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O triste fim do Lobo da Colina

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DÉLIO ANDRADE
DÉLIO ANDRADEhttp://delioandrade.com.br
Jornalista, sob o Registro número 0012243/DF

Bons tempos aqueles em que o estádio do Cave era a principal atração da cidade nas manhãs de domingo, quando o Clube de Regatas Guará mandava seus jogos em casa. Como não havia ainda a Internet e nem os canais de TV a cabo para transmitir jogos dos campeonatos europeus, assistir aos jogos do Lobo da Colina era a diversão de quem gostava de futebol e tinha a oportunidade de rever os amigos. Era uma festa que reunia pais e filhos, homens e mulheres, vestidos com camisas com as cores preta-amarela-branca e se divertiam gritando “lôôôbôôô…”, enquanto bebericavam uma cervejinha e degustavam os churrasquinhos dos vendedores ambulantes que se postavam na parte de cima das arquibancadas, ao lado da tribuna. No intervalo, a diversão era acompanhar o “locutor oficial” do estádio, Heleno Carvalho, sortear rapadura, queijo e outros brindes oferecidos pelos feirantes da Feira do Guará ou camisas do próprio time. Ou bicicletas às crianças, como estratégia de marketing para atrair os pais para o estádio e formar uma nova geração de torcedores.
Pode se dizer que o Clube de Regatas Guará revolucionou a forma de aproximar a torcida do incipiente e semi-amador futebol brasiliense, numa época em que a maioria dos times locais tinha donos endinheirados que pouco se importava com a presença de torcedores ou de formar uma torcida própria. Ter um time de futebol naquela época em Brasília para esses mecenas era satisfazer seu próprio ego ou “lavar” parte do dinheiro que ganhavam facilmente. E os donos que não tinham esse dinheiro para bancar, ficavam devendo jogadores por meses ou pagavam misérias a quem se dispunha a jogar mesmo recebendo pouco, quando recebiam.
Torcida mesmo só quem tinham era Gama, Guará e Ceilândia – ainda não existia o Brasiliense. A média de público nas manhãs de domingo no Cave era de 1,5 mil a 3 mil pessoas, considerado grande para a época e para o futebol brasiliense, que chegava a ter jogos com até menos de 100 torcedores.

Reforço com craques conhecidos

Dois fatores alimentavam essa paixão pelo Lobo da Colina: a localização estratégica do Estádio do Cave, ao lado da Feira do Guará, para onde as esposas iam enquanto maridos e filhos assistiam aos jogos, e a preocupação dos dirigentes em reforçar o time com jogadores conhecidos do futebol brasileiro, mesmo que em fim de carreira. Para quem não sabe, ou não acompanhou, a camisa do Guará já foi vestida por Beijoca (ex-Bahia e Flamengo), Ailton Lira (ex-Santos, São Paulo e Seleção Brasileira), Dema (ex-Santos e Seleção Brasileira), Mauro (ex-Corinthians e Seleção Brasileira), Ataliba (ex-Corinthians) entre 1989 e 93, e depois por Josimar (ex-Botafogo e Seleção Brasileira), Nunes (ex-Flamengo e Fluminense), Lela (ex-Coritiba, São Paulo e Fluminense) entre 1993 e 95, e Eder Aleixo (ex-Atlético, Cruzeiro, Grêmio, Palmeiras e Seleção Brasileira), e Lúcio (ex-Internacional, São Paulo e Bayer Leverkusen (Alemanha) e Seleção Brasileira), em 1996, quando o clube ganhou seu primeiro e único campeonato brasiliense. E ainda teve técnicos como Djalma Santos, bicampeão mundial, e Brito, tricampeão mundial pela Seleção Brasileira.

