A Associação das Mulheres Defensoras Públicas do Brasil (AMDEFA) chamou de “censura prévia” o cancelamento de um painel sobre interrupção legal da gravidez por meio da telemedicina que ocorreria nesta quinta-feira (31) em seminário sobre “saúde e bem-estar da mulher” promovido pela Defensoria Pública da União (DPU).
A medida ocorreu depois que parlamentares contrários ao aborto enviaram ofício ao defensor público-geral federal em exercício, Fernando Mauro Barbosa de Oliveira Júnior, manifestando “descontentamento” em relação à palestra.
Em nota divulgada nesta quinta-feira (31), a AMDEFA – que reúne defensoras públicas dos estados, Distrito Federal e da União – repudia o “cancelamento unilateral e injustificado” do evento por Oliveira Júnior. De acordo com a entidade, as mulheres que compõem o Grupo de Trabalho Mulheres (GT Mulheres) da DPU, responsável pela “construção e promoção” do seminário, “foram deslegitimadas e silenciadas no exercício de suas funções públicas e com isso, ampliou-se a desigualdade de gênero no âmbito institucional”.
“A AMDEFA vê no cancelamento abrupto, na véspera do seminário, ato de censura prévia, além de flagrante violência institucional de gênero, que ocorre quando há violação e desrespeito à atuação funcional das defensoras públicas federais no exercício de suas atividades finalísticas e cerceamento do poder de decisão de mulheres com um claro comando para a manutenção de uma ordem patriarcal”, afirma o texto.
Na segunda-feira (28), as Frentes Parlamentares em Defesa da Vida e da Família e Mista Contra o Aborto e em Defesa da Vida enviaram ofício diretamente a Oliveira Júnior criticando a palestra e dizendo que a DPU teria “incorporado uma agenda abortista”. No dia seguinte, o defensor público-geral federal em exercício enviou aos congressistas outro ofício comunicando o cancelamento do painel.
Também no dia 28, o deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG) apresentou requerimento pela aprovação de uma moção de repúdio com a intenção de que a DPU cancelasse o evento – o que ocorreu no dia seguinte. Na sessão plenária do dia 29, o senador Eduardo Girão (Novo-CE) declarou que, com a palestra, a DPU promovia “incitação explícita ao crime e apologia ao aborto”.
O painel seria ministrado por Gabriela Rondon, pesquisadora da ANIS – Instituto de Bioética, e pela médica ginecologista Helena Paro, professora da Universidade Federal de Uberlândia (UFU) e criadora do serviço de aborto legal por telemedicina.
“Discutir a telemedicina no contexto do aborto legal é fundamental para aumentar o acesso das pessoas que têm esse direito no nosso país. Não estamos falando em modificar a legislação, mas do que já é previsto em lei”, disse Paro à Agência Pública. “É lamentável que a ciência tenha sido silenciada por um barulho realizado por legisladores – em sua maioria, homens – que não têm noção da dimensão do debate para defender a vida da população brasileira”,
O serviço criado pela médica auxilia mulheres e meninas a interromper gestações provocadas por episódios violência sexual – um dos casos em que o abortamento é permitido por lei no Brasil.
Desde que lançou a cartilha “Aborto legal via telessaúde”, em 2021, Paro vem sofrendo ataques virtuais e retaliações coordenadas por políticos e órgãos como o Ministério Público, a Defensoria Pública e o Ministério da Saúde.A Pública questionou a DPU sobre o caso, mas não recebeu resposta até a publicação.