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Desmatamento em queda, fogo em alta. O que acontece com nossos biomas?

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DÉLIO ANDRADE
DÉLIO ANDRADEhttp://delioandrade.com.br
Jornalista, sob o Registro número 0012243/DF

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A ótima notícia anunciada nesta quarta-feira (7) pelo Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima de que os alertas de desmatamento na Amazônia caíram 45,7% de agosto do ano passado a julho deste ano, na comparação com mesmo período do ano anterior, veio um pouco enevoada pela fumaça que cobre parte do bioma e também o Pantanal. Se o corte raso da floresta está em queda, o fogo está assustadoramente em alta.

Julho foi o mês com mais focos na Amazônia desde 2005. Depois de enfrentar uma seca sem precedentes no ano passado, o bioma está passando por uma nova escassez severa. No Pantanal, a temporada de fogo, que começou mais cedo neste ano (com recorde de focos em junho), voltou a se intensificar neste começo de agosto e já se espera que o total em 2024 deva superar o de 2020, até então o ano mais “quente” no bioma.

Em geral, desmatamento e queimadas são parte de um mesmo processo, especialmente na Amazônia. Derruba-se a mata, troncos e galhos são deixados para secar e depois toca-se o fogo para terminar a “limpeza”. De modo que quando o corte da floresta é controlado, diminui-se a matéria orgânica que serve como combustível, e, assim, as queimadas também tendem a diminuir. No Pantanal o cenário é um pouco diferente, mas ainda assim depende de ação humana.

O que está acontecendo agora, porém, está fugindo ao script do manual de boa gestão ambiental. Quem acompanha esta coluna já deve imaginar que isso tem toda a pinta de mudanças climáticas. E tem mesmo.

Nesta quinta-feira (8), foi divulgada uma análise científica rápida que buscou quantificar quanto do que está acontecendo no Pantanal é culpa do aquecimento global. É um tipo de trabalho que vem sendo realizado em relação a vários eventos climáticos extremos para dar uma ideia melhor sobre o impacto em tempo real das mudanças climáticas. Um dos mais recentes apontou que as chuvas intensas que deixaram o Rio Grande do Sul debaixo d’água entre o fim de abril e o começo de maio foram duas vezes mais prováveis de ocorrer por causa da mudança do clima.

O novo estudo considerou as queimadas que se espalharam pelo Pantanal em junho e que chamaram a atenção pela excepcionalidade: muito antes do início da temporada seca do bioma, que costuma ser em agosto, e muito intensas. Em um mês, foram registrados 2.639 focos, que consumiram cerca de 440 mil hectares do bioma. Não foi apenas o recorde para o mês desde o início dos registros pelo Inpe, em 1998, mas seis vezes o total que tinha sido observado no recorde anterior, de 2005 (435 focos).

De acordo com a análise dos pesquisadores ligados ao World Weather Attribution (WWA), o aquecimento já observado de 1,2 ºC do planeta em relação ao período pré-industrial, provocado por atividades humanas, e a transformação que estamos vendo no clima do planeta, tornaram as condições para o fogo no Pantanal 40% mais intensas e entre 4 e 5 vezes mais prováveis.

O fogo em junho foi propiciado por condições de seca extrema e de temperatura elevada relativamente raras e que acontecem uma vez a cada 35 anos, de acordo com os cientistas, entre eles o brasileiro Filippe Santos, da Universidade de Évora. Ou seja, a chance de algo assim acontecer é de apenas 3%. Pelo menos desde o fim dos anos 1970, nunca esteve tão quente nem choveu tão pouco no Pantanal quanto neste ano, indica o trabalho.

É um cenário que tende a piorar se o planeta aquecer ainda mais. Com um aquecimento de 2ºC, condições de fogo similares às de junho – que foi mais quente, mais seco, com mais vento, e os níveis dos rios foram os mais baixos desde o início dos registros – ficarão ainda duas vezes mais prováveis. Também serão esperadas de ocorrer em média a cada 17 anos e vão se tornar ainda 17% mais impactantes.

O trabalho levou em conta apenas o cenário de junho, mas a situação de queimadas no Pantanal continua dramática. Depois de o fogo arrefecer um pouco em julho com a entrada de uma frente fria (ainda assim ocorreram mais de 1.200 focos), em agosto ele voltou com tudo. A primeira semana do mês já teve surreais 2.109 focos – o mês inteiro no ano passado teve 110. 

