Oficializado nesta sexta-feira (24) como presidente do Ibama, o ex-deputado federal Rodrigo Agostinho (PSB-SP) tem pela frente desafios complexos. Ao mesmo tempo em que precisa reestruturar o órgão que provavelmente foi o mais vilipendiado nos quatro anos de governo Bolsonaro, tem de conseguir torná-lo operacional muito rapidamente para poder atuar como a ponta de lança de uma das principais metas do governo Lula – derrubar o desmatamento da Amazônia. Enquanto lida com interesses econômicos e políticos que conflitam com esses planos.
Com um quadro de fiscais defasado – apenas 350 para todo o país contra mais de 2 mil há 15 anos –, Agostinho se impôs um objetivo próprio, um “sonho”, ele diz, de reduzir pela metade a perda da floresta ainda neste ano, mas sabe que o quadro não é exatamente favorável para isso. Depois de quatro anos em que os níveis de desmatamento voltaram a patamares não observados desde meados dos anos 2000, a motosserra acelerou ainda mais no segundo semestre de 2022, deixando uma destruição que será herdada nas primeiras estatísticas oficiais da nova gestão.
O sistema Prodes, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), que mede a taxa oficial anual de desmatamento da Amazônia, considera sempre o período de agosto de um ano a julho do ano seguinte. Portanto, tudo o que foi desmatado nos últimos cinco meses do ano passado vai contar para o Prodes de 2023.
Não é só uma questão numérica, mas um indicador do nível da criminalidade em campo. Desmatadores se organizaram de tal maneira e se sentiram tão à vontade com a falta de fiscalização nos últimos anos, que não serão tão facilmente contidos. Alertas de desmatamento feitos pelo Inpe neste início de ano apontam nesse sentido. Apesar de o mês de janeiro ter fechado, aparentemente, com pouco desmatamento, em fevereiro já está ocorrendo uma nova alta.
Em entrevista à Agência Pública, Agostinho reconheceu as dificuldades, mas disse acreditar que a mudança de postura não só do Ibama, mas de todo o governo federal, já pode ter um efeito inibitório. “O Ibama voltou a trabalhar. O comando e controle voltou a se organizar. As pessoas entenderam que o Ibama voltou a trabalhar. O discurso presidencial mudou. Se as pessoas estavam esperando continuar investindo em exploração ilegal de madeira, porque não tinha mais controle, em garimpo em terra indígena, porque não tinha mais fiscalização, agora começam a repensar isso”, disse.
Enquanto tenta abrir um novo concurso para contratar mais gente, Agostinho disse que espera contar com a inteligência do órgão para conter o desmatamento, se valendo, por exemplo, de embargos remotos. O sistema já está disponível há anos no Ibama, mas também foi paralisado nos últimos quatro anos, assim como a própria cobrança de multas.
O governo está trabalhando na elaboração do novo Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm), ferramenta lançada originalmente em 2004 que foi fundamental para a queda de mais de 80% no desmatamento da Amazônia entre aquele ano e 2012. Apesar do sucesso, o plano falhou em promover um projeto de desenvolvimento sustentável que oferecesse alternativas econômicas à região que não passassem pela destruição da floresta, o que pavimentou a retomada da devastação nos últimos anos. A nova versão do plano terá de contemplar isso, ao mesmo tempo em que terá de lidar com esse cenário mais complexo de criminalidade.
Na entrevista a seguir, Agostinho explica como deve ser o papel do Ibama no PPCDAm, conta qual o cenário que encontrou no instituto e os desafios que vê pela frente não só no enfrentamento de “delinquentes ambientais”, como ele classifica, mas também na negociação com forças políticas e econômicas, em especial os planos de infraestrutura e desenvolvimento, como a pavimentação da BR-319 e a exploração de petróleo na Foz do Amazonas.
Novo presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho foi deputado federal por São Paulo (2019-2022), é ambientalista, advogado e biólogo
Qual é o cenário que vocês encontraram?
