A feira mais icônica do Distrito Federal, principalmente por sua história e peculiaridades, passa por um imbróglio administrativo e jurídico cada vez mais difícil de ser resolvido. De um lado, o governo, dono do espaço, e no meio, dois grupos antagônicos que se digladiam pelo direito de administrar a Feira do Guará, com quase 700 bancas. O impasse chegou a tal ponto que há inclusive risco de a feira ser fechada ao público repentinamente, por falta de entendimento entre as três partes.
Tudo começou nas eleições para renovação da diretoria da Associação dos Feirantes da Feira do Guará (Ascofeg), no final de outubro de 2023. Ao desistir da reeleição, Cristiano Jales, então presidente, indicou Valdinei Lima como candidato à sua sucessão na chapa da situação. Descontentes com a vontade de Cristiano de continuar tendo o controle administrativo sobre a feira, um grupo de oposição se organizou e apresentou uma chapa concorrente. A campanha foi dura e recheada de denúncias de agressões físicas e verbais entre os dois lados e ficou pior ainda após a eleição, quando a oposição, que perdeu no escrutínio, apontou possíveis irregularidades na votação, o que foi negado pelo grupo liderado por Cristiano. De acordo com a Comissão Eleitoral, havia apenas divergências de quem poderia votar – se a banca através do CNPJ, ou o permissionário como pessoa física.
Como a diretoria eleita não conseguiu registrar a ata da eleição em cartório, por causa dos questionamentos da chapa perdedora na Justiça, em tese a Associação dos Feirantes estava sem comando, porque a gestão da diretoria anterior teria vencido no dia 31 de dezembro de 2023, de acordo com o Estatuto. Mas, como a eleição foi suspensa, que teria eleito Valdinei Lima para a presidência da Ascofeg, o ex-presidente Cristiano Jales voltou a assumir o cargo, sob a alegação de que a diretoria anterior deveria permanecer até o julgamento do mérito ou até que fosse convocada e realizada nova eleição, decisão contestada pela oposição.
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Governo age
Como o impasse não se resolvia, foi necessário o governo, que é o legítimo dono do espaço, intervir, mas, de forma atabalhoada, o que aguçou mais ainda a disputa entre os dois lados. Para tentar intermediar ou resolver a situação, a Secretaria de Governo, responsável pelo controle das feiras de todo o Distrito Federal, constituiu um Grupo de Trabalho, chamado de Comitê Gestor, representado pela Administração do Guará e Secretaria de Governo, e representantes da situação e oposição dos feirantes. Já na primeira reunião com os feirantes, os representantes do governo sentiram que a missão não seria fácil. Ao apresentar o passivo da Feira do Guará, calculado em R$ 7 milhões, entre dívidas com o INSS (R$ 3 milhões), Neonergia (R$ 2,5 milhões) e ações trabalhistas e outras cobranças, para justificar a intervenção, o passivo foi contestado pelo grupo da situação, que transfere ao próprio governo, principalmente à Administração Regional do Guará, a responsabilidade pela maior parte dessa dívida, por não tomar providências contra a inadimplência da taxa de rateio (usada para custear a segurança, a limpeza e a manutenção) e a taxa de ocupação, a parte que cabe ao poder público pela cessão do espaço.
“Como a inadimplência da taxa de rateio é de cerca de R$ 3 milhões, seria suficiente para quitar a dívida com o INSS. E a dívida com a concessionária Neoenergia foi originada por um erro do próprio governo, que inaugurou a expansão da feira em 2008 sem a instalação de medidores individuais e a cobrança somente veio depois da concessão da energia elétrica no Distrito Federal”, afirma Cristiano Jales. E as dívidas trabalhistas seriam, segundo ele, resolvidas com a recuperação da taxa de rateio em atraso, mas, neste caso, a cobrança somente pode ser feita legalmente pelo dono do espaço, no caso a Administração Regional do Guará, de acordo com a lei que rege as feiras do Distrito Federal.
