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Governo suspeita de nova estratégia para devastar e grilar a Amazônia

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DÉLIO ANDRADE
DÉLIO ANDRADEhttp://delioandrade.com.br
Jornalista, sob o Registro número 0012243/DF

Tradicionalmente, esta coluna é publicada no site às sextas-feiras, e a correspondente newsletter é enviada às quintas-feiras, ao 12h. Contudo, nesta semana, estamos publicando a coluna de forma extraordinária nesta quinta-feira. Para receber as próximas edições, inscreva-se aqui.

A explosão atual de queimadas na Amazônia – a pior desde 2010 – tem chamado a atenção por estar desvinculada do desmatamento, que está em queda. Especialistas têm alertado para o peso da seca e das mudanças climáticas nessa equação e ponderado que se o desmatamento estivesse em alta, o quadro de fogo seria ainda pior. Mas essa pode não ser a história toda – talvez nem ser a parte mais importante dessa história. O Ministério do Meio Ambiente vem trabalhando com a hipótese de que estaria em jogo uma nova estratégia de grilagem, se valendo da devastação para ocupar ilegalmente a floresta. 

É o que me revelaram nos últimos dias o secretário extraordinário de Controle do Desmatamento do Ministério do Meio Ambiente, André Lima, e o presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho. Estaria em curso uma atuação que passa mais facilmente abaixo do radar. Em vez de desmatar grandes áreas de uma só vez, os criminosos estariam se engajando mais no processo que começa com a retirada ilegal de madeira seguida de queima da vegetação menos valorizada comercialmente. 

“Temos detectado um aumento significativo de incêndios em áreas de floresta e possivelmente isso está associado ao corte de madeira prévio, que torna a floresta mais vulnerável aos incêndios. Essa nos parece que pode ser a nova estratégia da grilagem de terras na Amazônia. Não desmata. Degrada e queima”, reconheceu Lima.

Alguns dados do sistema de alertas Deter, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), apontam para isso. Além das queimadas estarem em alta, tem crescido também o corte seletivo de madeira. No período de agosto do ano passado a julho deste ano, a degradação da Amazônia atingiu 25.294 km2 – quase seis vezes a área com alertas de desmatamento no período, que foi de 4.315 km2. A degradação cresceu 44,7%, enquanto o desmatamento caiu 45,7%, na comparação com os 12 meses anteriores.

Os gráficos abaixo mostram claramente isso. O primeiro é dos alertas de desmatamento do Deter desde 2015. O segundo é o da degradação.

Desmatamento

Gráfico demonstra os alertas de desmatamento do Deter desde 2015

Degradação

Gráfico demonstra os alertas de degradação desde 2015

Nos cálculos do Inpe, desmatamento é quando ocorre o chamado corte raso, ou seja, a floresta é totalmente derrubada e o solo fica exposto. Já a degradação é um processo de perturbação da floresta com a retirada de madeira, o fogo e o chamado efeito de borda (quando a floresta está ao lado de uma área aberta, como um pasto ou agricultura, e sofre mais a influência do calor e da seca, por exemplo). Do alto ainda se vê a copa das árvores, mas por dentro é uma floresta muito mais frágil, muito mais vulnerável às queimadas.

Esse processo em si não é novo. A degradação sempre existiu e é monitorada há anos pelo Inpe. Mas o que levantou o alerta do governo é que ela está crescendo nos últimos dois anos, especialmente quando se olha, dentro do índice de degradação, para cada fator isoladamente. 

No período de agosto de 2023 a julho de 2024, a cicatriz por por incêndios (que é a forma como o satélite vê por onde passou o fogo) cresceu 47,8% em relação ao período anterior, que já tinha sido 200% superior ao registrado entre agosto de 2021 e julho de 2022. 

Já o corte seletivo de madeira cresceu 20% – este chegou ao maior índice da série histórica, iniciada em 2015. Sai o correntão, entram a motosserra, o galão de gasolina e o isqueiro.

