Durante quase 50 anos ela trabalhou muito ao dedicar sua vida ao trabalho social voltado principalmente para as crianças carentes em Ceilândia-DF, principalmente na QNM 27 em Ceilândia Sul, onde construiu e consolidou a Casa da Criança Ana Maria Ribeiro – Criamar.
Aos 86 anos, Maria dos Anjos Teixeira foi esquecida pela direção da Igreja que tanto dedicou sua vida.
Graças a terceiros que ocupavam a presidência e tesouraria da Criamar, em 2014 ela perdeu o abrigo e a Igreja Assembleia de Deus – Ministério do Guará, simplesmente a abandonou e ignorou sua história e luta.
Nada deram à senhora que durante décadas prestou conta de cada centavo que entrava na Casa da Criança Ana Maria Ribeiro-CRIAMAR e do abrigo Zélia Macalão, ambos situados em Ceilândia – DF. Ela foi surpreendida com declarações e investigações que nada provaram contra ela. Mesmo assim, a igreja lhe virou as costas e lhe tomou um prédio construído com suor, oração e lágrimas, muitas lágrimas. Confira esta comovente entrevista exclusiva:
BLOG – Como teve início seu projeto de ação social?
Maria dos Anjos – O projeto de ação social nasceu em meu coração nos idos de 1967, quando eu ainda morava na comunidade denominada de Vila Esperança e frequentava a Igreja Evangélica Assembleia de Deus, que situava-se ao lado da cidade satélite do Núcleo Bandeirante. Eu, juntamente com um grupo de mulheres da mencionada igreja, fazíamos um excelente trabalho social junto aos habitantes da Vila Esperança, pois a maioria dos seus moradores eram pessoas extremamente carentes. Entre os anos 1970/1972, ocorreu a transferência dos moradores das invasões existentes na cidade do Núcleo Bandeirante, para a futura cidade satélite, denominada de Ceilândia.
BLOG – Por quê a senhora teve a inciativa de criar um local para abrigar tantas crianças e idosos na cidade de Ceilândia em 1972?
Maria dos Anjos – Quando passei a morar em Ceilândia, andando pelas ruas, via crianças desnutridas devido a fome que estavam passando, pois a maioria dos moradores residia embaixo de lonas de plástico e tomando chuva, pois o inverno era muito intenso na época em Brasília. Dois casos me levaram a assumir de fato um trabalho de amparo as crianças necessitadas: Encontrei uma senhora chamada Terezinha, com roupas maltrapilhas, tinha em seus braços uma criança suja, desnutrida e com deficiência física em seus pés e aquela mulher me pedia ajuda para não deixar seu filho, chamado Danilo, morrer. Um Senhor chamado Delvino, estava desesperado com 7 filhos para cuidar, pois a sua esposa havia falecido de câncer, e deixou todos os filhos para ele criar, e ele fez apelos em vários canais de televisão, rádios. Ao ouvir o apelo daquele homem, não resisti e coloquei aquelas crianças dentro da minha própria casa para cuidar.
BLOG – Como foi essa experiência?
Maria dos Anjos – Inicialmente levei algumas crianças para se abrigar na minha própria residência, na QNM 09 em Ceilândia Sul, que era uma construção de madeira, onde também moravam os meus pais já bastante idosos e com a saúde debilitada; Logo o número de crianças em minha casa cresceu substancialmente, pois os primeiros moradores de Ceilândia eram extremamente pobres; a maioria das famílias, eram muito pobres, não tinham praticamente nada para comer, porque não havia empregos, nem qualquer projeto social por parte do governo para dar amparo aos primeiros moradores de Ceilândia.
BLOG – E qual foi a consequência dessa experiência de abrigar crianças carentes em sua residência?
Fazendo este trabalho, conseguir boas amizades com pessoas que moravam no Plano Piloto, que passaram a conhecer meu trabalho com as crianças e eles passaram também a contribuir com alimentação, roupas, assistência médica e remédios entre outras necessidades básicas do ser humano. Como até então as escolas estavam em construção, a minha filha mais velha, chamada Marlene, dava aula para as crianças, tudo improvisado, mas feito com muito, muito amor.
