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Queimadas em São Paulo: 81% dos focos de calor foram em áreas de plantação e pastagem

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DÉLIO ANDRADE
DÉLIO ANDRADEhttp://delioandrade.com.br
Jornalista, sob o Registro número 0012243/DF

O estado de São Paulo queimou. Tal como vinha acontecendo na Amazônia e Centro-Oeste, o território paulista foi varrido por queimadas na penúltima semana de agosto. A quantidade de focos foi tão grande que estabeleceu um novo recorde: agosto de 2024 se tornou o maior registro histórico de focos ativos de calor no estado desde o início das medições do satélite de referência, em 1998, há quase três décadas.

Análise inédita do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), obtida pela Agência Pública com exclusividade, mostra que a maioria absoluta desses focos aconteceu em áreas de plantação e pastagem. Um foco de calor é detectado pelos satélites do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais quando a temperatura no local passa dos 47°C. A metodologia, segundo o órgão, elimina a maior parte de falsos registros, isto é, os que não têm relação com incêndios.

O levantamento, divulgado hoje, contabilizou os focos de calor entre os dias 22 e 24 de agosto, que foram as datas que tiveram mais registros. Foram 2,6 mil focos apenas nesses três dias. Segundo o estudo, 81,29% deles estavam em áreas de uso agropecuário como as ocupadas pela cana de açúcar e pela pastagem. 

“O que conseguimos identificar é que as queimadas ocorreram de forma concomitante no dia 23, que foi o recorde de focos e bateu os focos da Amazônia inteira no mesmo dia. É difícil afirmar que houve um combinado, mas no mínimo é estranho. Uma anomalia muito grande, quando todos os olhos deveriam estar pra Amazônia”, avalia Ane Alencar, diretora de Ciência do IPAM.

Foco de incêndio próximo a rodovia presidente Castelo Branco em São Paulo; 30 municípios estão em alerta máximo por conta das queimadas

A tempestade perfeita: pico de calor pode ter impulsionado incêndios causados pelo homem

A Pública levantou os dados de quantos desses focos de calor ocorreram dentro de fazendas registradas no estado. O resultado: mais da metade dos focos nos três dias aconteceu em fazendas privadas registradas no Sistema de Gestão Fundiária (Sigef) federal.

No dia 23 de agosto, sexta-feira, quando houve o recorde de focos de calor, os satélites registraram 1.886 focos de calor. Mais da metade deles, 961, estavam dentro dessas fazendas.

Para se ter uma ideia, no mesmo dia, foram apenas 11 focos de calor em terras públicas, como assentamentos.

A reportagem conversou com o chefe da Divisão de Programa Especial Queimadas do Inpe, Fabiano Morelli, que explicou que o histórico do combate ao fogo no Brasil aponta que a maioria absoluta dos casos de incêndios costuma ter origem humana, sejam elas acidentais ou intencionais. “Não houve registro de raios no período, o que afasta a possibilidade que uma tempestade tenha causado os incêndios”, disse.

Os dados consultados pela Pública mostram um crescimento de focos de calor registrados pelos satélites a partir das 13h da sexta-feira, dia 23. O número de focos cresce até explodir por volta das 16h e 17h. A reportagem teve acesso a um vídeo produzido pelo IPAM que mostra focos de incêndio surgindo em diversos pontos do estado, simultaneamente, por volta desse horário.

“As imagens do satélite geoestacionário, que captura uma nova cena a cada dez minutos, mostram o aparecimento das colunas de fumaça no intervalo de 90 minutos, entre 10h30 e 12h do dia 23. Já o satélite que capta focos de calor passa sobre a região na parte da manhã e no final da tarde. Entre suas duas passagens, naquele mesmo dia, o número de focos foi de 25 para 1.886 no estado”, comenta Alencar.

Imagens de satélite mostram o aparecimento de focos de calor e cortinas de fumaça

Morelli explica que as condições meteorológicas da penúltima semana de agosto literalmente “inflamaram” para que os incêndios chegassem às proporções que ocorreram. Ele detalha que, após um período mais frio, que aconteceu entre os dias 17 e 20, as temperaturas voltaram a subir para acima da média no período nos dias seguintes.

“Nos dias 22 e 23, chegamos a valores de temperatura máximas acima dos 35°C. O aumento foi muito acima do que estava acontecendo. O calor sozinho não é fator para a ignição, mas, sim, para a propagação. Temperaturas muito altas, acima da média, potencializam ainda mais a propagação do fogo”, detalha Morelli.

Essa “tempestade perfeita” de temperaturas muito elevadas, ocorrendo justamente durante um período de seca, podem explicar em partes porque os incêndios conseguiram avançar por todo o estado de forma tão rápida. As alterações climáticas contribuem para a frequência de casos extremos de variação de temperatura.

“Há um cenário climático importante. Houve uma grande oscilação de extremos climáticos nos dias anteriores: onda de calor, depois frente fria, e voltou onda de calor e agora outra frente fria. Essa oscilação tão grande nesse período não é esperada. Isso tem impacto sobre a vegetação – seja ela plantada, cultura ou nativa. Num pico de frio, possíveis geadas deixam a vegetação seca. Logo em seguida, com a onda de calor, a temperatura sobe muito, mas o ar continua seco, ainda sem chuva. Tudo isso deixa a vegetação mais inflamável, perfeita para queimar. Quando se tem a faísca, é a tempestade perfeita “, comenta Alencar.

Segundo a Secretaria de Agricultura e Abastecimento de SP, o agronegócio foi justamente um dos mais afetados pelos incêndios. A Coordenadoria de Assistência Técnica Integral do governo divulgou que as queimadas devem ter gerado um prejuízo de R$ 1 bilhão, afetando 3.837 propriedades em 144 municípios, segundo dados ainda preliminares. Ao todo, 48 cidades do estado estiveram com alerta máximo para incêndios na segunda-feira, dia 26. Já foram registradas duas mortes e 800 pessoas tiveram de deixar suas casas.

Já são quatro as pessoas presas suspeitas de terem provocado incêndios criminosos no estado.

“Se teve algum tipo orquestração pra queimar no mesmo período nos principais canaviais de SP, não sei, mas se teve, escolheram o momento muito propício. A paisagem tá muito inflamável”, completa Alencar.

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