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Não precisa nem olhar para cima, como sugere o filme em que os cientistas tentam romper a barreira do negacionismo diante de uma ameaça premente ao planeta. Temperaturas altas e eventos climáticos extremos em intervalos cada vez mais curtos já convenceram boa parte do globo de que a vida vai piorar a cada ano se a gente não se mexer agora.
O que implica uma mudança radical também no jornalismo. Redações do mundo todo debatem como fazer uma cobertura de clima com impacto social em um momento em que não se discute mais se as mudanças no clima provocadas pelos homens são reais – um debate superado pela ciência e governos responsáveis, apesar dos negacionistas de plantão –, mas o que fazer para mitigar o aquecimento global e se adaptar à emergência climática em curso.
“Nossa cobertura tem que ser sobre como estamos agindo em relação a isso, não sobre se ação é necessária”, resume o manual de redação para cobertura do clima da Norwegian Broadcasting Corporation (NRK), uma das organizações de mídia que, depois de pesquisas com o público e muita discussão interna, decidiu reformular toda a sua cobertura de clima.
O problema que a mídia norueguesa enfrentava, quando em 2020 decidiu repensar a cobertura, é semelhante ao que ocorre em diversos países, inclusive no Brasil. Embora a maioria das pessoas não mais questione a concretude da ameaça, até pelos efeitos que percebem em suas vidas, e se declare preocupada com as mudanças climáticas, as reportagens e artigos especializados no tema não geravam impacto quando publicados. Sequer estavam entre as histórias mais lidas da NRK, apesar da competência de seus jornalistas de clima.
Os resultados dessa reflexão, que levou a uma nova estratégia na cobertura do tema, apareceram já no ano passado: as reportagens produzidas pelas equipes de clima ultrapassaram a média de acesso de conteúdo no site da NRK em 11 dos 12 meses do ano.
E que mudanças foram essas?
Hans Cosson-Eide, editor-chefe de clima e tecnologia da NRK, e Astrid Rommetveit, editora de investigações sobre clima, compartilharam alguns pontos dessa estratégia em uma conversa na Oxford Climate Journalism Network, parcialmente reproduzida na newsletter da NiemanLab, que me trouxe essas informações.
A primeira mudança foi reconhecer que as pessoas estavam mais interessadas em saber se seus governos, empresas, imprensa e instituições estavam agindo na direção correta e de maneira efetiva do que em novas evidências de que as mudanças climáticas são uma realidade, como anota o já citado manual de redação.
Mais do que isso: essa crise atravessa ou deveria atravessar todo o noticiário – da economia à cultura, da política à saúde, educação, segurança.
Em outras palavras, era preciso retirar o clima do confinamento de uma editoria específica sobre o assunto e torná-lo uma preocupação de editores e repórteres que cobrem todos os temas. Só uma estratégia multifatorial pode, ao menos, adiar o fim do mundo. O que vale também para o jornalismo.
A equipe investigativa de clima da NRK continuou a trabalhar a todo vapor, mas ganhou o reforço do conjunto da redação para trazer histórias que aprofundam a compreensão das causas políticas, sociais, culturais e econômicas da atual crise, identificam responsáveis, conectam decisões e apontam para as soluções. De preferência com reportagens em campo e personagens interessantes e debates com os quais o público se identifique.
Inspiradas na mesma preocupação de nossos colegas do Norte e cientes de nosso papel como jornalistas do Sul Global, onde expressões como justiça climática e racismo ambiental são indissociáveis do debate, a Agência Pública vem adotando uma estratégia de cobertura igualmente transversal, ao mesmo tempo que fortalece sua equipe especializada em clima e o time investigativo de conflitos socioambientais na Amazônia e no Cerrado, coordenado por Thiago Domenici, diretor da sucursal de Brasília.
São exemplos disso a nossa cobertura das eleições municipais, que já comentei em outra newsletter, em que analisamos políticas públicas, problemas sociais e ambientais e investigamos candidatos através das lentes do clima. Também nessa chave está o Programa de Formação de Repórteres Indígenas, que desenvolvemos há dois anos, para impulsionar a autonomia indígena na cobertura de pautas que partem da realidade desses povos, guardiões de boa parte dos biomas brasileiros, em especial da Amazônia. Além das newsletters do repórter investigativo Rubens Valente, de Brasília, e Giovana Girardi, jornalista especializada em clima e ciência e chefe da cobertura socioambiental da Pública.
Ontem demos mais um passo em busca de formatos atraentes para o público apesar da aridez e medo que o clima desperta. Está no ar o “Bom dia, fim do mundo”, o novo videocast da Pública que todas as quintas-feiras traz uma conversa bem-humorada e informada sobre um assunto importante da semana visto em conexão com o clima. A direção é de Sofia Amaral e, na bancada, estamos a jornalista Giovana Girardi, o escritor e podcaster Ricardo Terto e a redatora desta news. A pitada indispensável de esperança e juventude vem ao final do programa, com o quadro “Luz no fim do túnel”, em que o estagiário Gabriel Gama, o nosso “anjo”, mostra um bom exemplo de ação contra as mudanças climáticas.
Não há como combater a catástrofe sem olhar de frente para ela. De preferência de mãos dadas para que os afetos nos fortaleçam. Ou, como diz Terto na apresentação do programa: “Agora toda semana você poderá continuar em posição fetal, mas pelo menos entendendo um pouco melhor o que está acontecendo no mundo. Ou não entendendo também, mas pelo menos a gente não vai entender o mundo juntos”.
Bom dia, fim do mundo, gente! O jornalismo da Pública está com você 🙂