Existe um processo de desgaste do serviço público que já vinha vindo. O Ibama estava há muito tempo sem concurso, muito tempo sem reposição de equipamentos, de estrutura física. Mas o que ficou muito forte no governo passado foi uma quantidade assustadora de assédios, de perseguições. Teve um rastro de destruição do psicológico do servidor do Ibama. Em janeiro houve a saída dos militares. Aqui tinha bastante PM, bombeiro, coronéis do exército. Estava bastante militarizada a instituição. E tinha muita coisa parada, muita coisa desmontada. Todo o setor de fiscalização desorganizado. Foi um momento bem complicado. Agora houve uma pacificação. As pessoas do governo passado já saíram e é um momento de reestruturação, de reorganização. Então nós trabalhamos todo o mês de janeiro e essa primeira quinzena de fevereiro no sentido de botar ordem na casa, de trocar todas as superintendências por servidores de carreira, mesmo de forma momentânea, como substitutos, para que as coisas pudessem ser colocadas no seu devido lugar. Agora nós já estamos conseguindo botar as equipes de fiscalização na rua. A gente já estava desde a virada do ano com um olhar para os Yanomami, porque havia um plano de retirada dos garimpeiros nos anos anteriores que não foi colocado para funcionar.
Vocês tinham visto que tinha esse plano ainda no final do ano passado, é isso?
É, esse plano existiu, existe, mas ele não foi colocado para execução, mas a gente no começo do ano já estava organizando isso, aí veio toda crise humanitária e nós decidimos antecipar. Talvez a primeira prova de fogo grande agora do Ibama foi essa, mas hoje nós já estamos com as equipes de fiscalização dos Estados fazendo suas operações. O Ibama voltou a trabalhar. O comando e controle voltou a se organizar. Nós chegamos a ter no passado 2 mil fiscais, hoje temos um pouco mais de 300, 350. Nós chegamos a ter quase 6 mil servidores. Hoje a gente tem 2.900. Uma quantidade muito grande de servidores está prestes a se aposentar, muitos já têm a idade para isso, então a reposição vai ser muito difícil. Já começamos um processo de um novo concurso, vamos contratar ainda pessoas remanescentes do último concurso, mas eu sei que a reposição não vai ser fácil. Estamos reestruturando cada uma das diretorias. A gente já tem um bom diagnóstico, agora nós estamos avançando no planejamento das ações de cada diretoria. Estamos trabalhando numa perspectiva de elaborar um grande projeto para o Fundo Amazônia. Estamos numa fase quase que final já desse projeto.
Vocês também pegaram um sistema de multas todo desmantelado…
Tivemos uma dificuldade muito grande do ponto de vista jurídico no começo do ano que foi um esforço enorme para reorganizar o processo de multas. Estamos na fase final dessa reorganização. Nós tivemos a publicação logo no dia primeiro do ano de um novo decreto de multas que foi assinado pelo presidente Lula e agora nós estamos organizando os sistemas internos do Ibama para trabalhar nessa lógica. Devem sair nos próximos dias instruções normativas regulamentando a questão das multas. Há um passivo de multas do passado: quase 130 mil multas foram abandonadas à própria sorte para irem para prescrição. Eles criaram um sistema de conciliações que na teoria é super bacana, traz um infrator aqui, faz uma audiência com ele e busca uma conciliação, mas essa conciliação nunca existiu. As audiências eram única e exclusivamente para o autuado vir aqui e dizer se topava ou não aderir ao programa de conversão de multas. Então nunca teve conciliação. As audiências – como o número de servidores do Ibama é bastante limitado – eram numa escala reduzida, e no final das contas a gente está falando aí em torno de uns R$ 90 milhões que foi o que a conciliação conseguiu trabalhar. Só que deixaram para trás outros R$ 18 bilhões de multas. Que estavam todas em prescrição.
Vários despachos do ex-presidente, do Eduardo Bim, levavam à prescrição das multas, principalmente o que dizia sobre a questão da prescrição intercorrente. Esses despachos já foram revogados, mas tem alguns ainda que estão em fase final de revisão. Nós estamos botando ordem na casa, estamos fazendo um esforço muito grande de valorizar as decisões dos próprios servidores, de restabelecer as relações, de tentar rever injustiças que foram cometidas. Teve muita perseguição, muito assédio. Nós temos mais de 5 mil processos na corregedoria. Conseguir organizar tudo isso está sendo um grande desafio, ao mesmo tempo temos que botar a máquina pra funcionar de novo. Tem setores que são bastante complexos. Você pega fiscalização, licenciamento, monitorar a qualidade ambiental do país inteiro.
