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Pacto pela transformação ecológica une os 3 poderes, mas falta combinar com os russos

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DÉLIO ANDRADE
DÉLIO ANDRADEhttp://delioandrade.com.br
Jornalista, sob o Registro número 0012243/DF

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Em uma cerimônia cheia de pompas, lotada de autoridades, os presidentes da República, Luiz Inácio Lula da Silva, do Senado, Rodrigo Pacheco, da Câmara, Arthur Lira, e do Supremo Tribunal Federal, Luís Roberto Barroso, assinaram nesta quarta-feira, 21, um pacto. Não me refiro ao acordo das emendas parlamentares, que está em todos os noticiários nos últimos dias. Falo do “Pacto pela Transformação Ecológica”.

O acordo foi apresentado como um pacto entre os três poderes, que “se unem em torno da agenda ambiental e climática para definir um novo rumo de desenvolvimento para o país”, reforçando o “papel do Brasil como líder global na temática ambiental”, além de demonstrar “o reconhecimento da necessidade de uma ação coordenada entre os três Poderes para enfrentar os desafios climáticos”.

Os compromissos assumidos envolvem, da parte do Executivo, “ampliar o financiamento e reduzir o custo do crédito para setores, projetos e práticas sustentáveis”. Da parte do Legislativo, “priorizar projetos de lei relacionados aos temas do pacto, como a aprovação do marco legal do mercado de carbono, da produção de energia eólica no mar e dos biocombustíveis”. E, da parte do Judiciário, “adotar medidas para agilizar demandas judiciais que envolvam a temática ambiental, fundiária e climática, inclusive com a definição de metas e protocolos do Conselho Nacional de Justiça”. 

Os três poderes ainda se comprometem a “integrar bancos de dados imobiliários, ambientais, cadastrais e fiscais, com dados georreferenciados, para garantir segurança jurídica sobre a titularidade das terras públicas e privadas no país e destravar investimentos”; e, também, a “adotar medidas de gestão para reduzir os impactos diretos de suas atividades sobre o meio ambiente, como licitações sustentáveis, redução de demanda por recursos naturais, eficiência energética e destinação adequada de resíduos”.

Tudo muito bonito, cheio de frases inspiradoras.

Essa necessária ação conjunta foi reforçada, logo no início da cerimônia, pela ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva. Segundo ela, o pacto “consolida o consenso político e institucional sobre a necessidade dessa transformação e estabelece um marco de cooperação e coordenação na direção de um novo ciclo de prosperidade”. 

A ministra destacou que a “transformação ecológica é uma mudança nos paradigmas econômicos, tecnológicos e culturais em prol do desenvolvimento a partir de relações saudáveis com a natureza e seus biomas e os povos indígenas e comunidades tradicionais” e que se trata de uma “nova forma de pensar e executar políticas de desenvolvimento”.

Marina falar na necessidade de cooperação e coordenação e de uma nova forma de desenvolvimento soa quase trivial. Ela já deve ter dito variações dessa frase uma centena de vezes desde o início do terceiro mandato de Lula. O governo traz a questão climática como tema transversal desde o dia 1, mas praticamente quase desde o dia 1 o jogo de forças antagônicas também se estabeleceu. Contradições internas não têm exatamente facilitado que essa transversalidade se concretize em sua plenitude.

Se não é trivial colocar todo mundo do governo no mesmo barco, mais difícil ainda tem sido coordenar as estratégias com o Congresso. 

Em suas falas, Lira e Pacheco disseram, sim, que estão de corpo inteiro nesse barco. Fizeram coro à unidade dos poderes e destacaram que o Parlamento já vem agindo em acordo com o que o pacto prevê. 

“O pacto pode ser visto como a manifestação de uma visão estratégica essencial para uma resposta eficaz aos graves e urgentes problemas que a humanidade tem diante de si”, disse o presidente da Câmara.

“Estamos erigindo o alicerce de nossos patamares de preservação ambiental. Tenho convicção que o desenvolvimento sustentável passa por um equilíbrio democrático harmônico e colaborativo entre os poderes institucionais”, emendou o líder do Senado.

Segundo Lira, a Câmara “vem dando prioridade à apreciação de proposições voltadas a promover a transição energética e a defesa do meio ambiente”. Ele listou projetos como o Programa Nacional de Bioquerosene, o Marco Legal da Microgeração e Minigeração Distribuída, a Emenda Constitucional sobre o aumento de competitividade dos biocombustíveis e o recente Programa de Mobilidade Verde e Inovação do Programa Mover. “São, em conjunto, aquilo que tenho chamado de pauta verde do Legislativo”, disse.

Pacheco afirmou que, “com definições transparentes e necessárias, o pacto fortalece a posição do Brasil como líder na segurança ambiental, climática e alimentar. Apontando que o desenvolvimento sustentável é a única maneira de garantir a prosperidade e o bem-estar das gerações presentes e futuras”.