BLOG – A sua residência naturalmente ficou inviável para abrigar tantas crianças e ainda os seus pais. Como a senhora resolveu a esta situação?
Maria dos Anjos – A igreja que eu frequentava, Assembléia de Deus do Campo Nacional do Guará, recebeu uma área da Terracap de 5.000m2, e para legalizá-la era necessário que a igreja deveria exercer alguma atividade de cunho social. Diante da necessidade de melhor abrigar as crianças e também atender as exigências da Terracap para legalizar a ocupação do terreno, procurei o pastor Antonio Inacio de Freitas, fundador e então presidente da igreja nesta época, e propus para o mesmo a criação de uma entidade de cunho filantrópico, sendo esta ideia acatada integralmente pela direção da Igreja.
BLOG – Para que esse trabalho de cunho social fosse legalmente realizado, a senhora procurou algum órgão do governo do DF para lhe dar as orientações necessárias para criação e manutenção de uma entidade cunho social?
Maria dos Anjos – SIM! Procurei a Secretaria de Ação Social do GDF, Vara de Infância do Poder Judiciário e até outras entidades congêneres para obter não só a legalização das atividades filantrópicas, mas também obter experiências com tal atividade.
BLOG – Inicialmente a senhora só atendia as crianças que estavam em extrema necessidade, mas com o decorrer dos anos, devido a carência dos moradores de Ceilândia, a casa Ana Maria Ribeiro-CRIAMAR, passou também a receber idosos e até pessoas com necessidades especiais. Tem procedência esta afirmação?
MARIA DOS ANJOS – Sim. Tem plena procedência, pois a carência era grande, principalmente no inicio de Ceilândia, pois a demanda era tão grande que rapidamente a casa abrigava 35 crianças, e após a construção provisória, esse número saltou para uma média de 80 crianças. Quanto aos idosos, a CRIAMAR, abrigava entre 25 e 30 idosos. No tocante as pessoas com necessidades especiais, o número era de aproximadamente 25 pessoas. Cabe aqui observar, querido Donny, que haviam divisões dentro da casa para as crianças, idosos e pessoas com necessidades especiais.
BLOG – Para abrigar esta gama de pessoas, naturalmente foi necessário fazer uma construção que comportasse essa quantidade de pessoas. Foi a igreja que construiu estas dependências para abrir as crianças, idosos e pessoas com necessidades especiais?
Maria dos ANJOS – Infelizmente a igreja não contribuiu com um real sequer para construção da Casa da Criança Ana Maria Ribeiro – CRIAMAR. A construção, embora provisória, foi totalmente construída por várias pessoas bondosas e até empresas, que fizeram parte da ajuda da mencionada construção, com doações de materiais e alimentos exclusivamente para tal finalidade. A Igreja Assembleia de Deus do Campo Nacional do Guará em nada contribuiu, mas durante décadas se beneficiou do meu trabalho. Dava “status” para a igreja ter uma obra social tão linda aquele jeito. Além disso, a Criamar, aos domingos, levava todos para o templo da igreja que ficava ao lado de nosso prédio em Ceilândia.
BLOG – A senhora recebia alguma ajuda financeira por parte da igreja para a alimentação, assistência média, material higiênico, e outras carências da entidade ou recebia ainda, alguma mensalidade dos pais ou responsáveis pelas crianças e idosos e pessoas com necessidades especiais?
Maria dos Anjos – Infelizmente preciso dizer aqui que a Casa da Criança Ana Maria Ribeiro-CRIAMAR, não recebia qualquer mensalidade de terceiros, nem tão pouco da igreja. A manutenção da entidade vinha exclusivamente dos vários apoios da sociedade em geral, que viam a seriedade do nosso trabalho, principalmente as “Bens” (era um grupo de mulheres de Brasília, a maioria, residia no Plano Piloto).
