Ex-subsecretária de Segurança Pública do Distrito Federal, a delegada Marília Ferreira Alencar, da Polícia Federal (PF), foi denunciada pela Procuradoria-Geral da República (PGR) por participar de uma organização criminosa para manter o ex-presidente Jair Bolsonaro no poder.
Antes de alçar à alta cúpula da SSP no DF, Marília era diretora de Inteligência do Ministério da Justiça durante a gestão de Anderson Torres e, em 2022, foi uma das responsáveis por articular a organização de blitze pelo país para evitar que eleitores do então candidato Lula da Silva (PT) conseguissem votar no segundo turno. As informações constam em denúncia da PGR apresentada nesta semana.
Passo a passo após denúncia da PGR
- A denúncia foi apresentada pela PGR no âmbito da investigação relatada pelo ministro Alexandre de Moraes;
- O relator deu prazo de 15 dias para os advogados dos denunciados apresentarem defesa prévia e eventuais contestações;
- Se houver contestações a trechos da denúncia, o relator abre vista à PGR responder os questionamentos;
- A PGR tem o prazo de 5 dias para responder as contestações;
- A denúncia volta ao STF, e o relator avalia a acusação e os argumentos da defesa – não há prazo para esta análise;
- Quando o caso está apto a julgamento, o relator libera a denúncia para análise da Primeira Turma, que vai julgar o caso e decidir se transforma os denunciados em réus ou não; e
- Se a denúncia for aceita, é aberta uma ação penal e começa a fase de contraditório, coleta de provas e de depoimentos de testemunhas de defesa e acusação
As investigações apuraram o histórico de conversas do celular de Marília e depoimentos de servidores do Ministério da Justiça. Logo após o primeiro turno de 2022, a delegada solicitou um levantamento com os locais em que Lula teve uma votação expressiva. As planilhas analisadas forneceram dados sobre o número de votos recebidos por candidatos no primeiro turno das eleições presidenciais de 2022 em cada Município do Brasil.
“Essas informações foram essenciais para a criação do painel de Business Intelligence (BI) solicitado por Marília Alencar”, consta na denúncia.
De acordo com a PGR, “as diretrizes manifestamente ilícitas construídas pelos denunciados foram acolhidas por Silvinei Vasques [diretor-geral da Polícia Rodoviária Federal à época], que direcionou os recursos da PRF para o objetivo de inviabilizar ilicitamente que Jair Bolsonaro perdesse o Poder”.
Troca de mensagens
Em conversas com outros denunciados, Marília também demonstrou o interesse em dificultar o acesso dos eleitores lulistas.
“[Em] Belford Roxo (RJ), o prefeito é vermelho. Precisa reforçar PF”, escreveu em um grupo com o nome “Em off”. “Menos 25.000 votos no 9”, acrescentou em seguida.
O grupo reunia o também denunciado Fernando de Souza, à época diretor de operações do Ministério da Justiça e o coordenador de operações Leo Garrido, que apesar de citado não foi denunciado neste momento pela PGR.
Em 16 de outubro de 2022 – 15 dias antes do segundo turno – Garrido anunciou no grupo que finalizou os planos para a Bahia, Ceará e Pernambuco. Estados nordestinos que concentravam municípios com votos majoritários no então candidato do PT.
Em mais de uma situação, mensagens foram trocadas demonstrando o interesse em intervir nas eleições, conforme consta em denúncia da PGR.
“Está claro o desvio de finalidade das ações policiais do grupo, orientadas ao propósito comum dos integrantes da organização criminosa de impedir, também mediante o emprego de atitudes de força, que o candidato agora denunciado fosse afastado do Poder”, informou a PGR.
“Esses e tantos outros diálogos revelam intensa coordenação de estratégias para interferência no pleito. As investigações revelaram, afinal, uma forte rede de comunicações desenvolvida pelos denunciados, com evidências de reuniões e decisões tomadas para garantir, por meio de ações conjuntas, apoiadas na força até policial, a vitória de Jair Bolsonaro. A análise das comunicações confirma o esforço incessante, crescente e coordenado para manipular o processo eleitoral – não somente pelas narrativas infundadas de fraude, mas também pelo empenho de força material impeditiva do acesso de presumidos eleitores do adversário às urnas temidas”, completou.
Ligação com 8 de janeiro
Apesar dos intensos esforços dos denunciados para sabotar que eleitores lulistas votassem, o resultado do pleito não foi favorável a Bolsonaro. A partir disso, as tentativas para manter o ex-capitão do Exército Brasileiro no poder assumiram outra configuração, como o ato antidemocrático de 8 de janeiro, conforme denúncia.
Nessa época, tanto Marília quanto Fernando estavam lotados na Secretaria de Segurança Pública do DF, que tinha como responsabilidade monitorar as ações naquela data. Os dois foram levados pelo ex-secretário da SSP Anderson Torres, que também foi denunciado pela PGR.
Marília era subsecretária de Inteligência e acompanhava as operações em grupo chamado Difusão. Por volta de meio-dia, ela foi informada de que os manifestantes apresentavam sinais de animosidade e discutiam abertamente a intenção de “tomar o poder”.
“Evidenciando o conhecimento prévio dos denunciados de todos os acontecimentos que culminaram na eclosão dos atos de violência”, destacou a denúncia.
No entanto, apenas às 16h50 Marília envia a primeira mensagem no dia dos atos antidemocráticos ao grupo que coordenava as ações de segurança, informando que a Força Nacional estava a caminho.
“Recorde-se que Anderson Gustavo Torres, Fernando de Sousa Oliveira e Marília Ferreira de Alencar já haviam aderido aos planos da organização criminosa desde muito antes, o que ficou evidente no pleito eleitoral de 2022,quando coordenaram a utilização indevida da estrutura da Polícia Rodoviária Federal para obstaculizar o trânsito de eleitores a zonas eleitorais em regiões do Nordeste, onde detectaram votação mais expressiva em Lula da Silva. O objetivo era, como agora, situar Jair Bolsonaro no poder”, apontou a denúncia que destacou a “inércia” da secretaria pública do DF.
“Nesse sentido, a inércia da cúpula da Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal, diante de alertas claros sobre as intenções violentas dos manifestantes, coloca em evidência a continuidade da contribuição dos denunciados ao projeto antidemocrático da organização criminosa”, completou.
Apesar dos atos antidemocráticos de 8 de janeiro de 2023 terem sido citados pela Procuradoria-Geral da República (PGR) na denúncia contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), o foco do documento é a tentativa de golpe de Estado em 2022. Oficiais da Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF) e demais envolvidos nos ataques serão julgados em uma ação separada.
Outro lado
Em nota, a defesa de Marília Alencar declarou absoluta confiança na análise técnica do Supremo Tribunal Federal (STF) acerca da denúncia oferecida pela Procuradoria-Geral da República (PGR).
Segundo a defesa, a delegada tão somente cumpria as atribuições como diretora de Inteligência do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), inclusive determinando a coleta e a análise de dados acerca de possíveis crimes eleitorais, distante, portanto, de qualquer tentativa de intervir no pleito em questão.
“Da mesma maneira, ao exercer a função de subsecretária de Inteligência da Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal (SSP/DF) há apenas três dias, atuou para prevenir os atos de 8 de janeiro de 2023, o que será demonstrado por seus advogados”, completou a nota.