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Novo fórum nacional vai cobrar do governo a criação de uma comissão indígena da verdade

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DÉLIO ANDRADE
DÉLIO ANDRADEhttp://delioandrade.com.br
Jornalista, sob o Registro número 0012243/DF

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Passados 60 anos do golpe militar e 39 do final da ditadura, uma sala envidraçada da Procuradoria-Geral da República (PGR) em Brasília sediou, na última sexta-feira (13), um evento simples, mas cheio de significado: pela primeira vez, um conjunto formado por oito entidades expressivas do movimento indígena, seis da sociedade civil, integrantes do Ministério Público Federal (MPF), nove órgãos do governo federal e quatro da academia, além de oito especialistas, criaram um fórum nacional com o objetivo de debater e pedir providências ao Estado brasileiro sobre as mortes, desaparecimentos e outros crimes cometidos contra os indígenas durante a ditadura civil-militar.

Na reunião de sua instalação, o Fórum Memória, Verdade, Reparação Integral, Não Repetição e Justiça para os Povos Indígenas lembrou que uma de suas principais tarefas será cobrar a instalação de uma comissão indígena da verdade, uma das muitas recomendações da Comissão Nacional da Verdade (CNV) que, há quase dez anos, nunca saíram do papel. A CNV estimou, na ocasião, que pelo menos 8.350 indígenas morreram durante o período ditatorial por ação ou omissão de agentes públicos.

O trabalho é encabeçado pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), 6ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal, Observatório de Direitos e Políticas Indígenas (Obind) da Universidade de Brasília (UnB) e Instituto de Políticas Relacionais (IPR).

As décadas que já se passaram sem que o tema indígena na ditadura tenha sido devidamente publicizado e esquadrinhado pelo Estado brasileiro demonstram a dificuldade que o país ainda encontra para reconhecer a existência dos crimes, reparar seus próprios erros, indenizar as vítimas e trabalhar para que os crimes não se repitam.

Kléber Karipuna, coordenador-executivo da Apib, lembrou que a violência do Estado contra os indígenas se perpetua ao longo do tempo e sempre ganha novos contornos. Ele mencionou “a genocida câmara de conciliação” imposta aos indígenas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) para discussão da tese jurídica do “marco temporal”, já declarada inconstitucional pelo próprio STF.

No último dia 28, o movimento indígena se retirou da comissão criada pelo ministro do STF Gilmar Mendes. “Não dá pra aceitar a tentativa de negociar nossos direitos”, disse Karipuna. Apesar da saída das entidades representativas dos indígenas, a “comissão de conciliação” continuou em atividade por ordem de Mendes.

Na quinta-feira (12), a Apib entregou a denúncia sobre a “comissão de conciliação” e sobre a PEC 48, que pretende tentar legalizar o “marco temporal”, à relatora especial da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre a promoção e proteção dos direitos humanos no contexto das mudanças climáticas, à relatora especial sobre o direito humano a um meio ambiente saudável e a representantes de 21 embaixadas estrangeiras no país.

Ou seja, os indígenas brasileiros têm que buscar apoio internacional contra ameaças aos seus direitos no Brasil que partem da mais alta corte do Judiciário, o STF, e da cúpula do Congresso Nacional.

O fórum criado no dia 13 pretende não deixar mais passar em branco as atrocidades do passado, mas com os olhos no presente. Paulino Montejo, assessor político da Apib, disse que “o Estado precisa abraçar essa responsabilidade”, em referência a uma comissão nacional da verdade indígena, e que o movimento indígena não vai aceitar mais respostas do tipo “é um assunto muito espinhoso”.

O ex-deputado federal Nilmário Miranda, de Minas Gerais, foi à reunião representando o Ministério dos Direitos Humanos na condição de chefe da assessoria especial de Defesa da Democracia, Memória e Verdade. Ele foi nomeado ao cargo no início do governo Lula 3 pelo então ministro Silvio Almeida, agora defenestrado do cargo após denúncias de assédio sexual.

