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O saldo anticlimático das eleições e o respiro da bancada do clima

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DÉLIO ANDRADE
DÉLIO ANDRADEhttp://delioandrade.com.br
Jornalista, sob o Registro número 0012243/DF

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No ano em que a emergência climática se instalou de forma estrondosa no Brasil, das trágicas enchentes no Rio Grande do Sul ao fogo sem tréguas na maior parte do país, o impacto da crise parece não ter se refletido nas urnas. Políticos pouco afeitos a lidar com o problema passaram ilesos – já eleitos no primeiro turno ou ainda em disputa no segundo.

Apesar de as pesquisas em geral mostrarem o brasileiro preocupado com a mudança do clima, isso ainda não se transferiu para as prioridades do eleitor. Ou, ao menos, talvez ele ainda não tenha relacionado o problema – e a solução para ele – ao papel dos prefeitos. 

Um pequeno alento foi ver candidatos que se alinharam às iniciativas “Bancada do Clima” e “Vote pelo Clima” sendo eleitos em vários cantos do Brasil, ainda que em uma proporção ínfima considerando a quantidade de cargos que estavam em disputa. 

O caso mais óbvio de descompasso entre o cenário de emergência imposto pela mudança do clima e as reações do eleitorado foi a quase reeleição em primeiro turno do prefeito de Porto Alegre, Sebastião Melo (MDB), que estava no comando da cidade durante as enchentes de maio. 

Se obviamente não foi dele a culpa das chuvas intensas, a tragédia expôs falhas no sistema de proteção contra enchentes e revelou como a capital, mas também as demais cidades gaúchas, estava despreparada para os riscos do aquecimento global. Ainda hoje, cinco meses depois da tragédia que deixou 180 mortos e mais de 2 milhões de atingidos, famílias que perderam tudo continuam sem moradia, como mostra reportagem da Agência Pública. Os planos de habitação são pouco claros e não há cronogramas bem definidos para entregas.

Mas cobranças nesse sentido ou pressões para deixar Porto Alegre mais resiliente a eventuais novas chuvas intensas – apesar de terem aparecido durante a corrida eleitoral e terem feito com que a maior parte dos candidatos abordasse a temática em seus planos de governo – não foram o assunto que mobilizou as urnas. 

Outros casos que chamam atenção são de capitais da Amazônia que ficaram cobertas pela fumaça nos últimos meses, registrando os piores níveis de qualidade do ar, e já elegeram ou encaminharam para o segundo turno candidatos que pouca ou nenhuma atenção dão para a crise do clima. 

Tião Bocalom (PL), reeleito em primeiro turno para continuar comandando Rio Branco (AC), até afirma genericamente em seu plano de governo que a sustentabilidade ambiental é “extremamente importante”, como mostramos em outra reportagem da Pública, mas desde que sem “regulamentações excessivas”. E que permita “que o mercado funcione livremente, com foco em soluções baseadas na eficiência e na responsabilidade corporativa”. Sobre as queimadas, disse que a fumaça que atinge o Acre é “importada” de outros estados.

Já Arthur Henrique (MDB), reeleito no primeiro turno em Boa Vista (RR), nem sequer falou sobre queimadas ou sobre a seca que atinge a cidade. O rio Branco, que atravessa a cidade, está em níveis baixíssimos, o que afeta o abastecimento de água e levou a prefeitura a decretar situação de emergência. 

Em Manaus, o único candidato que trazia um plano para lidar com a questão climática ficou de fora do segundo turno. O deputado federal Amom Mandel (Cidadania), porém, anunciou apoio a Alberto Neto (PL), com o compromisso de que ele adote suas propostas ambientais.

Em Porto Velho (RO), o embate também seguiu para o segundo turno. O estado é um dos mais afetados pelas queimadas, por desmatamento, a capital teve dias consecutivos com péssima qualidade do ar. Mas lá, como definiu o cientista político João Paulo Viana, da Unir Universidade Federal de Rondônia (Unir)) e pesquisador no Laboratório de Estudos Geopolíticos da Amazônia Legal (Legal), em entrevista ao site Nexo, é como se o meio ambiente fosse uma “antipauta” nas eleições. 

