Dos R$ 3,1 milhões investidos em correspondências pela Câmara Legislativa no ano passado, 35% foram gastos apenas em dezembro. No mês do Natal, os parlamentares fizeram uma despesa total de R$ 1,1 milhão, suficiente para o envio de 647 mil cartas comerciais. O desembolso de dinheiro público dos 24 distritais com postagens chama ainda mais atenção se comparado com as despesas realizadas pelos deputados federais da bancada do DF no mesmo período. Os oito representantes do Distrito Federal na Câmara dos Deputados usaram R$ 4,1 mil com serviços postais em 2016, o que representa um valor 756 vezes menor do que o valor torrado pela Câmara Legislativa.
No Congresso Nacional, as regras para envio de cartas são muito mais rígidas do que no Legislativo local. O serviço pode ser utilizado pelos deputados federais nas agências dos Correios, por meio de requisição. Não há reembolso nem emissão de nota fiscal. A Câmara tem contrato com os Correios e, quando um deputado quer enviar algo, ele faz uma requisição, e a Casa debita o valor na cota para exercício da atividade parlamentar. Ou seja: não há um custo fixo para remessa de correspondências, descontado da verba indenizatória. Na Câmara Legislativa, além do previsto para o gabinete, há recursos reservados exclusivamente para esse serviço.
Cada deputado distrital pode gastar R$ 192 mil por ano, uma média mensal de R$ 16 mil. Há, ainda, cotas para cada unidade administrativa do Legislativo Local, para as lideranças ou para integrantes de partidos ou de blocos. Nos últimos dois anos, o gasto total dos deputados distritais com serviços postais chegou a R$ 6 milhões. Em 2015, o gasto foi de R$ 2,9 milhões e, no ano passado, o montante subiu para R$ 3,1 milhões. Os campeões de envio de cartas foram Robério Negreiros (PMDB), Raimundo Ribeiro (PPS) e Bispo Renato Andrade (PR). Eles desembolsaram, respectivamente, R$ 179,9 mil, R$ 178,99 mil e R$ 178,91 mil no ano passado.
Revolta
Brasilienses ouvidos pelo Correio ficaram surpresos com o exagero dos deputados distritais com a postagem de felicitações de aniversário ou de cartões para datas comemorativas. A palavra mais citada foi desperdício. Entre os entrevistados, a maioria informou que a verba seria mais bem usada com investimentos em áreas essenciais, como educação e saúde.
O tamanho dos gastos com cartas impressiona a estudante Luana Zaira, 35 anos. “É um desperdício enorme do dinheiro público. Essa bolada poderia ser investida em melhorias para a população”, pontua. Moradora do Gama, a mãe de uma menina de 10 anos reclama que, há quase um ano, a pediatria do hospital regional da cidade está fechada. “Tenho de ir em busca de atendimento em outras unidades. Esse dinheiro gasto com cartas poderia ser investido na saúde pública. É uma brincadeira com a população gastar mais de R$ 6 milhões com os Correios. É um gasto extremamente fútil”, reclama.
Doutor em ciência política na Universidade de Brasília (UnB), José Matias-Pereira atribui o gasto da Câmara Legislativa como um exemplo de má administração do dinheiro público. “Vivemos um momento de crise econômica que está trazendo à tona, além da corrupção, os desperdícios na administração. Esse é um problema tão grave quanto a corrupção”, avalia. Segundo o especialista em gestão pública, é necessária uma mudança de comportamento dos políticos. “Esse gasto revela a face negra da administração, o descuido com o patrimônio e com as finanças. Mostra que temos de mudar a cultura e, principalmente, fazer com que os dirigentes sejam os primeiros a dar o exemplo”, afirma.
Matias-Pereira aponta que, após o momento de crise, os distritais precisam rever todos os gastos. “Se a Casa quiser ser respeitada pelo povo, ela precisa também respeitar os recursos públicos, usando de maneira adequada aquilo que é retirado do bolso do contribuinte”, pontua. Ele também acredita que a disparidade com os gastos é um desrespeito à sociedade. “Notamos vários desperdícios, desde os pequenos, com cartas, até aquelas verbas que são direcionadas para eventos. Isso mostra uma falta de compromisso dos governantes”, critica.
Por HELENA MADER e THIAGO SOARES-Correio Braziliense – 17/02/2017 – 15:01:25