Nenhuma palavra dos dois, no entanto, sobre como vão se posicionar em relação a um conjunto de projetos apelidado por organizações da sociedade civil como “pacote da destruição”. Projetos de lei que fragilizam, por exemplo, legislações ambientais como o Código Florestal e outras normas de proteção da vegetação nativa. 

São mudanças que, se implementadas, podem levar a mais desmatamento, o principal vetor no Brasil dos gases de efeito estufa que provocam o aquecimento global – um dos motivos para a existência do pacto.

Nenhuma menção dos dois, tampouco, ao processo que eles aceleraram no ano passado para aprovar um projeto de lei que criou um marco temporal para a demarcação de terras indígenas, o que também pode levar a um aumento do desmatamento. É mais do que sabido, por diversos estudos, que as terras indígenas ainda são o maior instrumento de preservação da floresta e, portanto, de barreira contra as mudanças climáticas.

“Iniciativas de diálogo institucional podem ser muito positivas, desde que não representem um salvo-conduto para o avanço de pautas destrutivas para o meio ambiente ou para quaisquer outros direitos e garantias fundamentais”, me disse Suely Araújo, coordenadora de políticas públicas do Observatório do Clima.

Ela aponta que o Pacto pela Transformação Ecológica “tende a ficar no nível do discurso se o Congresso continuar a pautar retrocessos na legislação ambiental ou a incluir jabutis fósseis em projetos importantes, como a futura lei que regulará as eólicas offshore”.

Araújo se refere à inclusão na lei de pontos que não têm nada a ver com as eólicas, como a contratação compulsória de térmicas a gás inflexíveis com preços aumentados e a manutenção de térmicas a carvão, além da postergação do prazo para usinas de fontes renováveis entrarem em operação com subsídio. 

Há que se ponderar também sobre o comprometimento do STF com a causa. Em sua manifestação, Barroso disse que as mudanças climáticas já não são mais um problema das futuras gerações e que não se trata de um problema teórico. Segundo ele, cabe ao Judiciário reconhecer que a proteção ambiental é uma questão de direitos humanos. 

E afirmou: “Muitas vezes há uma certa omissão da atuação governamental, da atuação do Estado em muitas partes do mundo e o Judiciário precisa saná-la. Mas há, sobretudo, uma grande causa, é a de que só o Judiciário tem o papel de proteger as minorias e as gerações que ainda não nasceram”.

Araújo lembra que, se durante o governo Bolsonaro o STF de fato atuou como um guardião de direitos socioambientais, mais recentemente tem viabilizado a flexibilização dos direitos indígenas. 

Ela se refere ao debate em curso em torno do marco temporal. A corte considerou, em setembro do ano passado, a matéria inconstitucional, mas bastou uma semana para o Congresso aprovar uma lei dizendo que, sim, o marco deve ser seguido, o que voltou a enroscar o caso.

Selecionado para julgar as ações diretas de inconstitucionalidade que se seguiram, o ministro Gilmar Mendes inventou que seria o caso de promover uma “conciliação” entre indígenas e o agronegócio – o principal interessado no estabelecimento do marco. Segundo meu colega Rubens Valente, a conciliação começou “com o ruralismo ocupando espaço por indicações de Lira e Pacheco”.

Lula encerrou o evento dizendo que “a união dos três poderes em torno de uma proposta comum é o testemunho da força e da maturidade da nossa democracia”.  Disse também que “o pacto sinaliza que o desenvolvimento que buscamos não é apenas uma política de governo, mas uma política de Estado, perene e inclusiva”.

Araújo cobrou coerência dele: “Os avanços inegáveis nas ações de controle do desmatamento na Amazônia e na reconstrução da governança ambiental não podem conviver com opções equivocadas de intensificação da produção de combustíveis fósseis no país”.

A transição ecológica não vai se realizar só com discurso. É preciso combinar com os russos.

Como eu tinha contado aqui na semana passada, estreou hoje o novo podcast e primeiro videocast da Pública, o Bom Dia, Fim do Mundo, que toda semana vai trazer análises sobre como assuntos da política, da economia e da geopolítica internacional se relacionam com a crise climática.

No episódio de lançamento, fazemos uma conexão entre Silvio Santos, Delfim Netto e a indígena Tuíre Kayapó. 

Marina Amaral, que é uma das fundadoras da Pública, Ricardo Terto, nosso produtor de podcasts, e eu analisamos como as três personalidades, que morreram no intervalo de uma semana, tiveram suas vidas cruzadas pelo projeto de ocupação da Amazônia, que começou na ditadura militar. Você pode ver a gente no YouTube da Agência Pública ou nos ouvir no seu tocador de áudios favorito. Só procurar por Bom Dia, Fim do Mundo.

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