A área queimada neste ano já ultrapassou 1,4 milhão de hectares no bioma, de acordo com monitoramento do Lasa (Laboratório de Aplicações de Satélites Ambientais) da UFRJ. Para se ter uma ideia, o ano em que o Pantanal mais queimou na história, 2020, teve cerca de 3,6 milhões de hectares atingidos. Mas é em agosto e setembro quando se espera que a seca fique ainda mais intensa, o que faz muitos especialistas temerem que este ano possa superar a marca de 2020.

Amazônia também vê seca severa e fogo se espalhar

O trabalho lançado nesta quinta foi focado no Pantanal, mas a crise do clima também tem impactado a Amazônia, que desde o ano passado vem enfrentando secas severas e um aumento das queimadas, mesmo com a queda do desmatamento

Em janeiro deste ano, o WWA divulgou uma análise apontando que a seca severa que atingiu a Amazônia em 2023 – a pior do registro histórico, com rios chegando aos níveis mais baixos em 120 anos –, foi 30 vezes mais provável de ocorrer por causa do aquecimento do planeta. 

O problema se estendeu para este ano. Nos primeiros sete meses deste ano, somente maio e junho tiveram menos focos de queimadas que os respectivos meses do ano passado. E julho veio particularmente quente. Foram registrados 11.434 focos, a maior quantidade desde 2005, quase o dobro do observado em julho do ano passado. Em uma semana de agosto, já foram contabilizados 6.119 focos, ante 2088 no mesmo período em 2023.

Na Amazônia, desmatamento e queimadas têm uma relação intrínseca. Mas as condições de altas temperaturas e pouca chuva têm dissociado esse quadro de devastação e estão pressionando as políticas públicas.

Nesta quarta-feira foram anunciados os dados consolidados dos alertas feitos pelo sistema Deter, do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), entre 1º de agosto do ano passado e 31 de julho deste ano. Este é o período em que se mede a taxa anual de desmatamento da Amazônia por outro sistema do Inpe, o Prodes, mas esse número tende a sair só no fim do ano. Então, olhar o consolidado dos alertas do Deter para o período ajuda a ter uma ideia do que o Prodes deve revelar daqui a alguns meses.

O Deter é um sistema que mostra em tempo real onde estão acontecendo os desmatamentos a fim de orientar o trabalho de fiscalização em campo. Como é ágil, ele nem sempre enxerga tudo, então seu número é sempre menor que o do Prodes, mas já traz um indicativo de que a taxa oficial também pode vir em queda em relação ao ano passado.

A somatória dos alertas nestes 12 meses foi a menor da série histórica, iniciada em 2016. Foram registrados 4.315 km2 de desmatamento, ante 7.952 km2 entre agosto de 2022 e julho de 2023. É a segunda queda consecutiva, promovida pela retomada da política ambiental pelo governo Lula, encabeçada pela ministra do Meio Ambiente, Marina Silva.

Em entrevista coletiva, Marina reconheceu que apesar desse avanço, que reverteu a tendência de alta do governo Bolsonaro, a situação é preocupante. “Estamos vivendo um período de seca severa. Um dos fatores fundamentais para evitar queimadas é reduzir o desmatamento. Imaginem o que poderia estar acontecendo na Amazônia se mantivesse o desmatamento anterior a 2023.”

Verdade. Seria pior. Mas o desafio permanece. Se mesmo com a redução do desmatamento, a Amazônia continua ardendo, o Pantanal idem, novas estratégias têm de entrar em curso. Um passo importante para isso foi a aprovação da Política Nacional de Manejo Integrado do Fogo, sancionada na semana passada pelo presidente Lula. Há uma expectativa de que ela estruture melhor as ações não apenas de combate, mas principalmente de prevenção ao fogo. 

É preciso evitá-lo, porque uma vez que o fogo começa a se espalhar, como temos visto no Pantanal, é muito mais difícil combater. A maior planície alagada do mundo, que está cada vez mais seca, já não oferece barreiras de água para os incêndios. A Amazônia, maior floresta tropical do mundo, está perdendo sua umidade com o aumento da temperatura, seus enormes e caudalosos rios estão diminuindo. 

É preciso fazer mais. Prevenir, combater, adaptar. E atuar sem descanso para evitar que o planeta aqueça ainda mais.

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