BLOG – Devido ao aumento de crianças, idosos e pessoas com necessidades especiais dentro da casa, ficou inviável a permanência naquele local. Quais as providências que a senhora tomou para resolver esta situação?
Maria dos Anjos – Fiz um trabalho em conjunto com a Secretaria Social do GDF, Vara da Infância do DF e também a Terracap, e foi nos foi doado um terreno, situado na QNM 28 Guariroba, com 4.000m2, onde ocorreu a primeira construção definitiva, sendo este prédio destinado a abrigar os idosos e pessoas com necessidades especiais, e demos o nome daquele abrigo de ZELIA MACALÃO. A construção definitiva da Casa da Criança Ana Maria Ribeiro-CRIAMAR, veio depois de alguns anos de muitas batalhas em prol dos necessitados de nossa comunidade.
BLOG – Dona Maria dos Anjos, a igreja Assembleia de Deus do Campo Nacional do Guará participou de alguma forma destas construções?
Maria dos Anjos – Infelizmente não. Quem construiu o Abrigo Zélia Macalão foram as várias contribuições da comunidade em geral, principalmente um grupo de mulheres chamadas “ as Bens”, já mencionadas nesta entrevista.
BLOG – A precariedade das instalações da Casa da Criança Ana Maria Ribeiro-CRIAMAR, levou a senhora a empreender uma grande campanha junto à sociedade de Brasília para efetuar a construção definitiva da CRIAMAR. Estes objetivos foram alcançados?
Maria dos Anjos – Graças a Deus e ao apoio incondicional da comunidade de Brasília, conseguimos realizar a construção definitiva da CRIAMAR na área lateral da Igreja Assembleia de Deus localizada na QNM 27, em Ceilândia Sul. Construimos um prédio com vários quartos destinados aos meninos e meninas; Construimos um amplo salão destinado aos eventos da entidade; Construimos uma ampla cozinha devidamente equipada para as necessidades da CRIAMAR; Construimos amplos banheiros para ambos os sexos, bem confortáveis e limpos; Construimos salas para escritório, deposito e reuniões; Construimos um prédio em anexo ao prédio da Casa da Criança Ana Maria Ribeiro, de dois pavimentos com excelente estrutura, para atender todas as demandas da entidade; Cabe aqui observar: Que todas as reformas e construções foram feitas com apoio de vários segmentos da sociedade de brasíllia e até outras cidades do estado de Goiás. A IGREJA NÃO EMPREGOU NENHUM UM CENTAVO para execução de tais reformas e construções. Na primeira avaliação dos peritos da própria Justiça, tais edificações estão avaliadas hoje em mais de R$ 1.800.000,00.
BLOG – Dona Maria dos Anjos, a igreja em algum momento pensou em criar uma entidade de assistência social para a comunidade?
Maria dos Anjos – Sim, por minha sugestão foi criado dentro da estrutura da igreja, o IBAESE, que passou a fazer um trabalho em conjunto com a com a Casa da Criança Ana Maria Ribeiro-CRIAMAR.
BLOG – Assim que a Casa da Criança Ana Maria Ribeiro-CRIAMAR se consolidou, ocorreu uma perseguição por parte dos pastores que dirigiam a sede em Ceilândia Sul, contra a direção da CRIAMAR. Por que esta perseguição se originou?
Maria dos Anjos – Acredito que devido a grande repercussão em todo o Distrito Federal, do trabalho sério que a CRIAMAR fazia, e criou um clima de inveja e ambição por parte daqueles pastores que nos perseguiam, com constantes ameaças de acabar com a CRIAMAR, inclusive com falsas denúncias e mentiras.
BLOG – A igreja tinha necessidade de utilizar a área que a CRIAMAR ocupava na QNM 27?