Os crimes contra os indígenas na ditadura nunca foram tratados na gestão do então ministro Silvio Almeida. Miranda argumentou que a ideia de uma comissão nacional da verdade indígena ficou a cargo do Ministério dos Povos Indígenas (MPI), que, por sua vez, se interessou pelo tema, mas não iniciou a comissão. O movimento indígena agora reivindica uma ampla comissão interministerial, que envolva diversos setores do governo, e não a redução a apenas uma pasta com maior risco de ser esvaziada.

Daniela Greeb, do Instituto de Políticas Relacionais, a professora e antropóloga Elaine Moreira, do Obind da UnB, e outros participantes enalteceram o papel do pesquisador Marcelo Zelic em prol da instalação da comissão indígena da verdade. Coordenador do projeto Armazém Memória, ele faleceu em 2023 como consequência de um acidente vascular cerebral. O trabalho de Zelic foi tratado nesta coluna em maio de 2023.

Coordenador do novo fórum, o procurador da República Marlon Alberto Weichert tem ampla experiência no tema da ditadura civil-militar. Ao longo dos anos, ajuizou, ao lado de outros colegas do MPF, diversas ações contra agentes da ditadura sob a acusação de crimes cometidos contra os direitos humanos no contexto urbano. Ele e outros membros do MPF, como os procuradores Marco Antonio Delfino de Almeida, de Mato Grosso do Sul, e Edmundo Antonio Dias Netto, de Minas Gerais, nos últimos anos têm trabalhado na temática indígena durante o período militar.

Na instalação do fórum, Weichert exaltou a participação das entidades indígenas, que já estão mobilizando pesquisadores indígenas que buscam mais informações direto nas aldeias. “Comissões feitas em gabinete geralmente são fadadas ao fracasso”, disse o procurador.

“O que é o fórum? É o local de articulação para consolidar [as informações] e ampliar o debate para, a partir disso, elaborar uma proposta de um projeto de uma comissão nacional indígena da verdade a ser entregue ao Estado brasileiro. Ele tem a responsabilidade legal de instalá-la”, disse o procurador.

O fórum trabalha inicialmente com um teto de 12 meses para encerrar seus trabalhos e apresentar a proposta, mas o prazo pode ser encurtado.

Nota 1: A coluna recomenda fortemente a leitura do recém-lançado O silêncio da motosserra (Companhia das Letras), escrito pelo jornalista Claudio Angelo com a colaboração do pesquisador e engenheiro florestal Tasso Azevedo, do MapBiomas. Uma tonelada de informações indispensáveis sobre a destruição da Amazônia (e as ações para revertê-la) que iluminam os motivos e os caminhos pelos quais chegamos até aqui. Passando evidentemente pelos descalabros da ditadura civil-militar. Ex-editor de ciência da Folha de S.Paulo, Claudio Angelo é um dos mais talentosos e relevantes jornalistas de sua geração e um profundo conhecedor do assunto. Ao longo de um texto fluido, inúmeras tijoladas a respeito do que o Brasil fez e tem feito com as suas florestas. Prometo voltar aqui ao livro em outra oportunidade. Por enquanto, fiquemos neste trecho introdutório e chocante: “Até 2022, haviam sido desmatados na Floresta Amazônica 768 mil km², ou um quinto do bioma. Em área, é o segundo grande ecossistema natural mais rapidamente devastado da história da humanidade; […] O que nós levamos quase cinco séculos para destruir na Mata Atlântica, o bioma mais arrasado do Brasil, destruímos na Amazônia em meros cinquenta anos”.

Nota 2: Esta coluna ficará suspensa até a primeira quinzena de outubro em razão da cobertura que a Agência Pública inicia nesta semana em municípios do Pará e de Mato Grosso sobre as eleições municipais e sua relação com o meio ambiente. Este texto já foi escrito em Santarém (PA).

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