A população se preocupa com mudanças climáticas? A maioria dos políticos que responderam a um levantamento da Agência Pública acredita que sim. Mas esta foi a questão que mais gerou discordância entre os participantes do Climômetro, pesquisa que buscou avaliar a percepção dos candidatos às prefeituras das capitais do país sobre a crise do clima.
Perguntamos aos cinco candidatos mais bem colocados na disputa se acreditam que a população da sua cidade se preocupa com o problema. Entre os 53 que responderam, 48 disseram concordar com a afirmação – apesar de metade deles de modo apenas parcial (23 candidatos), o que impactou na nota que eles receberam no Climômetro. E quatro deles discordaram.
A formulação da pergunta levou em conta o pressuposto de que a percepção dos políticos sobre o que é importante para suas populações pode impactar suas ações no governo.
Para Rodrigo Iacovini, doutor em planejamento urbano e diretor do Instituto Pólis, há uma desconexão entre as respostas dos candidatos e as discussões eleitorais. Em sua visão, se grande parte dos candidatos vê a mudança do clima como um tema que preocupa o eleitorado – e a maioria deles diz que vai priorizar o assunto caso sejam eleitos, eles deveriam trazer o assunto para os debates e as campanhas, embora isso não esteja acontecendo na medida que deveria.
“Pensando que as eleições são também um momento pedagógico politicamente, caberia aos candidatos que eles colocassem isso de maneira expressa e passassem a interpretar as demandas que chegam para eles a partir da crise climática. Mas não é o que vem ocorrendo na maioria das capitais”, afirma.
Mercedes Bustamante, professora de ecologia na Universidade de Brasília (UnB) e membro do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), grupo científico ligado à ONU, também enxerga essa desconexão entre os posicionamentos e os debates políticos. “Ainda não vi nenhum dos candidatos das capitais trazer a pauta climática com centralidade para os debates, que é o que deveria ser feito”, diz.
As análises refletem um quadro já diagnosticado em reportagem da Agência Pública que analisou os planos de governo dos candidatos que responderam ao Climômetro. A conclusão foi que metade dos candidatos não tem propostas claras para lidar com a crise do clima.
Para especialistas, candidatos deveriam priorizar as mudanças climáticas, embora isso não esteja acontecendo na medida que deveria
O que pensam os candidatos que responderam ao Climômetro?
Amom Mandel (Cidadania), deputado federal mais jovem e mais votado na história do Amazonas, é candidato a prefeito em Manaus e discorda em parte que a população da cidade esteja preocupada com as mudanças climáticas.
Em comentário enviado à Pública, ele ressaltou a baixa arborização, a poluição de igarapés urbanos, os índices preocupantes de saneamento básico no município e o crescimento de crimes ambientais em todo o estado. “Uma grande parcela da população ainda não conseguiu entender que vários desses problemas são parte da cadeia de preservação do meio ambiente e, consequentemente, de tentar amenizar os efeitos climáticos”, afirma.
Apesar disso, o tema é um dos destaques da sua campanha. Mandel estabelece metas específicas de combate às mudanças climáticas em seu plano de governo, como a neutralização das emissões de gases do efeito estufa em Manaus até 2050 e a implementação de um plano climático para alcançar esses resultados.
Amom Mandel (Cidadania), candidato a prefeito em Manaus (AM)
Marcelo Ramos (PT), que também concorre em Manaus, concorda em parte com a questão. Disse que “há muito trabalho a fazer no campo da informação e da conscientização da população no que se refere às mudanças climáticas”. E complementou: “Ainda há narrativas que desconstroem a importância de ações de mitigação das suas causas e efeitos, razão pela qual ainda persistem comportamentos que colaboram para os atuais e cada vez mais constantes eventos climáticos extremos”.
Além de Amom Mandel, Pedrão (PP), que tenta ser prefeito de Florianópolis (SC), e Gianfranco (PSTU), de Macapá (AP), também discordam em parte. Nenhum deles justificou o posicionamento.
Já Wellington do Curso (Novo), candidato em São Luís (MA), que foi atingida por grandes alagamentos em abril deste ano, discorda totalmente. “A cidade de São Luís tem graves problemas na saúde, onde mais de 70% da população depende do SUS. Desta forma, a questão ambiental e suas consequências não estão afetando ainda a população”, justifica. Seu plano de governo não cita as mudanças climáticas.