Ibama enfrenta quadro de fiscais defasado, falta de equipamentos e de estrutura física
Você falou que o Ibama já chegou a ter 2 mil fiscais e hoje são cerca de 300. Era um processo de desgaste que já vinha ocorrendo?
Atingiu 2 mil em 2008 e depois a coisa foi diminuindo. Agora no governo passado foi um massacre em cima dos fiscais. Não tinha reposição, não autorizava operações, eles não podiam fazer nada. O comando aéreo foi totalmente limitado. As únicas operações feitas foram decorrentes de decisões judiciais e aí não tinha como falar que o Ibama não ia atuar. Mas foi toda uma situação que levou à saída de profissionais. Não tinha reposição e havia pressão para sair. Os servidores foram se aposentando ou saindo da fiscalização e indo para outras áreas. Recompor todo esse quadro não é fácil. Não basta fazer um concurso para fiscal. Entra no concurso como analista, mas depois ele vai para um bom curso, treinamento. Depois tem uma seleção até que a pessoa possa trabalhar como fiscal. Eu não posso colocar qualquer pessoa aí na rua só porque passou num concurso já para começar a fazer fiscalização. É um trabalho de excelência.
Considerando esse cenário e os desafios que vocês têm no governo de controlar o desmatamento, você acha que precisaria ter quantos fiscais?
Uma expectativa grande que eu tenho é que a gente trabalhe muito com inteligência e com tecnologia. O Ibama recebe os alertas do Inpe das áreas que estão sendo desmatadas. A gente compartilha informações de inteligência com quase dez órgãos, sendo o principal deles a Polícia Federal. A gente tem que ser muito mais assertivo. Não basta só botar um batalhão de pessoas na rua. Trezentos fiscais mesmo se fossem todos em um único Estado da Amazônia talvez seja pouco ainda se eu quiser ter uma atividade muito baseada no campo. O que nós vamos fazer agora é retomar os embargos remotos. Retomar atividades onde eu possa utilizar os dados da própria inteligência que eu tenho sobre os alertas de desmatamento para não precisar botar um fiscal em cada lugar. Agora para algumas atividades como combater garimpo, invasão de terra pública não destinada – que eu não sei quem é que tá lá invadindo a área, quem é que tá desmatando –, combater extração ilegal de madeira, invasão de unidade de conservação, invasão de terra indígena, grilagem. Nesses casos eu tenho que ter um fiscal mesmo. Tem coisas muito bacanas que a gente pode fazer com uma estrutura menor. Agora, sem sombra de dúvida esse número de fiscal aí mesmo se dobrar ainda vai ser um número insuficiente.
Falando então um pouco mais especificamente sobre o combate ao desmatamento, que é uma prioridade da gestão Marina Silva. Você tem citado uma meta de reduzir em 50%. Isso já para este ano?
É mais um sonho que uma meta propriamente dita ter essa redução significativa, porque isso quem vai trazer é o PPCDAm. Ele está sendo construído e vai sinalizar em algumas direções. Mas com todo o estrago que foi feito, e mesmo com as altas taxas de desmatamento [que ocorreram nos últimos anos], eu estou me impondo uma meta da gente trabalhar numa perspectiva de pelo menos reduzir pela metade. Isso vai ser bastante desafiador. A responsabilidade de combater o desmatamento não é exclusiva do Ibama. Envolve os Estados, a gente vai precisar muito da colaboração dos Estados, de outras organizações, de outras instituições. Mas algumas coisas a gente já está percebendo. As pessoas entenderam que o Ibama voltou a trabalhar. O discurso presidencial mudou. Se as pessoas estavam esperando continuar investindo em exploração ilegal de madeira, porque não tinha mais controle, em garimpo em terra indígena, porque não tinha mais fiscalização, agora começam a repensar isso.
Você acha que só essa sinalização de que a postura do governo mudou já passa um sinal inibitório pro campo?