“Percebemos em pesquisas com grupos focais o que chamamos de trade-off. É um conflito de escolhas. Ele [o eleitor] fala que o meio ambiente é importante, que não aguenta mais, que crianças e idosos estão passando mal, mas a economia é mais importante. A classe política acaba mantendo o tema afastado porque ele não dá voto”, analisou Viana. 

É uma explicação que poderia ser aplicada em várias outras partes do país e do mundo. Mesmo quem já adotou boas ações climáticas em suas gestões ou tem planos de governo voltados para essa agenda – e há muitos exemplos bacanas pelo país – não levanta o tema como a bandeira principal de suas campanhas. 

Nesse vácuo, resta espaço para quem deliberadamente age no sentido contrário e tampouco é punido. Não faltam no país casos de prefeitos multados por desmatamento e queimadas sendo reeleitos, como revelamos ser o caso em Mato Grosso e Pará. Ou de deputados federais eleitos para novos cargos no último domingo (6), ou que ainda vão concorrer no segundo turno, que abraçam uma agenda antiambientalista e votaram a favor de projetos do chamado “pacote da destruição”.

Há luz no fim do túnel

E onde está a luz do fim do túnel? – como perguntaria meu estagiário Gabriel Gama, que toda semana busca soluções no nosso podcast “Bom dia, fim do mundo”. 

Acho que vale destacar o esforço que ocorreu neste ano das iniciativas Bancada do Clima e Vote pelo Clima de rastrear, indicar e aglutinar candidatos que se comprometem com essa agenda. 

A primeira, que teve o apoio da ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, foi focada na vereança. Lançada com apenas cinco candidatos, evoluiu rapidamente até o primeiro turno chegando a 295. No total, 57 foram eleitos, em 42 cidades. É o caso de Marina Bragante (Rede) e Renata Falzoni (PSB), em São Paulo. E Tainá de Paula (PT) e Tatiana Roque (PSB), no Rio.

Já a Vote pelo Clima mobilizou 1.591 candidaturas (à vereança e prefeituras) – 135 foram eleitos (8,48%). O projeto já tinha ocorrido na eleição municipal de 2020. Na ocasião, foram 401 candidaturas e 22 pessoas eleitas (5,48%). Ainda é uma parcela muito pequena, mas já indica um avanço na conscientização sobre a necessidade de enfrentamento das mudanças climáticas e sobre a relação entre clima e política, apontam os organizadores.

Bati um papo com Bragante, primeira vereadora eleita pela Rede na capital paulista e que encabeçou a Bancada pelo Clima. Ela reconhece que o resultado não foi o que eles esperavam, mas diz ver um avanço da preocupação.

“O lançamento da bancada foi um momento em que a gente entendeu que tinha uma oportunidade de ampliar a conscientização, tanto da população quanto da classe política, sobre o tema da adaptação, da mitigação e da transformação cultural. Termos crescido em tão pouco tempo demonstra que isso está presente, ainda que bem distante da proporção que a gente entende que é importante”, diz.

Para ela, há uma compreensão de parte da sociedade sobre os impactos da emergência climática e a relevância do poder público das cidades para buscar soluções para o problema, ainda que não na proporção que seria necessária. 

“A gente precisa de mais gente eleita, mais comprometimento, não só nas câmaras, mas também nas prefeituras, porque a adaptação climática e a transformação cultural são urgentes”, complementa. “E as cidades são absolutamente relevantes nesse processo, principalmente porque é onde a maioria das pessoas vive.”

Sobre o fato de a Bancada do Clima não ser exatamente uma “bancada”, mas vereadores salpicados pelo país, Bragante afirmou que ainda assim há o plano de serem planejadas ações conjuntas, que possam agilizar processos legislativos, por exemplo. “Um projeto de lei proposto em São Paulo pode ser compartilhado com alguém que está em Porto Alegre, depois com alguém que está em Aracaju”, diz. 

Ela explica que a ideia é aproveitar as curvas de aprendizagem de cada município para ajudar no avanço de outros. “Se a gente começa a ver resultados em alguns municípios, os outros vão aderindo.” 

Não vai, porém, ser uma tarefa fácil, como ela indica no próprio diagnóstico que faz da cidade de São Paulo. “Quando a cidade estrela no ranking de pior qualidade do ar do mundo, mas nem a prefeitura nem a Câmara saem para falar com a população, explicar, pensar ações e soluções, isso, para mim, fica claro que esse não é um tema que está no radar.”

Claramente não está.

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