Na última terça-feira (3/9), um incêndio atingiu a Floresta Nacional (Flona) de Brasília. Logo no início dos trabalhos, o Instituto Chico Mendes (ICMBio) apontou a suspeita de que a queimada tenha ocorrido por ação criminosa pelo fato de três homens terem sido vistos momentos antes no local onde o fogo começou. Quatro dias se passaram e os possíveis autores da queimada, que consumiu praticamente 50% de toda a reserva, não foram sequer identificados.
A demora na identificação dos suspeitos chama atenção para um entrave: a dificuldade de se apurar os fatos quando um incêndio é de cunho criminoso. Dados do Instituto Brasília Ambiental (Ibram) solicitados pelo Metrópoles revelam a complexidade.
“No período [2020 a 2024], foram constatados 58 relatórios de auditoria e fiscalização relacionados a queimadas que não resultaram em autos de infração devido à dificuldade na identificação de autoria”, revela o Brasília Ambiental.
Neste recorte de mais de quatro anos, o Ibram aplicou apenas 15 autuações. A maioria dos casos é referente à queima de folhas e resíduos em quintais residenciais, que resultaram em advertências e multas que variaram entre R$ 470 e R$ 5 mil.
Já em áreas de proteção ambiental, o Ibram tem dificuldades de identificar autores quando há a suspeita de uma queimada delituosa. O órgão revela que não possui, por exemplo, tecnologias para identificar infratores em incêndios florestais.
“Na maioria dos atendimentos de denúncias, a situação de queimada é constatada pela fiscalização, mas não é possível identificar o autor. Sem flagrante do autor ou provas suficientes da autoria daquele crime, não é possível autuar e aplicar multa a ninguém”, diz o órgão.
Câmeras de vigilância fazem falta em áreas de mata. Mesmo quando há equipamentos, o processo de obter as imagens é lento. “A dificuldade de verificar a autoria de um incêndio se dá porque os incêndios florestais costumam iniciar ou ocorrer em local ermo onde não há câmeras de vigilância; as imagens de satélites não são em tempo real e não há imagens de todo o período das áreas. Assim, não dá pra fazer um rastreio nas imagens buscando o autor”, explica o Ibram.
“Existem, por exemplo, as queimas de lixo, onde as pessoas jogam o resíduo e ateiam fogo. Quando isso acontece no quintal ou em área particular, o dono é autuado. Porém, quando acontece em área pública, temos a dificuldade citada acima.”
A superintendente de fiscalização e monitoramento ambiental do Ibram, Simone Moura, explica que as queimadas podem estar relacionadas com “infrações administrativas maiores”, como parcelamento irregular de terra, desmatamento e intervenção em área de proteção ambiental ou unidade de conservação. “Neste caso, as multas precisam ser graduadas de acordo com o conjunto de danos causados na área”.
Simone lamenta a dificuldade de saber quem ateia o fogo quando há uma queima criminosa. “Isso [a identificação do autor] tem sido uma das maiores dificuldades. Sendo em área pública, nós temos dificuldade [de identificar], porque esses incêndios costumam acontecer em um lugar ermo, onde não há câmeras de vigilância, e a gente não tem imagem de toda essa área para poder fazer um rastreamento buscando o autor em alguns casos”, afirma a servidora.
Tecnologia faz falta
Como dito anteriormente, o Brasília Ambiental não dispõe de equipamentos tecnológicos diversos para identificar infratores em casos de incêndios florestais. O órgão possui uma tecnologia de alerta de queimadas, mas os avisos não ocorrem em tempo real. “A informação leva um tempo até ir para o sistema”, justifica.
Nesse cenário, a superintendente Simone Moura ressalta que as denúncias são fundamentais para o trabalho de combate ao fogo e lamenta o baixo número de registros nos últimos anos. “Precisamos muito das informações e denúncias. Nós temos servidores que trabalham em todas as unidades de conservação, e sempre que tem um foco de incêndio eles nos informam, mas ainda precisamos das denúncias das pessoas.”
O Corpo de Bombeiros Militar do Distrito Federal (CBMDF) realiza perícias em casos de incêndios em áreas de proteção ambiental. Quando os trabalhos apontam suspeitos, a corporação repassa informações às polícias competentes. “Sempre trabalhamos em parceria com a Polícia Civil (PCDF) e Polícia Federal (PF) e, nos casos de suspeitas, as ocorrências são conduzidas por estes órgãos”.
Quanto a instrumentos tecnológicos para identificação de autores, o CBMDF afirma que dispõe de aeronaves e drones. “No caso de alguma amostra recolhida, podemos direcionar ao nosso laboratório de perícias. As aeronaves da corporação – assim como drones – também podem ser utilizadas.”
Questionada, a Secretaria de Segurança Pública do DF (SSP-DF) disse não ter dados referentes a incêndios criminosos na capital federal. A Polícia Civil do DF (PCDF) não havia retornado os contatos da reportagem até a última atualização deste texto.
Como denunciar
A Central 162 é o caminho mais simples para quem quer denunciar uma queimada supostamente criminosa. O canal funciona de segunda a sexta-feira, das 7h às 21h; sábados, domingos e feriados, de 8h às 18h. O cidadão que preferir informar um caso presencialmente pode ir à sede do Brasília Ambiental, localizada na 511 Norte, no Setor de Edifícios de Utilidade Pública Norte (SEPN) bloco C, térreo. O portal ParticipaDF também está disponível.
O órgão tem 20 dias corridos para responder o denunciante. São dez dias para informar ao cidadão as primeiras providências adotadas e mais dez para apurar e revelar o resultado final.