Eu acredito que sim porque a gente estava num período de grandes oportunidades para os delinquentes ambientais. Os criminosos ambientais estavam com uma janela de quatro anos de “eu posso fazer o que eu quiser”. Agora a coisa mudou de figura. O desmatamento ilegal será autuado e embargado. Maquinário usado em crimes ambientais para destruição de floresta, para garimpo será aprendido na medida do possível e, quando não não for possível, será destruído. É a retomada da governança ambiental sobre a Amazônia, a retomada de políticas públicas importantes para a Amazônia, que não dizem respeito só a comando e controle. O Fundo Amazônia vai financiar muito a economia da floresta e isso tem um papel importante. Hoje o que dá dinheiro na Amazônia são ou atividades ilícitas ou aquelas atividades agropecuárias mais convencionais que podem ou não estarem envoltas em atividades ilícitas. Você tem a pessoa que cria boi na Amazônia com autorização e tem a que trabalha em terra ilegal. Então eu acho que se a gente conseguir estruturar no Brasil planos de combate ao desmatamento para cada um dos biomas, que é a meta do presidente Lula e da ministra Marina. Se a gente conseguir reestruturar as governanças de fiscalização. Se a gente tiver apoio dos Estados, a meta do governo de chegar a 2030 com desmatamento zero passa a ser factível. Mas a gente vai precisar do apoio de todo mundo, e eu tenho certeza que o papel do Ibama nisso vai ser central.
Com o apoio da Ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, Agostinho pretende tornar o Ibama operacional novamente
Pergunto se sua meta de redução de 50% é para esse ano porque a taxa Prodes é sempre medida de agosto de um ano a julho do seguinte e vocês herdaram um alto desmatamento que ocorreu entre agosto e dezembro do ano passado. Quando a gente olha os alertas medidos pelo outro sistema do Inpe, o Deter, o acumulado de agosto a dezembro foi 50% maior do que o mesmo período de 2021 e esses cinco meses vão vir na conta do Prodes de 2023. Considerando isso, é factível pensar nessa redução pela metade que você está sugerindo. Como você acha que seria possível chegar nessa redução?
O número que eu tenho que a gente está herdando do segundo semestre do ano passado é de 6.690 km2 [uma estimativa apresentada pelo Inpe de quanto deve ter sido o desmatamento total com base nos alertas do Deter para o período]. Se cair pela metade no primeiro semestre, a gente estaria falando de um número ainda de 10.350 km2. Mas a gente tem um grande desafio que não é só olhar pra trás. Vamos soltar várias estratégias, todas ao mesmo tempo, para conseguir reduzir essas taxas, mas obviamente temos esse passivo alto. Um grande desmatamento que começou a ser feito no ano passado, os caras não vão parar. A gente não está tentando frear um carro, mas frear um trem.
O Ibama obviamente tem o papel de ser o chato da história. Ele faz comando e controle, faz fiscalização. Mas dentro do Ibama eu também tenho estruturas importantíssimas de rastreabilidade. Nossas bases de dados servem para saber, por exemplo, se a soja está saindo de uma área desmatada ou não ilegalmente. A gente tem todo o sistema Sinaflor [Sistema Nacional de Controle da Origem dos Produtos Florestais] que dá para controlar toda a questão da madeira junto com o DOF [Documento de Origem Florestal]. Então eu tenho outras ferramentas. E eu tenho gente muito boa que pode ajudar também na definição de políticas públicas. Dos 37 ministérios, 28 estão trabalhando numa perspectiva de ter alguma estrutura de sustentabilidade. Há secretarias com bioeconomia no nome dentro dos Ministérios do Meio Ambiente, da Agricultura, da Indústria, Comércio e Serviço. Se toda essa caixa de ferramentas, se todas essas políticas públicas forem trabalhadas de maneira integral, junto com renda para a população mais simples, como a volta do bolsa floresta e projetos de geração de renda, talvez a gente consiga tornar as florestas mais valorizadas a ponto da gente conseguir coibir o desmatamento.
Mas várias dessas estratégias que você está colocando são coisas que muito provavelmente não vão ser imediatas. Pensando nos próximos meses, nessa ação mais imediata que vocês precisariam ter para cortar pela metade o desmatamento. Mesmo considerando um uso maior de inteligência, nessas atividades que precisam de gente, como vocês esperam resolver?