Wellington do Curso (Novo), candidato em São Luís (MA)
Para Mercedes Bustamante, posicionamentos como o do candidato do Novo deveriam acender um alerta. “É uma posição errônea discordar de que a população está preocupada. O sistema de saúde, que está sobrecarregado, não dá conta de atender as pessoas atingidas por inundações ou grandes secas seguidas de incêndios. Ele precisa ser pensado na lógica das mudanças climáticas. A ficha ainda não caiu para esses candidatos, e não caiu porque eles não acreditam [no problema] ou porque não estão percebendo a preocupação dos eleitores com o tema.”
Em São Paulo (SP), os três candidatos que responderam ao Climômetro, Guilherme Boulos (PSOL), Ricardo Nunes (MDB) e Tabata Amaral (PSB), afirmam concordar totalmente que os paulistanos se preocupam com a mudança do clima.
Tabata Amaral foi a única que justificou o posicionamento: “Quem vive em São Paulo está vendo, dia após dia, como as mudanças climáticas já estão impactando negativamente a vida na cidade”. A candidata acrescenta que “não resta dúvida que essa questão preocupa a população paulistana” e “as pessoas estão preocupadas porque sabem do risco e não estão vendo a grande maioria dos governantes tomar ações de prevenção e adaptação”.
Tabata Amaral (PSB), candidata a prefeitura de São Paulo (SP)
Duda Salabert (PDT), de Belo Horizonte (MG), também concorda totalmente e diz que “é preciso que as gestões públicas municipais respondam aos anseios da ciência, salvaguardando a vida das pessoas”.
Em Belém (PA), cidade que estará no centro do debate internacional sobre mudanças climáticas em 2025 com a realização da 30ª Conferência do Clima da ONU (COP30), os candidatos concordam que a população se preocupa com o problema, embora em níveis diferentes. Edmilson Rodrigues (PSOL), atual prefeito, e Jefferson Lima (Podemos) afirmam concordar totalmente que os belenenses estão preocupados com a crise climática. Já Igor Normando (MDB), Éder Mauro (PL) e Thiago Araújo (Republicanos) dizem concordar apenas em parte. Nenhum deles explicou o posicionamento no campo de comentários adicionais.
O candidato Marquito (PSOL), que tenta o cargo de prefeito em Florianópolis (SC), lista propostas detalhadas para combater as mudanças climáticas em seu programa de governo, mas concorda em parte que os moradores da cidade se preocupam. “Acredito que a população de Florianópolis está sendo cotidianamente impactada pelos efeitos das mudanças climáticas, mas nem todo mundo ainda os identifica dessa forma”, afirma em seu comentário.
Candidatos não percebem a urgência das mudanças climáticas ou a preocupação dos eleitores com o tema, alerta Bustamante
Pesquisas de opinião pública reforçam que a população se preocupa com o problema
A formulação da pergunta do Climômetro foi baseada em pesquisas como a do Datafolha, publicada em julho deste ano, que apontou que 97% dos brasileiros percebem as mudanças climáticas no dia a dia e 77% entendem que elas são provocadas pela ação humana.
Um levantamento mais recente do mesmo instituto, divulgado no último dia 25, revelou que a maioria da população de Belo Horizonte, São Paulo, Rio de Janeiro e Recife reconhece um risco imediato com a mudança do clima. Respectivamente, 76%, 71%, 66% e 59% dos moradores dessas capitais veem o problema como uma ameaça atual. Cerca de 24% dos entrevistados nas quatro cidades enxergam o risco apenas para pessoas que viverão daqui a muitos anos e menos de 10% não percebem risco nenhum.
“Várias das questões que estão associadas ao bem-estar da população são fortemente influenciadas pela mudança do clima, como a segurança de moradias, a distribuição da população em áreas de risco, o problema de disponibilidade de água e a coleta de resíduos sólidos”, avalia Bustamante.
Ela defende que os candidatos deveriam estar a par do que mostram as pesquisas de opinião sobre o assunto. “As pessoas estão percebendo que [a mudança climática] vai ter implicações futuras que não para um futuro distante, mas para os próximos quatro anos, que é o período que os prefeitos vão ter de gestão”, diz.
“Muitos candidatos ainda não perceberam que o eleitorado tem demandas que não necessariamente vêm envelopadas como uma demanda de crise climática, mas que têm tudo a ver com o problema”, complementa Rodrigo Iacovini. “Talvez uma parcela da população ainda não tenha conectado os pontos, até por uma falta de educação climática e ambiental, mas a sociedade brasileira está aquecida pelo debate climático.”