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Cármen Lúcia é a nova voz da República

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DÉLIO ANDRADE
DÉLIO ANDRADEhttp://delioandrade.com.br
Jornalista, sob o Registro número 0012243/DF

“Do Supremo cuido eu”

Na reta final da delação da Odebrecht, a temperatura política volta a subir e a presidente do STF, Cármen Lúcia, se impõe. A ministra assume a condução da Lava Jato, articula com os demais Poderes a sucessão de Teori Zavascki, ajuda a debelar a crise nos presídios e até enquadra o juiz Sérgio Moro

A morte em um fatídico acidente de avião do ministro Teori Zavascki, relator da Operação Lava Jato no Supremo Tribunal Federal, acomodou uma nuvem cinzenta sobre futuro das investigações do maior esquema de corrupção já descoberto no País. Além de acumular em seu gabinete mais de 50 inquéritos e ações penais da Lava Jato, o ministro tinha em seu poder a explosiva delação premiada dos 77 executivos da Odebrecht. E estava prestes a homologá-la. Na esteira da tragédia, enquanto o meio político não só fazia figa para ganhar um fôlego, como já se articulava para jogar o fim do mundo para além das festas momescas, advogados da empreiteira manifestavam preocupação com um adiamento indefinido dos processos. Os procuradores, por seu turno, manifestavam dúvidas se o novo ministro relator reuniria condições técnicas e isenção ética para levar adiante a operação. Em meio a esse mar de incertezas, emerge como voz altiva da República a presidente do STF, Cármen Lúcia. Na última semana, coube à ministra avocar para si a condução da Lava Jato, acelerar a chamada “mãe de todas as delações” e assumir as rédeas do STF nas articulações para escolha dos novos ministro e relator. Foi como se as placas tectônicas, alvoroçadas em Brasília, se reacomodassem naturalmente, após o tsunami. A autoridade serena de Cármen e sua genuína firmeza, a se imporem perante o caos, ou a proximidade dele, bastaram. Fez-se a calmaria. Durante o velório de Teori, realizado em Porto Alegre (RS), a presidente do STF daria o primeiro e talvez mais contundente sinal de que, sim, ela mataria a crise que se avizinhava no peito. Em um dado momento, o juiz federal Sérgio Moro, responsável pela Lava Jato na primeira instância, cumprimentou a magistrada e comentou esperar que ela decidisse com serenidade a escolha do novo relator do caso. Ladeada por colegas, a ministra respondeu a Moro: “Do Supremo cuido eu”.

Como se nota, Cármen Lúcia é uma mulher de poucas palavras e posições firmes. No início da semana, ela determinou aos juízes auxiliares do gabinete de Teori que remarcassem as audiências preliminares com os delatores. Pairavam dúvidas se Cármen aguardaria a indicação do novo relator, a quem, em tese, caberia a tarefa. A ministra não se fez de rogada. Reuniu-se com o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, na segunda-feira 23 e deu o aval a uma estratégia para permitir a aprovação dos acordos. No dia seguinte, Janot apresentou formalmente ao Supremo um pedido para que a delação da Odebrecht fosse tratada em caráter de urgência. Era o respaldo que ela precisava para imprimir celeridade ao andamento do processo. Ato contínuo, os funcionários telefonaram para os advogados da Odebrecht e marcaram dia, horário e local para as audiências com cada um dos colaboradores – que aconteceram, em sua maioria, nos Estados de residência deles e com o apoio da estrutura da Justiça Federal. Previstos em lei, esses depoimentos prévios dos delatores são apenas para confirmar que assinaram a colaboração espontaneamente e por iniciativa própria, sem sofrer qualquer tipo de pressão. O trabalho ocorreu com velocidade incomum e foi aberto o caminho para a homologação, que pode sair a qualquer momento. “Sobre esse assunto não falo nem sob tortura”, esquivou-se Cármen na última quinta-feira 26. Não poderia mesmo. A partir desta fase, Janot já terá condições de solicitar as primeiras aberturas de inquérito contra políticos, dando prosseguimento a um dos passos mais importantes da Lava Jato.

As articulações para a definição tanto do nome do novo relator da Lava Jato no Supremo como do ministro substituto de Teori também tiveram a participação direta da ministra. Se por medo ou respeito, ninguém sabe. Mas, ao fim da semana, emissários do Planalto faziam circular a versão de que nada seria feito sem o aval e a aquiescência dela. Inicialmente, havia a possibilidade de que o ministro indicado para a vaga de Teori pelo presidente Michel Temer (PMDB) assumisse a relatoria, conforme reza o regimento interno do Supremo. Temer, no entanto, recebeu a visita da prudência, aquela que diferencia os homens públicos incautos dos previdentes. O louvável gesto jogou a responsabilidade nas mãos da presidente Cármen Lúcia e ela agiu como manda o figurino de magistrada. Reuniu ministros, ouviu mais do que falou e terminou a semana inclinada a uma decisão. Qual seja: a de indicar um colega do plenário do STF para herdar a relatoria. Dentre os nomes incluídos nessa possibilidade largam na frente os dos ministros Luiz Edson Fachin, Luís Roberto Barroso e Celso de Mello, nesta ordem.

