O pastel com caldo de cana já é tradição nas feiras livres, principalmente nas paulistanas. A massa tem ligação com presença de imigrantes japoneses em São Paulo, nos anos 40; a bebida, por sua vez, era produzida desde o século 16 no país e consumida por pessoas negras escravizadas nos engenhos de cana-de-açúcar.
Com histórias longevas, os dois alimentos movimentam o agronegócio brasileiro até hoje com seus ingredientes. A cana-de-açúcar, por exemplo, é utilizada tanto para a garapa quanto para a cachaça (que, além de ser apreciada sozinha, dá a crocância em receitas como a do pastel).
Ela teve o Valor Bruto da Produção Agropecuária (VBP) de 2021 estimado em R$ 1,119 trilhão, 9,9% maior em comparação ao do ano passado.
Em termos nutricionais, no entanto, apesar de os sabores combinarem, uma comida acaba anulando os benefícios da outra. O pastel, por ser frito, estimula a produção de radicais livres, que geram substâncias tóxicas no organismo, enquanto a garapa tem função antioxidante.
Pastel como ‘disfarce’
Existem duas teorias sobre como o pastel chegou ao Brasil.
A primeira é que ele teria vindo com os europeus, principalmente os portugueses, por causa das pastelarias.
Contudo, nesses lugares, os produtos feitos, em maioria, são doces – caso do próprio pastel de Belém – e, por isso, não têm tanta influência no que conhecemos como pastel de feira, afirma a professora de Gastronomia do Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac) São Paulo Márcia Yukie Ikemoto.
Por outro lado, a fogazza, pastel italiano feito com massa de pizza, se aproxima mais do conceito brasileiro, porém, ainda assim, não envolve a fritura, já que o prato é assado.
A segunda teoria é que a iguaria se difundiu no Brasil com os japoneses, apesar de ter sido desenvolvida pelos chineses.
Nessa versão, o pastel foi uma adaptação dos pratos guioza e rolinho primavera no Brasil, usando ingredientes locais, daí a troca da farinha de arroz pela de trigo e do vinagre e do saquê pela cachaça.
“Lá para a década de 1940, a gente tem com os japoneses o problema da Segunda Guerra Mundial. Porque o Japão se aliou à Alemanha, ficando malvisto aqui. Aí os japoneses têm que começar a se ‘disfarçar’ de chineses”, narra a professora.
Esses imigrantes, então, que não foram para o campo, usaram o pastel, uma receita chinesa, como parte do seu ‘disfarce’ e também para conseguir uma renda.
Diferente das demais iguarias asiáticas, o pastel, por ter ingredientes mais comuns aos brasileiros, começou a fazer sucesso e foi crescendo:
“E vai do litoral de Santos, por onde esses imigrantes chegaram, e foi se espalhando para a cidade de São Paulo, depois a gente vê atingindo Rio de Janeiro e Belo Horizonte, lá para 1950. Na década de 60, começa a atingir o Sul do país”.
A princípio, o recheio do pastel era uma mistura de carne de porco com a bovina, mas, conforme foi se tornando popular, isso também se “abrasileirou”. As proteínas foram separadas e depois vieram outros sabores. Em Minas Gerais, o famoso queijo. Hoje em dia encontram-se até doces, como Romeu e Julieta.
‘Casamento’ por acaso
A cana, muito mais antiga no Brasil do que o pastel, começou a ser cultivada em engenhos ainda em 1516. Nessas plantações, as pessoas negras que foram escravizadas consumiam o caldo da cana, inclusive porque ele tem um potencial energético, explica Maurício Lopes, professor de Gastronomia da Universidade Anhembi Morumbi.
A bebida era oferecida pelos próprios senhores de engenho, durante a moagem da cana, que exigia muitas horas de trabalho, aponta a professora especialista em história social da escravidão Maria Helena Machado, da Universidade de São Paulo (USP).
Com o tempo, a garapa também foi se popularizando e, assim como os demais sucos, começou a ser comercializada nas feiras livres.
Em paralelo, o pastel, que nasce em lanchonetes, também chega a esse comércio quando os imigrantes japoneses, principalmente os produtores do campo, recorrem às feiras para ter uma relação mais direta com os clientes, relata Márcia.
Daí para a combinação ser feita foi apenas uma questão de alguém comprar a bebida e o alimento, achar a combinação saborosa e recomendar para outras pessoas, diz Lopes.
Equação zerada
Quem nunca trocou o almoço pelo pastelzinho da feira com o caldo de cana? Apesar de ser saborosa, a substituição feita com frequência não é recomendada pela médica nutróloga Valéria Goulart.
“O pastel, do ponto de vista de saúde, não é nada interessante. Porque geralmente (os feirantes) usam aqueles óleos que ficam ali liberando substâncias até cancerígenas, que são esses óleos vegetais saturados que vão liberando gordura trans”, diz.
Além disso, essa gordura diminui o colesterol bom, eleva o ruim e estimula a produção de radicais livres, que são substâncias químicas tóxicas.
Com isso, o alimento acaba até anulando os benefícios do caldo de cana, que reduz os níveis de radicais livres, devido à sua característica antioxidante.
A garapa é considerada um combo de nutrientes, rica também em fósforo, magnésio, sódio, ferro, carboidratos e vitaminas. Um dos seus benefícios mais comuns é o efeito energético, gerado por causa do açúcar. Por isso o caldo é recomendado durante e após exercícios intensos.
Para quem sofre com o intestino preso, a garapa também pode ser uma aliada, pois ela ajuda a melhorar a função hepática do fígado, que produz a bilirrubina, que, por sua vez, ajuda misturar as gorduras, o que acaba tendo um efeito laxante e alivia dores intestinais.
As outras vantagens vão desde função calmante, ajudando a amenizar o estresse, à proteção do sistema neuronal, que previne doenças degenerativas, como o Mal de Parkinson.
Fonte: G1.