Começo do fim há 10 anos

Mas essa trajetória de alegria – mesmo com poucas conquistas – viria acabar em 2016, quando o clube foi definitivamente desfiliado pela Federação Brasiliense de Futebol por falta de atividades – estava licenciado desde 2013 depois de uma malfadada ingerência política por parte de um grupo ligado a um determinado partido, e de fracassadas terceirizações a aventureiros que levaram o clube a ser desclassificado para a até então terceira divisão do futebol brasiliense. Foi a pá de cal que faltava.
Enquanto esteve vivo como o mais antigo clube de futebol profissional do Distrito Federal – foi fundado em 1957, antes mesmo da própria cidade – o Clube de Regatas Guará era considerado um dos “grandes” do futebol brasiliense, junto com Brasília, Tiradentes, Taguatinga e Gama. Antes de ser campeão em 1996, na decisão contra o Gama, o bicho papão da época, o Guará foi quatro vezes vice-campeão entre 1990 e 1995, além de ficar sempre entre os primeiros nos anos anteriores. Chegou a participar da terceira divisão do Campeonato Brasileiro por duas vezes e disputar uma única partida pela Copa do Brasil, quando perdeu por 7 a 0 do Internacional no Mané Garrincha, quando a comissão técnica do colorado conseguiu vislumbrar na defesa guaraense o zagueiro Lucimar, que viria a ser transformado em Lúcio, o mesmo capitão da seleção brasileira da Copa do Mundo de 2010, quando já jogava pelo Bayer Leverkusen. Daí pra frente foi só ladeira abaixo.
Controlado pelo presidente do Conselho Deliberativo, Márcio Antonio da Silva, o Marcinho, que defendia os interesses de um grupo que também controlava o PMDB do DF, o Clube de Regatas Guará foi sendo sufocado por dívidas trabalhistas e fiscais, enquanto perdia seu patrimônio constituído pelo terreno de mais de 200 mil metros quadrados onde é hoje a Vila Cauhy, no Núcleo Bandeirante, vendido ao investidor Sérgio Naya, e o repasse do direito do Clube de Vizinhança do Guará I ao Sesc. Do patrimônio, nem a filiação do clube existe mais. Em suma: o Clube de Regatas Guará morreu e está enterrado.
Para os saudosistas torcedores do Lobo da Colina, que ainda sonham com a possibilidade da volta do time aos gramados, a verdade nua e crua é que ela não existe mais. A única possibilidade que existe é a criação de um outro clube que leve o nome da cidade, com as mesmas cores e por tabela atraia a antiga torcida do lobo. Mas essa possibilidade passa necessariamente pela concessão do estádio do Cave, que está enrolada há mais de dez anos e que já foi objeto de reportagem do Jornal do Guará na edição 1200, de 12 a 18 de julho.

 

Estádio, só ruinas

A decadência e o fim do Clube de Regatas Guará foram seguidos da malfadada tentativa de construção de uma moderna arena no lugar do velho estádio e depois da arrastada concessão do Complexo de Esporte e Lazer do Cave. A derrocada começou no Governo Agnelo Queiroz, que na onda megalomaníaca de construir um estádio acima das necessidades de Brasília, inventou de criar um apêndice no Guará, para eventos para menos de 10 mil pessoas que ficariam boiando no imenso estádio Mané Garrincha, que tem capacidade para 70 mil pessoas. Pelo projeto, o estádio do Cave, o mais próximo do Mané, seria reformado e transformado numa arena multiuso, para abrigar, além de eventos culturais e de lazer, o futebol profissional. E o governo local até conseguiu um generoso recurso de R$ 8 milhões, que, somado a R$ 3 milhões da contrapartida do GDF, seria suficiente para refazer o velho e ultrapassado estádio do Cave..
A reforma do estádio até foi licitada e começou a ser feita, mas somente até a empreiteira que ganhou a licitação descobrir que haviam erros de cálculos dos custos e de estudos geológicos do terreno. Como não conseguiu convencer a Novacap a aumentar o orçamento ou oferecer um termo aditivo que tornasse a obra economicamente viável, a empreiteira desistiu de continuar e abandonou a reforma.
Já no Governo Rollembeg, que veio depois, surgiu a ideia de conceder todo o espaço do Cave à iniciativa privada, que ficaria responsável pela reformulação e modernização, em troca da exploração do que viesse a construir. A decisão, louvável, veio com a constatação de que não havia recursos suficientes para a reforma do complexo, ou que haviam outras prioridades de investimentos, e, principalmente, que não havia expertise e estrutura suficiente na Administração Regional do Guará para administrar o espaço depois de reformado.
Mas, após pressão do segmento cultural do Guará pela retirada do Teatro de Arena do projeto, a concessão continua parada entre as secretarias de Projetos Especiais, de Cultura e Lazer e o Tribunal de Contas do DF, sem previsão de ser resolvida e colocada em prática.
Enquanto isso, a cidade continua sem time e sem estádio.

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