Maria dos Anjos – De jeito nenhum! A igreja não tinha a menor necessidade de espaços para exercer as suas atividades, pois além do grande templo que ela tem com várias salas e porão, tem um grande prédio de quatro pavimentos com dezenas salas completamente desocupadas! Este prédio, foi construído por aproximadamente 25 anos atrás. Além do mais, a igreja tem à sua disposição uma área de oito mil metros quadrados, que fica nos fundos da igreja, também completamente desocupado. O atual pastor da Assembleia, Luiz Carlos Nunes sequer sabe o que fazer com tanta área, mas fez questão de nos perseguir e ameaçar até que deixássemos as instalações da Criamar.
BLOG – Dona Maria dos Anjos, devido às constantes ameaças por parte da igreja para que a área da Criamar fosse desocupada, a direção da CRIAMAR entrou com uma ação no poder judiciário do DF, reivindicando a concessão da área ocupada pela CRIAMAR e infelizmente a Justiça não concedeu tal pedido. A Justiça também expediu uma ordem de despejo da CRIAMAR, dos prédios construídos pela própria Casa, sem a igreja oferecer qualquer indenização das benfeitorias que foram feitas na área já mencionada e sem sequer um agradecimento por parte da Igreja que sequer lhe ouviu. Como foi isso?
Maria dos Anjos – Vale lembrar que foram 42 anos de contínuos serviços prestados a entidade, que não foram de forma alguma reconhecidos. Como já disse: O valor hoje das benfeitorias, avaliado pela própria justiça, passa de mais de R$1,7 milhão! Tudo o que eu tinha coloquei nesta obra social e hoje sequer tenho uma casa para morar. Me tomaram tudo, inclusive meus sonhos e enterraram meu passado dedicado às crianças, idosos e pessoas com com algum tipo de deficiência. Se necessário, tenho dezenas de testemunhas que acompanharam todo o trabalho feito, inclusive, de pessoas que foram criadas na CRIAMAR, e hoje são chefes de família, que podem testemunhar a seriedade do nosso trabalho e dedicação. Diante dos fatos já narrados, ainda acredito na Justiça para corrigir as injustiças sofridas por pastores ignorantes, arrogantes, soberbos e ingratos, que usurparam tudo o que construí ao longo de quase cinquenta anos.
BLOG – Qual sua mensagem para aqueles que lhe tiraram tudo e lhe foram ingratos?
Maria dos Anjos – Justiça! É tudo o que peço a Deus. Imagine você lutar contra tudo e todos, arregimentar amigos e simpatizantes e construir e manter uma obra social por décadas sem receber um centavo da igreja que você dedicou toda a sua vida, e ainda assim, um pastor covarde assume a igreja em Ceilândia Sul, nos aterroriza, nos tira de lá e e que chegou ao ponto de impedir que eu entrasse nas instalações da Criamar no dia em que a perita foi lá fazer o levantamento do que gastamos na edificação. O pastor Luiz Cláudio não honra a Bíblia que prega! Nunca fez nem um por cento do que fiz para Deus e para as pessoas necessitadas. Mas está na Bíblia, em I Timóteo 6:10: “O amor ao dinheiro é a raiz de todos os males”. No caso dele, pastor Cláudio, ele queria era simplesmente ocupar o prédio que construí. Ele não estava satisfeito de ter um prédio de quatro andares vazio atrás de seu templo. Queria mais! Agora, nessa idade, luto com todas as minhas forças para que haja justiça e que eu tenha direito a ser ressarcida pelo que fiz, já que gratidão não é regra dentro da igreja que dediquei quase toda a minha vida. Hoje eles ignoram a minha história, a minha dedicação à igreja que ajudei a ser edificada. Espero sinceramente que o novo presidente da Igreja seja tocado por Deus e pelas verdades aqui contidas, e que faça aquilo que seu pai, o finado pastor Adalino Inácio Sobrinho não fez: reconhecer meu trabalho e me indenizar por isso. É muito triste o que hoje vivo e sinto e o que me alegra é quando encontro alguém que cuidei quando criança, e este me agradece por tudo o que fiz. Isso faz valer a pena viver e acreditar na Justiça.