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Quando começamos a planejar nossa cobertura eleitoral na Agência Pública, surgiu uma ideia de tentar mensurar, de alguma maneira, se os candidatos às prefeituras do Brasil são negacionistas do clima. Ou se, mesmo que não neguem necessariamente o problema em si, a conduta que adotam em relação a ele é de negação. Ou, no mínimo, de “não é comigo”.
Afinal, mesmo no ano em que o Brasil foi atingido em cheio pelas mudanças climáticas, indo da destruição pela água à devastação pelo fogo, a gente não tem visto essa crise no foco das campanhas e debates eleitorais.
Daí nossa surpresa quando começaram a chegar as respostas ao Climômetro – o projeto que fizemos em parceria com professores e estudantes de cinco universidades brasileiras para medir a percepção dos candidatos sobre questões climáticas. Enviamos um questionário com cinco perguntas para 127 candidatos de 26 capitais.
Eles tinham de responder, numa escala de 1 a 5 – em que 1 era discordo totalmente e 5 concordo totalmente –, às seguintes perguntas:
Eu acredito que as mudanças climáticas são reais e são provocadas pela ação humana;
Eu acredito que as mudanças climáticas já impactam a população do meu município;
Eu pretendo priorizar ações para combater as mudanças climáticas na minha gestão;
Eu acredito que a população que se preocupa com as mudanças climáticas deva votar em mim;
Eu acredito que a população da minha cidade se preocupa com as mudanças climáticas.
Até esta quarta-feira (25), quando a plataforma entrou no ar, 52 candidatos haviam respondido. E, apesar de 20% deles terem dito que não concordam totalmente que as mudanças climáticas são reais e são provocadas pela ação humana, por incrível que pareça, 94% deles disseram que vão priorizar a pauta climática (concordam totalmente com a pergunta 3).
Como comentei no episódio desta semana do podcast Bom dia, fim do mundo, acho que não dá para comprar esse número exatamente pelo valor de face. Bom demais para ser verdade, né? Antes de mais nada, vale considerar que há muitos motivos para esse tipo de resposta – desde um comprometimento real com o problema até o simples fato de que talvez, no momento atual, pegue mal demais ignorar o que os brasileiros estão passando.
A porcentagem alta bate com os resultados de outras pesquisas nacionais de opinião que foram feitas nos últimos anos. Em geral, todas elas mostram que a população não apenas acredita na mudança do clima como se preocupa com ela. Mas daí a transformar isso em ação – e aqui estou falando tanto do eleitor quanto do político – são outros quinhentos.
Uma resposta dessas sem lastro em termos de cobrança do candidato, por parte do eleitor, ou de um plano de governo, por parte do candidato, não quer dizer muita coisa. Nossos repórteres resolveram, então, ver o que os políticos que responderam ao nosso questionário traziam sobre o clima em seus planos de governo. E aí a gente começa a perceber que a tal prioridade vai virando fumaça. Os documentos não refletem essa visão.
Alguns deles não abordam mudanças climáticas nem trazem nenhuma proposta que converse com isso. Alguns falam superficialmente do problema, mas também sem propostas. Outros trazem propostas, mas sem muito detalhamento. Dos 52, apenas 21 trazem propostas detalhadas sobre mudanças climáticas e abordam o tema diretamente.
Mas, de novo, isso não significa que, se forem eleitos, esses políticos vão tomar essas atitudes. Eleitor brasileiro sabe bem que plano de governo às vezes é uma bela peça de ficção, mas ao menos é algo que a gente pode usar de parâmetro na hora de escolher em quem votar e também serve de instrumento de cobrança depois.
Outras reportagens que a gente fez ao longo dessa cobertura eleitoral mostram que a realidade é bem mais complicada. Porto Alegre, por exemplo, foi devastada pelas chuvas em maio não apenas porque o volume de água que caiu foi gigantesco, mas porque havia falhas no sistema de proteção contra enchentes da capital gaúcha. Ou seja, se a chuva não poderia ter sido evitada, a tragédia, sim.
Isso acabou refletindo na eleição. A maior parte dos candidatos à prefeitura coloca a pauta climática nos seus programas de governo. Mas especialistas ouvidos em reportagem da Pública dizem que há limitações nas propostas apresentadas pelos candidatos. E que há dúvidas se as medidas serão efetivamente implementadas.
Chamo atenção também para o caso de Cuiabá (MT), para onde foram o repórter Caio de Freitas e o fotógrafo João Canizares. A cidade é uma das mais quentes do Brasil. Eles contam que, somente neste mês de agosto, o recorde de temperatura máxima lá foi batido seis vezes.
Na capital de Mato Grosso, lideram as intenções de voto candidatos da direita e da extrema direita, mas nenhum deles “mencionou preocupação com a cidade ser uma das 15 capitais brasileiras sem plano de enfrentamento às mudanças climáticas”, relatam os jornalistas.
A dupla informa que o candidato à frente das pesquisas, o presidente da Assembleia Legislativa de Mato Grosso, Eduardo Botelho (União), até defende o plantio de árvores na capital – medida que, sim, é importante para refrescar as cidades e melhorar a qualidade do ar –, “mas planeja capitalizar com o calor extenuante na cidade”.
A ideia dele é “aproveitar do mote que ‘Cuiabá é a cidade mais quente do Brasil’ com ruas e festivais temáticos com sorveterias, sucos e choperias para atrair parques aquáticos para a cidade e a construção de uma praia artificial com orlas para entretenimento”.
Já escrevi isso em outro momento e repito. O brasileiro tende a achar que calor é legal, é festa, é praia, é piscina… Corpos suados em pura diversão. Claro que é tudo isso. Mas quando estamos falando de um calorzinho normal, né? Não do aquecimento global.
Desculpem ter de dizer isto, mas calor mata. Mata mais até que os desastres por chuvas. E lidar com isso a sério ainda é algo raro nas agendas dos candidatos, como mostramos em outra reportagem.
Não dá para dizer que vai priorizar a crise climática só para sair bem na fita da pesquisa.