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DF: musicista usa arte para transformar a vida de pacientes com câncer

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DÉLIO ANDRADE
DÉLIO ANDRADEhttp://delioandrade.com.br
Jornalista, sob o Registro número 0012243/DF

A musicista Natalia “Naty” Almeida vive a música desde os 4 anos. Porém, foi em 2021, após ser diagnosticada com um câncer – aos 25 anos – que descobriu o poder de transformar, por meio da arte, a vida dela e de outros pacientes, que ainda lutam contra a doença.

A jovem moradora do Distrito Federal, hoje com 28 anos, dividia os estudos para o concurso das Forças Armadas e a faculdade que cursava. Ela sonhava fazer parte da banda marcial do Exército, mas foi na etapa médica do certame que recebeu o diagnóstico de um tumor que crescia nas vias nasais.

“O diagnóstico foi dado [pelo médico] de uma forma bem assustadora, então foi um pesadelo”, relembra a jovem. “Eu tive que parar uma vida inteira de sonhos, porque a doença começou a cobrar de mim, e vieram as quimioterapias, e enjoo, sangramentos, depressão… Tudo isso bateu na porta e tirou minha vida como pessoa para começar uma vida como paciente”, confessou.

Naty realizou, no final do mesmo ano, uma cirurgia para retirada do tumor. No entanto, durante o procedimento, acabou tendo o nervo trigêmeo – que se encontra na região da face – comprometido. Mais tarde, ela foi diagnosticada com neuralgia do trigêmeo, condição que provoca uma dor facial intensa, “24 horas por dia”, segundo ela.

Inicialmente atendida pelo Sistema Único de Saúde (SUS), Naty conseguiu na Justiça que o plano de saúde cobrisse os custos do tratamento. Ela foi internada em 2022 em um hospital particular, referência em oncologia no Distrito Federal. E foi durante aqueles mais de sete meses de internação que o sentido da vida da musicista mudou para sempre.

“Ter que me afastar da minha agenda, do meu ciclo social, da minha casa, família, me apavorava. Quando chegou a época do Natal, eu percebi que eu teria que ficar [internada no setor de oncologia do hospital] mais tempo que eu pensei, e eu passei a entender que eu precisa criar um convívio social, uma família ali, naquele ambiente”, diz.

A jovem começou, então, a mandar cartas e desenhos para os pacientes, médicos e enfermeiros do hospital, criando, assim, vínculos com aquelas pessoas, que já faziam parte do dia a dia dela. Foi por meio das cartas que Naty criou amizade com outras duas pacientes do setor.

“Eram amigas muito próximas, com quem eu conversava todo dia. Quando eu as perdi, pensei: ‘O que vai ser da minha vida?’. Passei por um luto muito grande. Então, uma das fisioterapeutas, que sabia do meu contato com a música, me deu um tecladinho para que eu pudesse voltar a tocar”, comentou.

Segundo Naty, o mimo foi capaz de promover uma transformação, que mudou não só a vida dela, mas a de todos os outros pacientes do setor oncológico. “Uma enfermeira me sugeriu que eu tocasse no jardim [da parte interna do hospital], e os outros pacientes começaram a descer para ouvir e pedir que eu tocasse uma música para eles. Então, nós criamos um projeto, chamado Anjos do Jardim”, relembra a musicista.

“O projeto mudou a história do hospital, a minha vida e a dos outros pacientes. Nós nos ajudávamos, trocávamos dicas de medicamentos, formas de sentir menos dor nas cirurgias”, disse a jovem. “Toda semana um amigo se vai e esse projeto ajudou muito a lidar com esse luto. Muitos lidavam com depressão e esse momento era nosso ‘cilindro de oxigênio. A gente conversava, dançava, cantava uma oração. Era como se a gente não estivesse doente. Nós deixávamos de ser pacientes e voltávamos a ser mulheres, pessoas, partes de um grupo”, conclui Naty, emocionada.