“CALA A BOCA JÁ MORREU”

O histórico de Cármen Lúcia é alvissareiro para a Lava Jato e sua postura combativa contra a corrupção indica que ela não vai medir esforços para fazer a operação continuar a todo vapor. E, sobretudo, sem ingerência das sempre condenáveis conveniências políticas. Ela, por exemplo, votou a favor da prisão de condenados em segunda instância e proferiu um duro voto ao se posicionar favorável à prisão preventiva do então senador Delcídio do Amaral (ex-PT-MS), em novembro de 2015. “Agora, parece se constatar que o escárnio venceu o cinismo. O crime não vencerá a Justiça”. Outro voto que ganhou repercussão foi na discussão sobre biografias não autorizadas, que foram liberadas por decisão unânime do Supremo. Cármen Lúcia se mostrou uma defensora da liberdade de expressão e alertou: “Cala a boca já morreu, é a Constituição do Brasil que garante”. Ela chegou a ser relatora dos inquéritos da Operação Zelotes que subiram para o Supremo por envolverem parlamentares, mas que ainda estavam em fase inicial. Como assumiu a presidência, as investigações ficaram a cargo do seu antecessor, o ministro Ricardo Lewandowski.

Segunda mulher a assumir o comando do Supremo, aos 62 anos, natural de Montes Claros (MG), Cármen Lúcia não se limita a uma atuação burocrática nos autos processuais do seu gabinete e tem adquirido protagonismo ao enfrentar questões cruciais para o País. “Justiça não é milagre”, “Constituição não é utopia”, “cidadania não é aspiração”, costuma dizer. Em meio à crise nos presídios, tem discutido soluções com o presidente Temer e os dos tribunais de Justiça estaduais. Desde que assumiu o cargo, em setembro, ela fez visitas a presídios e articula agora a realização de um censo para a população carcerária, com o objetivo de traçar um diagnóstico para tentar propor soluções à situação explosiva das carceragens. A presidente do STF também tem atuado no sentido de buscar caminhos para solucionar a profunda crise econômica que acomete os estados brasileiros. A ministra, por exemplo, concedeu uma liminar desbloqueando R$ 193 milhões das contas do Rio. Graças à decisão, o governo fluminense conseguiu se programar para pagar os salários atrasados dos servidores. Seus recentes movimentos têm atiçado especulações das mais variadas, como as que a colocam como possível nome para concorrer à Presidência da República em 2018. Claro, sem nenhuma sinalização concreta por parte dela. Não é nem nunca foi de seu feitio. Como poucos, a ministra consegue manter a distância regulamentar que separa a magistrada da (eventualmente) política, condição que muitas vezes precisa assumir enquanto presidente da Corte Suprema do País.

A ministra monitora com atenção, por exemplo, a investigação sobre as causas do acidente aéreo que matou Teori na quinta-feira 19, tocadas pela Aeronáutica, pela Polícia Federal e pelo Ministério Público. As evidências colhidas até agora pelo Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa) reforçam a hipótese de que foi mesmo um acidente, provocado pelo mau tempo que assolava a região de Paraty (RJ) no momento do voo. O Cenipa conseguiu extrair os dados do gravador de voz da cabine do avião e divulgou que, em uma análise preliminar, “os dados extraídos não apontam qualquer anormalidade nos sistemas da aeronave”. O equipamento gravou os últimos 30 minutos de áudio do voo, o que inclui não só as informações de voz, mas também sons que podem indicar as manobras da aeronave e ajudar a explicar os motivos da queda. Os técnicos agora se dedicam à análise desse material, capaz de fornecer uma resposta definitiva à tragédia que chocou o País e ameaçou paralisar a Lava Jato. Ameaçou. Pois a atmosfera do imponderável que se abateu sobre o futuro da operação, para o instantâneo deleite de políticos encalacrados, não contava que no meio do caminho tinha Cármen. No meio do caminho tinha Cármen Lúcia.

ASSIM É CÁRMEN LÚCIA ANTUNES ROCHA, 62 ANOS

> Discreta, de poucas palavras, porém firme em suas decisões e às vezes dura nos autos, a presidente do STF preza pela simplicidade. Prefere dirigir o próprio carro e não gosta de ter seguranças à sua cola

> Gosta de bater longos papos com amigos, mas sente-se um pouco solitária em Brasília. Ela é mineira, religiosa, mas vota por direitos liberais, como aborto em caso de feto anencéfalo, união homoafetiva e a Marcha da Maconha

> Indicada ao STF em 2006 pelo então presidente Lula, assumiu a presidência do Supremo em setembro de 2016. Ganhou notoriedade com atuação firme em casos de corrupção e frases de efeito nos julgamentos

>Nos bastidores, é articulada na relação com parte dos ministros do STF e mantém bom trânsito com o Palácio do Planalto. Proferiu voto pela prisão do então senador Delcídio do Amaral no qual afirmou que “o escárnio venceu o cinismo”

Aguirre Talento – IstoÉ

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