Eu acho que é o conjunto das ações. As equipes de fiscalização já estão trabalhando nos municípios prioritários de combate ao desmatamento. Tem pequenas operações acontecendo o tempo todo agora já no Ibama que nem eu mais tenho conhecimento de tudo. As equipes já estão na rua. Os fiscais estão mais livres, sabem que não vão responder um processo administrativo simplesmente porque estavam ali trabalhando. E a gente também vai usar a tecnologia para colocar de volta o embargo remoto. Então nós vamos começar a embargar as áreas desmatadas ilegalmente. Nós vamos ampliar muito as ações de rastreabilidade pra conseguir detectar e agir, por exemplo, no combate ao comércio ilegal de madeira. Então eu acho que vai ser um conjunto de situações. Se eu ficar olhando só pro número de fiscais que eu tenho, provavelmente eu vou ficar muito mais paralisado do que agindo.
Eu posso dizer que a gente está trabalhando com bastante inteligência, vamos recompor as estruturas internas, estamos recebendo um número muito grande de possíveis doadores querendo ajudar o Ibama a se reestruturar. Nesta semana [antes do Carnaval] começou a funcionar o Fundo Amazônia, onde nós temos grandes projetos. Estamos nos reorganizando inclusive para outras ações. O Prevfogo já começou a contratação de brigadistas para combate a incêndios florestais. Coisas que estavam demorando demais, já começaram. Nós estamos tentando nos antecipar ao máximo para fazer um bom trabalho. E acho que a gente tem um poder enorme no combate ao desmatamento que é o discurso. Dizer: olha, o próprio presidente da república está avisando. Os crimes ambientais serão combatidos daqui pra frente. A impunidade acabou. As multas não serão prescritas, as pessoas serão responsabilizadas. O desmatamento ilegal nós iremos autuar, nós iremos embargar e vamos obrigar a recuperação do dano. Isso tem um poder muito grande de inibir as práticas delitivas.
Novo presidente do Ibama pretende diminuir o desmatamento pela metade ainda este ano
O novo PPCDAm começou a ser estruturado e o plano é apresentá-lo em abril. O que pode se esperar de diferente do que foi feito anteriormente?
A gente vai trabalhar de maneira muito intensa ações que não sejam exclusivas de comando e controle. Uma coisa é o Ibama com ações de comando e controle, outra coisa é dentro do PPCDAm as ações de valorização da floresta. No PPCDAm antigo a gente não tinha o mercado de carbono que tem hoje. A gente não tinha inúmeras estratégias econômicas. O mundo inteiro não estava olhando para a Amazônia como hoje. Temos sinalizações importantes de muitos países que vão contribuir com o Fundo Amazônia. Temos lei de pagamento por serviços ambientais que vai ser regulamentada. A gente tem a possibilidade de nas terras públicas não destinadas voltar a criar áreas protegidas incluindo terras indígenas e unidades de conservação. A gente tem que garantir a integridade do cadastro ambiental rural, que é um problema que facilita demais a grilagem nesse país. Tem um conjunto enorme de ferramentas.
O sucesso depende obviamente de uma boa articulação dessas ferramentas, do envolvimento dos entes federados. Hoje nós temos municípios no Brasil autorizando o desmatamento. O governo federal repassou muitas atribuições pros estados, e os estados estão autorizando municípios a serem licenciadores de desmatamento. A gente vai ter que recuperar essa governança, fazer uma integração dos sistemas. Vai ser bastante trabalhoso. E o sucesso disso vai se dar numa boa articulação de todas essas ferramentas. As concessões florestais, por exemplo, que inibem grilagem de terras, nós temos um acumulado hoje de 1 milhão e 300 mil hectares, dez concessões federais. A previsão nossa é de chegar ao final deste primeiro ano em quatro milhões de hectares de florestas públicas não destinadas, encaminhadas para concessão florestal. A gente tem um desafio enorme de usar essas ferramentas para ter um outro olhar para a Amazônia. Estamos falando de um território que representa 50% do nosso país, que já perdeu 20% de vegetação nativa e que, da floresta remanescente, tem 40% de floresta já degradada, então a necessidade do agir e do valorizar a floresta é muito grande.
Falando mais especificamente sobre o comando e controle. Nos últimos dois anos chamou atenção a explosão do desmatamento no Amazonas. O Estado, que costumava ficar na terceira ou quarta posição entre os mais desmatados da Amazônia, saltou pela primeira vez para a segunda posição e observa-se um avanço da motosserra por áreas que eram até então de floresta mais preservada. Essa região deve receber uma atenção especial da fiscalização?
