Raiane Mota, 37, e a filha Ágatha, de 10 meses, aproveitam a tarde brincando na sala de estar da casa da família, em Águas Lindas, Entorno do Distrito Federal. Quem vê o olhar curioso, a expressão sorridente e as perninhas inquietas da bebê, que já senta sozinha e já arrisca engatinhar, talvez nem imagine que um ano antes ela foi paciente de uma cirurgia inédita no DF, feita semanas antes do seu nascimento.
No dia 16 de outubro de 2023, quando Raiane estava na 20ª semana de gestação, a mãe foi para mais uma consulta pré-natal na rede privada do DF. Durante a realização de uma ecografia obstétrica – exame de ultrassom que permite visualizar em tempo real o feto em desenvolvimento no útero -, no entanto, a vida da família teria uma reviravolta após a médica responsável encontrar um acúmulo de fluídos na região da cabeça da criança em formação.
“Eu fiquei bastante assustada, porque esse é um exame que normalmente dura 30 minutos, e a médica levou quase duas horas”, lembra Raiane. “E então ela reuniu eu e meu marido na sala e informou que a Ágatha tinha meningomielocele”.
A meningomielocele, chamada popularmente como “espinha bífida” é uma anomalia congênita, que ocorre quando há uma má-formação da espinha da criança ainda durante o desenvolvimento no útero da mãe. Entre os principais riscos da condição, estão os riscos de que a bebê pudesse nascer com a coluna exposta, além de outras problemas neurológicos e limitações motoras.
A partir do diagnóstico, a família conseguiu uma vaga no Hospital Materno Infantil de Brasília (Hmib), onde começou uma verdadeira corrida contra o tempo: para que a coluna de Ágatha pudesse ser corrigida ainda antes dela nascer, era necessário que fosse realizada uma cirurgia, enquanto ela ainda estivesse dentro do útero da mãe, em até seis semanas.
O problema é que uma cirurgia do tipo nunca foi feita antes no Distrito Federal.
“Eu nunca tinha escutado falar sobre a meningomielocele e não sabia que a cirurgia existia. Mas a doutora foi explicando para nós, e tranquilizando a gente. Só que quando o médico falou que nunca tinha feito aquela cirurgia antes [em um hospital do DF] e que talvez teríamos que viajar para São Paulo, eu comecei a ficar muito apreensiva”, conta Raiane.
“Mas nós colocamos na mão de Deus, e tivemos muita confiança nos médicos, e tudo aconteceu muito rápido. Em duas semanas, eles conseguiram deixar tudo pronto para que a cirurgia pudesse ser feita aqui. E foi um alívio muito grande, saber que eu poderia ter todo o apoio da minha família nesse momento”, lembra a mãe.
A cirurgia pré-natal inédita foi realizada no dia 27 de outubro de 2023. Apenas na sala de cirurgia, foram 20 servidores do Hmib envolvidos no procedimento que levou três horas, e que até então nunca tinha sido realizado na capital federal.
“Eu lembro que quando eu entrei na sala de operação, estavam todos os profissionais ali me esperando e eu me senti muito acolhida. E a cirurgia foi um sucesso, o que eu agradeço muito ao doutor Marcelo, à doutora Carolina e ao doutor Peralta”, diz Raiane.
Nascimento prematuro extremo
Apesar do sucesso da cirurgia, o procedimento trouxe um novo capítulo igualmente preocupante para a família. Por conta das intervenções médicas realizadas no útero da mãe, o corpo de Raiane “antecipou” o nascimento da bebê, que nasceu quase três meses antes do previsto.
Ágatha, que estava prevista para vir ao mundo em 2024, nasceu quase um mês após a realização da cirurgia, com 27 semanas e quatro dias de gestação. Esse é um parto considerado como prematuro extremo, ao contrário dos partos “a termo”, que ocorrem entre a 39ª e a 41ª semana.
O nascimento da bebê foram seguidos por 59 dias de internação, dessa vez no Hospital da Criança de Brasília (HCB). Além da preocupação para que a criança atingisse o peso ideal para uma recém-nascida, havia toda a preocupação em relação às possíveis sequelas da “espinha bífida”.
“Por conta da má-formação da coluna, as perninhas da Ágatha nasceram ‘viradas’, e nós tínhamos muito medo de que ela continuasse assim e que nunca pudesse andar. E existia também um medo muito grande de que ainda tivessem fluidos na cabeça dela, porque aí teria ela teria que passar por uma nova cirurgia e instalar uma válvula que permitisse redirecionar esses líquido. E isso também significaria que ela teria que ter acompanhamentos pelo resto da vida”, compartilhou Raiane.
Mesmo após a internação, o início da vida da pequena Ágatha continuou em meio aos hospitais. Pediatria, ortopedia, fisioterapia, oftalmologia, neurologista. Todos profissionais que acompanharam de perto o desenvolvimento da criança, que aos poucos ia se mostrando muito promissor.
“Antes as consultas eram de 15 em 15 dias, depois 30 dias, três meses e agora seis meses. Em cada especialista, foram pelo menos oito consultas. Mas quando o neurologista falou que ela não ia precisar da válvula, e quando eu vi os pezinhos dela no chão e que ela já conseguia sentar sozinha, eu agradeci a Deus e falei ‘deu certo, Ágatha, deu tudo certo’”, completa.
Um ano depois
Após um ano da cirurgia, Raiane e Ágatha estão mudadas. Enquanto a criança, com risco de nunca andar e de ter graves problemas neurológicos, agora é ativa, brincalhona e já arrisca dar os primeiros passos, a mãe por sua vez é “mentora” das outras duas mães cujos filhos também passaram pelo procedimento, e diz que está muito mais confiante e esperançosa para o futuro da filha.
“O quê eu e meu marido queremos para ela é uma vida feliz, que ela possa brincar com as outras crianças, trabalhar, se casar…”, sonha a mãe.