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Naty Almeida (esquerda), 28 anos, durante internação em hospital particular do DF

Arquivo pessoal

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Fotos de participantes do projeto “Anjos do Jardim”

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Fotos de Naty e a doutora oncologista que acompanhou seu tratamento

Arquivo pessoal

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Naty Almeida e participantes do projeto “Anjos do Jardim”

Arquivo pessoal

Um Conto sobre Milagre

Desde o diagnóstico, Naty manteve um diário de bordo no qual registrava a batalha contra o câncer, com poemas e desenhos. Por indicação da equipe médica que a acompanhava, a musicista decidiu se aventurar também na literatura. Em 2023, aproveitou o diário usado para dar início ao livro “Contos sobre Milagres”, lançado em 5 de agosto último.

A autora explica que a obra não é só uma biografia, mas uma forma de relembrar e celebrar a memória daqueles pacientes que já não estão mais aqui, e incentivar um debate a respeito da conscientização das lutas e desafios enfrentados por pacientes oncológicos e suas famílias.

“Muitos pacientes de hospitais públicos não têm acesso a coisas básicas, como fraldas, pomadas, uma cadeira para fazer a quimioterapia com decência. Muitos comprometem o orçamento das famílias para pagar tratamentos, comprar remédios. Alguns fazem vaquinhas [para adquirir os medicamentos], mas eles não chegam a tempo e o paciente acaba morrendo antes. E muitos convênios médicos se recusam a pagar pelo nosso tratamento integral, o que faz que a gente tenha que lutar também na Justiça. Porque é uma luta. A gente luta [contra o câncer] literalmente, até o final da vida. Então o livro tem esse grito, que manifesta a melhora por cuidados paliativos desses pacientes”, declarou Naty.

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Naty e seu livro “Conto sobre Milagres”

Arquivo pessoal

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Capa do livro “Conto sobre Milagres”, de Naty Almeida

Arquivo pessoal

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Trecho do livro Conto sobre Milagres: “Por fim, valorize sua saúde. Viver com dores não é fácil. Já é difícil tomar decisões sem sofrimento. Imagine conviver com algo, 24h, que te faz agonizar, te impossibilitando de muitas coisas. Agradeça por o seu lar ser a sua casa e não ser uma UTI! Agradeça pelo seu corpo. Ele é belo desse jeito. Não está com sondas e nem com uso de cateter. Você tem tudo! Não perca seu tempo com coisas vās. Desfrute o milagre da vida com sabedoria e luz!”

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Um dos desenhos do diário de bordo de Naty

Arquivo pessoal

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Um desenho do livro de Naty que representa o início do projeto “Anjos do Jardim”

Arquivo pessoal

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Os desenhos do diário de bordo de Naty eram como um remédio para lidar com a internação

Arquivo pessoal

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O livro ilustrado representa os desafios internos e externos da luta contra o câncer

Arquivo pessoal

A versão digital do “Conto sobre Milagres” já está disponível e pode ser adquirido de forma on-line. Os ganhos com os livros são revertidos para pagar os custos dos tratamentos paliativos de Naty e de outros pacientes, companheiros de luta.

Voltando a sonhar

Três anos após do diagnóstico que mudou sua vida, Naty é outra. A Naty de hoje está bem longe da jovem apavorada de 2021, que tinha desistido de sonhar. Tudo graças a paixão pela música e, agora, pela escrita. “Se não fosse a arte, a música, os desenhos e as pinturas durante o meu período de internação, eu acho que não sobreviveria. A arte é um remédio para a alma e eu tenho usado isso para me manter viva”, contou.

Enquanto continua com os cuidados paliativos contra a doença, hoje a artista está concluindo a faculdade de psicologia e atua como ativista em prol de tratamentos mais humanizados para pacientes oncológicos.

O sonho da brasiliense, agora, é poder, por meio da arte, levar música e esperança junto aos cuidados paliativos para aqueles que, como ela, lutam contra as sequelas, físicas e emocionais, do câncer. “A doença me ensinou a sonhar por outras vidas, por um mundo melhor e de mais cuidados para esses pacientes”, finalizou.

Naty Almeida, desenhista, autora e musicista

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