Nós estamos aqui trabalhando com todas as inteligências, cada superintendência estadual olhando para sua região prioritária, mas obviamente nós vamos ter um planejamento norteador a partir de abril que é o próprio PPCDAm. Obviamente que essas novas fronteiras, novas estradas que foram abertas em alguns estados, novas fronteiras de grilagem de terras, unidades de conservação que foram invadidas, tudo isso chama muito a atenção. Esse desmatamento mais recente no Amazonas era algo que não estava no radar nos últimos anos. Os líderes sempre foram Pará e Mato Grosso. Agora a gente percebeu o crescimento do desmatamento e a retomada também em estados em que a coisa já estava um pouco mais controlada, como Rondônia e Acre, onde voltou de maneira muito intensa. No Maranhão nós tivemos índices assustadores de desmatamento tanto em áreas de Amazônia quanto em área de Cerrado. Então vamos ter que ter um olhar bastante amplo para a Amazônia. Nossas equipes estão trabalhando justamente nisso, na identificação dos focos, a partir dos alertas de desmatamento que a gente recebe diariamente do INPE, para identificar quais são os pontos mais importantes de atacar.
Você citou agora estradas abertas. Um dos vetores dessa explosão recente de desmatamento no Amazonas foi justamente a expectativa de asfaltamento de um trecho da BR-319, que é uma questão política importante para a região. Na gestão Bolsonaro, o Ibama concedeu uma licença prévia para a obra sem condicionantes claras para o controle do desmatamento, ignorando recomendações dos próprios técnicos. Com isso, antes mesmo de começar a obra, o desmatamento começou a subir. Esse licenciamento está no seu radar? Você pensa em rever essa licença-prévia?
Ninguém faz uma obra apenas com a licença prévia. Óbvio que isso é um ponto de alerta para nós. Toda e qualquer estrada, principalmente na Amazônia, tem históricos muito ruins. Em todas elas nós tivemos um desmatamento agindo de forma indireta muito forte ao longo dessas estradas. Então é ponto central. Nós vamos avaliar com muita atenção e carinho, não só essa. Nós temos estados fazendo licenciamento de estradas estaduais. Então isso também causa bastante preocupação para nós. Mas a gente vai estar olhando com muita atenção.
Isso poderá ser revisto, então?
Não existe nenhuma decisão tomada em relação a 319 ou qualquer outro projeto de infraestrutura. O que a gente tem é análise técnica dos nossos servidores do Ibama. Eu confio muito na capacidade técnica deles. Agora obviamente tem que ter um outro olhar. E esse eu acho que é um olhar de governo. Nós vamos ter que ter muita cautela no licenciamento de qualquer obra de infraestrutura porque pode colocar a perder todo trabalho que começa a ser feito agora de controle de desmatamento. Eu não estou fazendo nenhum juízo de valor, mas obviamente que a gente vai dar muita atenção a tudo isso, a cada uma dessas obras de infraestrutura. Tem medidas mitigadoras importantes que podem ser tomadas para evitar o desmatamento, mas nem sempre elas conseguem um sucesso na sua implementação.
Outro licenciamento que deve causar barulho é em relação à exploração de petróleo na Foz do Amazonas. Discutiu-se no governo passado a licença sem realizar previamente uma avaliação ambiental da área sedimentar. Está em fase final o licenciamento do bloco 59 da Petrobras. Você já tem uma posição sobre isso?
A gente tem se reunido com a equipe técnica sobre esse assunto. Esse é o assunto da mais alta relevância, a ministra Marina Silva está bastante preocupada com isso. Não tem nenhuma licença emitida em relação a isso por parte do Ibama. O Ibama está acompanhando uma série de situações naquela região. No licenciamento anterior, o Ibama negou a licença para essa atividade. É uma região onde a gente tem a foz do Rio Amazonas, que é o maior rio do mundo, é a maior bacia hidrográfica do mundo. Então tem uma brutalidade do ponto de vista da força desse rio e obviamente é uma região com bastante atenção por parte dos técnicos do Ibama. A Petrobras está trabalhando para realizar nas próximas semanas um simulado de um possível acidente na região. Algumas licenças que a Petrobras precisava do ponto de vista estadual, o estado do Pará já concedeu, mas nós não temos nenhuma licença emitida por parte do Ibama. O Ibama está analisando toda a documentação antes de tomar qualquer medida em relação a isso. O que eu posso dizer é que nós estamos trabalhando do ponto de vista de, de fato, implementar o princípio da precaução nesta região. Não tem nenhuma decisão tomada pelo Ibama, e a decisão que será tomada será uma decisão técnica baseada nos documentos, nos estudos ambientais, nos laudos, na capacidade de resposta num eventual acidente, na viabilidade ou não ambiental desse tipo de exploração. Mas é um tema também bastante sensível para o Ibama.