A primeira proposta para resolver o impasse foi a realização de uma nova eleição na Ascofeg, que, antes, deveria apresentar uma prestação de contas das dívidas e despesas. Por entender que o governo, através do Comitê Gestor, estaria interferindo numa instituição privada, Cristiano, ex-presidente, e Valdinei, novo presidente eleito, não concordaram com a proposta. Para piorar a situação, o Comitê Gestor resolveu entregar a recém criada Associação dos Permissionários da Feira do Guará (Asperfeg), presidida por Alexandro Ferreira de Menezes, que era o candidato de oposição na eleição da Ascofeg, o direito de receber as taxas de rateio, pagar as despesas e prestar contas da movimentação financeira e administrativa. A alegação é que o cnpj da nova associação estava “limpo”, ao contrário da Ascofeg, que está com suas contas bancárias interditadas por conta das ações judiciais.
Mesmo que não tenha sido de propósito, a decisão, considerada precipitada e inábil, deu ao grupo da situação argumentos para acusar o governo, através do Comitê Gestor, de transferir, mesmo que indiretamente, o poder de administração da feira ao grupo de oposição. Contrariado, o grupo de Cristiano, que representa crca da maioria dos feirantes (de acordo com a votação da eleição de 2023), está anunciando um boicote à decisão e garante que não vai pagar as taxas de rateio à nova associação. Se o boicote se confirmar, a manutenção da feira fica comprometida, porque não haveria recursos financeiros para custear o pagamento dos 28 funcionários que cuidam da limpeza, da segurança e da parte administrativa, o que inviabilizaria a abertura da feira ao público. E, para colocar mais lenha na fogueira, a Ascofeg resolveu promover uma nova eleição para a escolha da diretoria no início de fevereiro, no meio da discussão, e que foi boicotada pelo grupo de oposição. Como desta vez o cartório de registro de títulos aceitou a ata e validou a eleição, a diretoria eleita considera que passa a ser a legítima administradora da feira.
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Quem tem direito?
O cerne da questão é conceitual: enquanto o grupo de Cristiano Jales e Valdinei Lima acusa o governo de querer interferir indevidamente na gestão de uma instituição privada, o governo, através do Comitê Gestor, entende que, como é o dono do espaço, tem o direito de escolher qualquer instituição para tomar conta da feira. A alegação é que essa oportunidade foi oferecida à própria Ascofeg, que, entretanto, teria se negado a fazer a prestação de contas no período em que a eleição esteve suspensa como condição para continuar na administração.
Embora os usuários não percebam, o clima nos corredores da feira está cada vez mais acirrado. O grupo de Cristiano acusa o grupo de oposição de promover terrorismo com os funcionários, ao garantir que todos serão sumariamente demitidos e substituídos por outros, o que foi negado pelo coordenador do Comitê Gestor, Cláudio Anjos, durante a reunião com os feirantes na sexta-feira, 14 de fevereiro. “Como vários deles são funcionários antigos, seriam necessários no mínimo R$ 1 milhão para o pagamento dos direitos trabalhistas deles, o que, logicamente, não existe e nem vai existir a curto prazo no caixa, porque a arrecadação máxima da taxa de rateio é de R$ 162 mil mensais, e mesmo assim se todos pagarem em dia”, alerta Valdinei Lima, o presidente eleito da Ascofeg.
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feira protestam com a possível demissão
O clima de beligerância chegou ao ponto dos membros do Comitê Gestor serem praticamente expulsos por parte dos feirantes ligado à Ascofeg ao tentar entrar na sede da administração da feira na sexta feira-passada, sem uma decisão judicial. Mas, como há a decisão do Comitê Gestor de intervir, novos desdobramentos são esperados para os próximos dias. A torcida, entretanto, é que não seja necessário impedir que a feira mais tradicional do DF continue recebendo cerca de 20 a 30 mil pessoas por final de semana.
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