Corte seletivo de madeira

Gráfico mostra os alertas para corte seletivo de madeira desde 2015

Cicatriz por incêndios

Gráfico mostra os alertas de cicatriz por incêndios desde 2015

“Neoempreendedorismo clandestino”

“O sistema mostra uma tendência perigosa. Extração ilegal de madeira seguida de fogo e logo depois o plantio de pastagem no interior da floresta degradada”, reforçou Agostinho. Ele já tinha apontado para essa relação na semana passada, em entrevista à Agência Pública.

“Degradação sempre houve, o corte seletivo sempre existiu, incêndio sempre existiu, mas uma coisa não estava necessariamente associada à outra. Agora nos preocupa o que parece ser uma nova estratégia de ocupação do território, um processo de consolidação de ocupação de áreas, como, por exemplo, em assentamentos que foram desfigurados”, complementa André Lima.

Segundo ele, não são mais os beneficiários que estão em algumas áreas de assentamento na Amazônia, já são terceiros. “Aí, nesse caso, não é exatamente grileiro. É gente que compra ou expulsa o agricultor familiar. Ou compra a área barata e vai reconcentrando. Um ‘neoempreendedorismo’ clandestino na Amazônia que usa o fogo porque sabe que o fogo não entra no Prodes [o sistema que calcula o desmatamento oficial da Amazônia]. Só entra no Deter como degradação”, afirma o secretário.

Lima cita essa diferenciação entre o Prodes e o Deter, entre desmatamento e degradação, porque historicamente o maior foco da fiscalização tem sido no corte raso, uma vez que ele é a destruição definitiva da floresta. E também, como disse Agostinho, porque o desmatamento é o “batom na cueca”, é muito mais fácil de identificar os responsáveis.

“Sempre se focou mais em corte raso e menos incêndio porque incêndio não se consegue comprovar o nexo causal. Normalmente, quem está lá diz que é vítima do incêndio, não é o causador”, pontua Lima. 

De acordo com o secretário, isso está mudando. Tem sido necessário atualizar a estratégia de fiscalização. Segundo ele, a degradação florestal foi incluída nos índices de definição dos municípios críticos e nos parâmetros para os incentivos do programa União com Municípios. 

Ele diz ainda que o Ibama incluiu degradação na estratégia para embargo de área e tem ocorrido um esforço para cancelar os chamados DOFs, o documento de origem florestal que é burlado para se comercializar a madeira retirada ilegal de madeira. 

Segundo Agostinho, no ano passado a operação Metaverso tirou de circulação mais de 100 mil caminhões de madeira ilegal por meio da identificação e bloqueio de créditos fraudulentos no sistema do Ibama. “Isso virou um tremendo problema”, diz o presidente do órgão ambiental.

“Tem uma história aí que merece realmente uma atenção especial. Até porque a gente tem sido hostilizado em algumas regiões. As brigadas [contra fogo] do Ibama, em algumas regiões, já foram expulsas a tiro. Em outras, pneus de carros foram furados com pregos instalados em estradas. Em outros casos, a Polícia Federal foi expulsa a bala”, afirma Lima. 

“Acho que é um desdobramento dos quatro anos [do governo Bolsonaro] de estímulo à milícia ambiental, à grilagem, o ‘passar a boiada’ na Amazônia, a redução de fiscalização. Acho que tem um rescaldo. O crime organizado se instalou, e a terra passou a ser um ativo. Além do ouro, da madeira, do gado”, complementa.

Degradação promove tanta emissão quanto desmatamento

Outro alerta em relação ao processo de degradação vem da ciência. Nos últimos anos diversos pesquisadores têm buscado entender o que ele representa em termos de emissões de gases de efeito estufa. Os cálculos de emissões do país levam em conta o desmatamento porque considera que a floresta já era e o carbono que ela continha foi para o espaço. 

Mas a degradação faz com que a floresta em pé fique muito mais frágil, tenha uma redução da sua capacidade de fazer fotossíntese e também acabe emitindo mais carbono que absorvendo.

De acordo com o pesquisador David Lapola, da Unicamp, um dos cientistas que têm se debruçado sobre essa questão, as emissões por degradação são no mínimo iguais às emissões anuais por desmatamento, mas talvez sejam até maiores.

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