À frente do Ibama, boa parte das questões sobre as quais você terá de arbitrar serão de temas sensíveis. Esta é uma briga com a Petrobras, mas o próprio presidente Lula, no passado, mostrou apreço pelo petróleo, pelo pré-sal. No seu período na Câmara, você sempre foi visto como uma pessoa muito conciliadora, às vezes até conciliadora demais. Esse perfil deve vigorar agora?
Aqui no Ibama as análises são técnicas. Eu posso ter as minhas paixões. A minha paixão pelo meio ambiente é o que me move, mas as análises são técnicas. Agora o que a gente precisa é ter muita clareza sobre o projeto de país que a gente quer e essa não é uma decisão do Ibama. É uma decisão de governo, é uma decisão que precisa ser muito equilibrada. A gente está vendo as declarações do presidente, da ministra. Nunca um governo falou tanto de sustentabilidade como a gente está tendo agora. É uma oportunidade. O Brasil pode ser um grande líder no mundo na energia limpa, na energia renovável, na busca por outros caminhos. Eu estou muito confiante nisso. Eu acredito que o futuro do país está nisso. E a continuidade da nossa existência neste mundo depende disso. As mudanças climáticas estão aí para lembrar a gente o tempo todo de que ou a gente faz uma reconciliação com a natureza ou as consequências serão bastante desastrosas. O Ibama tem um corpo técnico para licenciar as atividades, e eu confio muito na capacidade de decisão desse curso técnico. Nós vamos trabalhar para analisar com muita atenção e carinho todo e qualquer atividade, obra, empreendimento que possa sim trazer consequências danosas ao meio ambiente.
De fato, o presidente Lula colocou a questão ambiental como uma de suas prioridades. Mas todos os governos PTs foram conhecidos por projetos desenvolvimentistas que nem sempre se conciliaram bem com a questão ambiental. O caso mais gritante é o da usina de Belo Monte. Você falou em projeto de país. Você acha que essa é uma questão equacionada agora no Lula 3? Você como presidente do Ibama estará em vários momentos exatamente no meio de planos de desenvolvimento, de criação de infraestrutura, e os riscos ambientais. O que espera?
Olha eu acredito muito na capacidade de diálogo, na capacidade de liderança da ministra Marina Silva. Eu acredito muito na capacidade da gente propor soluções sustentáveis para esse país. Acho que os momentos são outros, obviamente que tem coisas não resolvidas. A usina de Belo Monte tem inúmeros problemas ambientais decorrentes da sua atividade que até hoje não foram endereçados. Mas obviamente nós estamos num outro governo. É um novo governo, com outros ministros e a nossa prioridade é por fim ao desmatamento ilegal, a nossa prioridade é estabelecer critérios, parâmetros, princípios mínimos de sustentabilidade que vão nortear nossas atividades. Isso não quer dizer que atividades causadoras de danos ambientais não acontecerão. Estradas e ferrovias serão abertas, portos e aeroportos serão construídos, mas o licenciamento ambiental está justamente para botar um equilíbrio nessa história. Esse é um ponto importante. O licenciamento ambiental tem um fim. Não é um fim cartorário. É um fim amparado na legislação: num primeiro momento ele avalia a viabilidade ambiental e social de uma determinada atividade, empreendimento, num segundo momento propõe alternativas do ponto de vista de compensação, de mitigação, de prevenção, de precaução e, obviamente, a gente vai trabalhar na busca das melhores soluções. Eu confio muito nesse momento que a gente está vivendo e acredito que a gente será muito bem sucedido nas nossas escolhas e decisões.