Além de alegar haver um “feminismo punitivista” ao revogar a prisão de um suspeito de cometer violência doméstica, o juiz Felipe Morais Barbosa, do Juizado de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher de Águas Lindas de Goiás, no Entorno do Distrito Federal, disse na decisão que “se reconhece como um defensor do feminismo”.
O magistrado descordou da decisão anterior, proferida por uma juíza plantonista, e declarou que a colega agiu de ofício, ou seja, sem que houvesse um pedido de manutenção da prisão.
O suspeito em questão foi preso em flagrante em 10 de fevereiro, após agredir a companheira com uma boneca. A agressão ocorreu durante uma crise de ciúmes. Dois dias depois, passou por audiência de custódia, presidida pela juíza de plantão Lívia Vaz.
Durante a audiência, o Ministério Público de Goiás (MPGO) se manifestou a favor da liberdade do homem, com a imposição de medidas cautelares. Mesmo assim, a juíza optou por mantê-lo detido. A magistrada alegou que “sendo a única mulher na sala, enquanto puder salvar a vida de uma mulher manterá o suposto agressor preso”.
O juiz titular, porém, discordou da colega. “A crítica ao feminismo punitivista é central em autoras como Angela Davis e Juliana Borges, que demonstram como a ampliação do poder punitivo do Estado não necessariamente protege as mulheres, podendo reforçar estruturas de opressão que afetam desproporcionalmente populações historicamente subalternizadas”, afirmou.
“Este magistrado se reconhece como um defensor do feminismo, ciente dos privilégios decorrentes de sua posição social, seja pelo gênero, pela orientação sexual ou pela raça. Reconhece ser necessário esforços para realizar um julgamento justo, retificado pelas lentes da perspectiva de gênero”, afirmou.
Ele argumenta que “possivelmente um olhar feminino terá maior sensibilidade sobre o fenômeno concreto”, mas pondera que “é importante não sucumbir às armadilhas do punitismo”.
“A justiça feminista não pode ser confundida com a ampliação indiscriminada do poder punitivo estatal. A sanha punitivista, muitas vezes impulsionada por um desejo legítimo de proteção às vítimas, não pode se sobrepor ao respeito às regras processuais, sob pena de comprometer a própria credibilidade do sistema de justiça”, acrescentou.
Revogação e medidas provisórias
O juiz entendeu que a conversão da prisão em flagrante para prisão preventiva ocorreu sem requerimento expresso do MP, “o que configura violação ao sistema acusatório e compromete a legalidade da decisão”.
Em seguida, ele determinou que o suspeito fosse solto e que lhe fosse imposto medidas cautelares, como proibição de se aproximar da vítima.
“Um feminismo que preze pela justiça e pela dignidade humana deve necessariamente considerar que o combate à violência de gênero não pode ser feito à custa das garantias processuais”, completou.