No domingo, dia 21 de abril, Bolsonaro mobilizou milhares de eleitores na praia de Copacabana. Em cima de um carro de som, o ex-presidente exaltou o dono da rede social X (antigo Twitter), o bilionário Elon Musk, que vem usando suas redes sociais para atacar o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes. De acordo com a advogada e ativista de direitos digitais Estela Aranha, Bolsonaro aproveita o tema para engajar a base bolsonarista contra a corte.
A presidente da Comissão de Proteção de Dados do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Estela Aranha, falou ao podcast Pauta Pública sobre a extrema direita nas redes. Na conversa, ela discute sobre a atitude de Musk e seus objetivos políticos por trás dos ataques. A ex-titular da Secretaria de Direitos Digitais no Ministério da Justiça também compara a postura do Twitter em situações de crise e outras plataformas e afirma: Twitter e Telegram não colaboram com nenhuma autoridade.
Sobre o Twitter Files Brazil – conjunto de e-mails internos de funcionários do Twitter sobre decisões judiciais entre 2020 e 2022, revelados pelo jornalista Michael Shellenberger –, Aranha afirma que os documentos misturam várias decisões judiciais para criar uma narrativa de censura. A estratégia, segundo ela, seria uma cópia do que foi feito nos EUA.
Leia os principais pontos da entrevista e ouça o podcast completo abaixo.
Elon Musk e a extrema direita nas redes – com Estela Aranha
[Clarissa Levy] Na quarta-feira [17 de abril], a imprensa anunciou que Arthur Lira, presidente da Câmara dos Deputados, declarou querer fazer uma sessão no plenário para discutir a situação do X (antigo Twitter) e a liberdade dos parlamentares nas redes sociais. Lira disse querer ouvir o jornalista Michael Shellenberger, responsável por divulgar as informações do Twitter Files. Estela, você poderia explicar, desde o começo, o que foi os Twitter Files?
Segundo o jornalista Michael Shellenberger, duas semanas atrás, após pedidos, ele resolve divulgar o conjunto de e-mails que seriam chamados Twitter Files Brasil.
Exatamente o que aconteceu nos Estados Unidos, acontece aqui no Brasil. Nos EUA, a intenção era atacar o governo Biden, depois eles fizeram o mesmo em outros países. Esse grupo foi para o Reino Unido, Irlanda e fizeram exatamente o mesmo, como no Brasil, eles expõem correspondências do próprio time jurídico, comentam casos judiciais e, obviamente, reclamam das decisões desfavoráveis ao Twitter, uma vez que eles são advogados da empresa e querem recorrer.
Porém eles misturam um monte de coisas para compor uma narrativa.
Um exemplo é dizer que estão em um “complexo industrial de censura”. Criar essa história sempre atribuindo ao ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes, como se ele fosse um líder desse “complexo”, e dizer que as decisões são contra a liberdade de expressão. Nos documentos, o jornalista sempre usa a palavra “decisões” para confundir, como se fossem decisões do governo contra a liberdade de expressão.
Shellenberger mistura casos de primeira instância, casos que só comprovam que a Justiça estava funcionando. Por exemplo: um caso que o próprio jornalista admite que não tem nada a ver com Alexandre Moraes e a liberdade de expressão, que era sobre um procurador do Gaeco que estava fazendo uma investigação sobre tráfico de drogas e pediu acesso aos dados sem decisão judicial para o Twitter. A rede negou ceder os dados duas vezes, então ele tentou fazer um procedimento administrativo criminal contra esse advogado e a Justiça, que, por sua vez, negou.
Os e-mails também misturam assuntos da Justiça Eleitoral com o Supremo Tribunal Federal. Shellenberger confunde tudo para criar essa narrativa de um grande complexo de censura no Brasil. Faz parecer que a liberdade de expressão e a democracia no país estão em risco para atacar as instituições e o ministro Alexandre de Moraes. Juntam um monte de coisa que não tem nada a ver para fazer um ataque para desestabilizar o ministro Alexandre de Moraes, o Supremo Tribunal Federal.
Justo agora em que estamos caminhando para a responsabilização da tentativa de golpe de Estado no Brasil de 8 de janeiro e do ex-presidente Jair Bolsonaro. Eles estavam enfraquecidos nesses ataques contra a corte.
[Clarissa Levy] A partir das suas pesquisas e do seu trabalho na Secretaria de Direitos Digitais, como você avalia a postura do Twitter no Brasil? E a postura do Elon Musk de desafiar as autoridades estatais? Lembrando do contexto europeu, o Musk fez a empresa sair de um tratado que visava combater a desinformação digital. Você vê uma diferença significativa da postura do Twitter em relação às outras plataformas?
Há bastante diferença entre a postura do Twitter e de outras plataformas. Quando eu estava participando do governo, tinha muitas reuniões com secretários e órgãos internacionais, e esse assunto era uma unanimidade: as plataformas Telegram e Twitter não colaboram com nenhuma autoridade, no sentido de não colaborar em relação a crimes gravíssimos cometidos por meio das plataformas.
Tivemos um problema com o Twitter no Brasil com relação à Escola Segura. Um jornalista pediu um vídeo por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI) e divulgou uma reunião que tivemos na qual o Twitter considerava não retirar perfis do ar. Esse é um exemplo muito claro do que estava em jogo naquela reunião: era a persona do atacador de escola.
