Enquanto o governo federal divulga a cifra de R$ 100 bilhões como o valor necessário “para recuperar o que foi estragado” e “cuidar do povo”, como disse o presidente Lula em entrevista no início de setembro, os atingidos pelo rompimento da barragem de Fundão, no município mineiro de Mariana, defendem que não há reparação possível sem incluir quem vive as consequências do crime ambiental. Na última semana, lideranças de comunidades de Minas Gerais (MG) e Espírito Santo (ES) vieram a Brasília para pressionar o governo por sua inclusão na mesa de negociações, visto que nem sequer sabem o que está previsto no acordo.
“A gente está tendo uma repactuação que não é transparente e ele [Lula] prometeu que seria transparente com os atingidos”, afirmou Valeriana Gomes de Sousa, que representa os atingidos da cidade de Naque (MG), em coletiva de imprensa na última sexta-feira (27).
“Repactuação sem atingidos não é repactuação”, acrescentou Joelma Fernandes, coordenadora da Comissão de Atingidos de Governador Valadares (MG). “Só existe dinheiro, esse montante [a ser pago pelas empresas], porque existem atingidos”, defendeu. “[Os atingidos são] pessoas capazes de sentar nessa mesa de repactuação e discutir, pessoas que entendem do processo, porque sentem na pele”, explicou. Em novembro, o colapso da estrutura que despejou 62 milhões de metros cúbicos de rejeitos em áreas públicas e rios, como o Rio Doce, além de ter destruído a comunidade de Bento Rodrigues, completa nove anos.
Lula já anunciou que o acordo deve ser assinado “até o começo de outubro”, o que coloca os atingidos em uma corrida contra o tempo. Em agosto do ano passado, eles divulgaram uma carta aberta ao presidente com o mesmo pleito e, ainda em janeiro daquele ano, o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) se reuniu com o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, também com o mesmo objetivo. O grupo afirma estar buscando uma agenda com Lula desde o início do mandato. “Tentamos de tudo”, desabafou Sousa.
Na manhã da última sexta (27), antes da coletiva, as lideranças compareceram à posse da ministra dos Direitos Humanos e da Cidadania, Macaé Evaristo, onde distribuíram um ofício solicitando participação no novo acordo de reparação, além de escuta ativa nas comunidades, controle social dos recursos e limpeza completa do Rio Doce, entre outros. O documento foi entregue para Evaristo, além da ministra Marina Silva, do Meio Ambiente, e Rui Costa, da Casa Civil.
Até então, só as empresas Samarco, Vale e BHP Biliton, as responsáveis pelo colapso da barragem, e alguns representantes do poder público sentaram-se à mesa de negociações. Entre eles, a Advocacia Geral da União (AGU), que representa o Governo Federal, além dos governos de MG e do ES, e instituições de Justiça.
Questionados sobre por que os atingidos não foram incluídos nas discussões da repactuação, e se existiria previsão de inclusão, a AGU e a Presidência não responderam.
Em nota, a Secretaria de Comunicação da Presidência afirmou que “é compromisso desta gestão trabalhar por uma solução que respeite as partes e, principalmente, os direitos da população duramente castigada pelo rompimento da barragem, além de assegurar a recuperação do meio ambiente das áreas atingidas”, e relembrou a fala de Lula na entrevista à Rádio Vitoriosa, na qual ele afirma que “o objetivo do governo é utilizar o recurso do acordo ‘para recuperar o que foi estragado, para cuidar do povo’”.
Atingidos lutam por direito à saúde e fiscalização dos recursos
Uma das principais pautas dos atingidos é a saúde, visto que os rejeitos despejados pela barragem são tóxicos e podem gerar problemas renais, alergias, além de outras enfermidades.
“Ao longo de nove anos, nós estamos abandonados no direito à saúde, porque no Brasil não existe tratamento para as pessoas contaminadas. Estamos colecionando laudos e mais laudos médicos, e óbitos, infelizmente”, explicou Simone Silva, parte da Comissão dos Atingidos de Barra Longa e integrante da Comissão Técnica de Saúde dos atingidos de Minas Gerais. “Queremos saber o que está sendo tratado na mesa de repactuação, o que está se falando das nossas vidas e o que está se falando da nossa saúde lá”, acrescentou.
Já Varner de Santana Moura, que representa os atingidos do Espírito Santo, destacou a necessidade de controle social dos recursos recebidos após o acordo. “Que seja garantido acompanhamento, monitoramento, validação e fiscalização dos recursos destinados aos nossos territórios. Que o atingido saiba e tenha consciência de onde o seu recurso será aplicado e que ele faça o papel de fiscalizador, porque esse recurso pertence aos atingidos”, finalizou.
Para Ana Carolina Salomão, sócia do escritório Pogust Goodhead, que representa os atingidos de Mariana em cortes internacionais, “a reparação justa e completa só é possível com a participação e escuta dos atingidos”. “Dar voz às vítimas de desastres ambientais e quantificar os impactos sobre cada atingido é um requisito básico para se alcançar uma reparação justa e completa”, explicou, em entrevista à Pública. No dia 21 deste mês, será iniciado, na Corte de Londres, o julgamento sobre a responsabilidade da mineradora BHP no rompimento da barragem do Fundão.