a ação do Supremo tem, no mínimo, variado entre morosa e errática. Por mais diligente que seja o juiz Sérgio Moro, a Lava Jato não pode depender apenas da 13.ª Vara da Justiça Federal de Curitiba.
O desejo dos políticos já ficou evidente há tempos: construir um acordão para livrar todo mundo. É “estancar a sangria”, “passar uma borracha” ou qualquer chavão que a mente criativa dessa gente consiga pronunciar a portas fechadas. Eis o plano deles: ninguém vai pra cadeia, uma ou outra lei melhoram um pouco as coisas – e daqui a algum tempo tudo volta a funcionar como antes, como tem funcionado no Brasil desde sempre.
O desejo da população é outro: cadeia para os criminosos e instituições para desestimular o crime. Só falta os políticos entenderem que, na democracia, quem manda é a população. Nas eleições deste ano, talvez eles comecem a perceber a verdadeira transformação que a Lava Jato já provocou no país.
G1 – Por Helio Gurovitz