No perfil da rede social havia foto e nome dele, esse perfil publicava clipes audiovisuais glorificando um atirador de escola, com músicas que incentivam a atirar em crianças. Nós pedimos para tirar o perfil do ar, pois estava tendo uma onda de ataques às escolas, esses estimulados por postagens em redes sociais que causavam pânico e terror. Mães não queriam levar seus filhos para suas escolas, havia um problema grave de ordem pública, e de apologia ao crime, o menor de idade não pode ser exposto pela lei, estava tudo errado.
Eles [o Twitter] diziam que aquilo não feria os termos de uso do site e por isso não iriam retirar os conteúdos do ar. Obviamente, houve uma reação grandiosa de todos os envolvidos, imprensa, sociedade e Ministério da Justiça. Foi a partir daí que eles passaram a colaborar nesse caso.
O Twitter e o Telegram sempre tiveram uma postura muito diferente comparados às outras redes sociais em relação a colaborar para um ambiente mais seguro na internet, relacionado à proteção da criança e adolescente e ao cometimento de crimes.
A moderação é muito pequena no Twitter, não se compara a outras redes sociais. Quando monitoramos por palavras-chave ou hashtags, é possível achar conteúdos que não são legais como: automutilação de crianças, com as próprias crianças expondo e incentivando; exploração sexual infantil, conteúdo facilmente encontrado porque as outras redes têm moderação alta contra esse tipo de material; também é possível encontrar conteúdos relacionados a ataques terroristas, e isso tem relação com a saída da rede da iniciativa Christ Church Call – a iniciativa fala sobre não veicular imagens de ataques massivos e terroristas, porque isso incentiva outros ataques e subcomunidades em relação ao cometimento de crimes, em especial envolvendo crianças e adolescentes.
São coisas realmente chocantes, que não têm nenhum tipo de moderação e são de fácil acesso. Toda vez que vou olhar isso, quando pesquiso para ver se está fácil de encontrar, a rede começa a me recomendar esse tipo de conteúdo. Esses dias fui olhar e voltaram a me recomendar perfis relacionados. Ou seja, não é só fácil de encontrar na plataforma, não há moderação de modo geral, mas também é recomendado pela plataforma.
No Brasil, quando denunciávamos, o Twitter tirava o conteúdo do ar, porém, em outros países, me diziam que a rede não tirava de modo geral. Isso ocorreu porque, depois que fizemos a Escola Segura, houve uma pressão pública muito grande. A rede social não fazia uma moderação ativa, então, se a gente falava que aquele era um perfil terrorista, eles realmente tiravam do ar. Os outros países diziam que não tinham essa relação, mas nós conquistamos com muita negociação e debate, com engajamento da sociedade. Porém a moderação tem que ser feita antes, porque esse processo é como enxugar gelo.
[Clarissa Levy] Pensando nesse momento do Twitter com o Elon Musk e os ataques diretos contra o STF, e também na campanha que o Google e outras big techs fizeram na época da votação do PL das Fake News, que está por enquanto fora de pauta. De que maneira você acha que essas campanhas tentam minar a confiança das pessoas nas instituições? Que tipo de consequências você acredita que isso pode trazer?
A discussão chamada PL das Fake News, que era no modo geral uma regulamentação das redes sociais, não trazia nenhum tipo de censura nem tinha nenhum órgão de governo que queria regulamentar o que cada um dizia na internet. Foi muito complicada porque eu acho que houve um abuso. Obviamente, todas as empresas podem fazer seus lobbies, no bom sentido, e mostrar seu ponto de vista, mas nessa situação passou da boa-fé.
Algumas empresas, por meio de associações, disseminaram fake news dizendo que teriam problemas em relação à postagem de salmos, porque a Bíblia supostamente teria trechos vedados por falar do papel da mulher. Foram mentiras que mobilizaram, por exemplo, o setor evangélico, com esse conteúdo bíblico nas redes sociais, o que é algo gravíssimo.
Cada empresa fez uma coisa, não podemos misturar todo mundo e tudo, mas tiveram casos muito graves de muita deslealdade em relação ao debate e de má-fé. É abuso de poder econômico, quando uma empresa que tem o monopólio coloca lá embaixo, no seu próprio buscador, um editorial defendendo seu ponto de vista.
Foi tão complicado e ficou tão ruim em relação a todos os órgãos oficiais. O próprio Legislativo, a Câmara e o Senado ficaram irritados com o que foi feito e recuaram. Já estamos com o problema desse clima institucional ruim, seria bom ter tido um debate justo e leal e que todos ouvissem um ponto de vista em relação ao outro, sem esses abusos.
Agora vem o Elon Musk atacando as instituições, mas acho que ele tem objetivos políticos atrás disso. Musk estava engajado no movimento de extrema direita com outros atores organizados. O Shellenberger já vem nesse movimento há muito tempo, com parlamentares e outros membros da extrema direita internacional e nacional.
Shellenberger veio para o Brasil fazer um evento com parlamentares da extrema direita, está viajando pelo país e faz lives com esses parlamentares. É tudo muito organizado, mas acho que não é só essa questão do debate da regulação das redes sociais (claro que esse é o carro-chefe da argumentação), mas também há objetivos políticos porque ele não tem problema em relação à liberdade de expressão em outros países onde é alinhado politicamente. Shellenberger não faz esse escândalo todo quando pedem para retirar conteúdos na Índia, Paquistão; ele teve problemas gravíssimos em relação à China, e é completamente diferente em relação ao Brasil. Ele acha que o Brasil é um player importante nesse debate global da extrema direita.