A recente aprovação pela Câmara dos Deputados do segundo projeto de lei complementar que regulamenta a reforma tributária no Brasil trouxe consigo promessas de simplificação e justiça fiscal. No entanto, o impacto real sobre a taxação no consumo pode ser menos positivo do que se espera, especialmente para o setor de serviços, que representa uma parcela significativa da economia brasileira.
Atualmente, o setor de serviços contribui com mais de 70% do PIB e emprega milhões de brasileiros. O novo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) é o principal eixo do texto-base da reforma, que unificará tributos como o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS) e o Imposto Sobre Serviços (ISS), com o objetivo de “simplificar” a arrecadação e reduzir a burocracia do sistema tributário.
Segundo Renata Bilhim, advogada tributarista e ex-conselheira do CARF, essa unificação deve acarretar em um aumento da carga tributária para o setor de serviços que, hoje com uma alíquota média de 5%, poderá ser elevado para 17,7% com o novo IBS. “Isso pode implicar no repasse desse aumento ao consumidor final, o que contraria uma das premissas básicas da reforma: a redução da carga tributária sobre o consumo”, explica.
Pobre paga mais
Um dos argumentos centrais para a adoção da reforma é a promessa de que haverá uma redução da carga tributária sobre o consumo, o que beneficiaria principalmente as classes mais baixas. No entanto, Renata expressa ceticismo em relação a isso. “A estrutura proposta não resolve a questão da equidade, uma vez que os tributos sobre consumo tendem a ser regressivos, afetando mais fortemente as camadas mais pobres”, aponta.
Além disso, segundo a especialista, a manutenção da alta carga sobre o consumo não considera a capacidade contributiva do indivíduo e a disparidade de renda da população brasileira. “A cada compra no mercado, por exemplo, você paga os mesmos impostos do que pessoas que ganham muito mais e muito menos que você”, salienta Renata.
Doações e heranças
Outro ponto de destaque é a tributação sobre doações e heranças, especialmente no que se refere aos planos de previdência privada, como Plano Gerador de Benefício Livre (PGBL) e Vida Gerador de Benefício Livre (VGBL). O projeto aprovado na Câmara abre espaço para a discussão se esses planos devem ser incluídos na base de cálculo do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD), o que pode impactar muitos brasileiros.
Alguns estados já entendem que os valores de previdência privada podem ser tributados, considerando-os como direitos creditórios. “Agora, a reforma está buscando uniformizar essa questão, deixando claro se haverá ou não incidência do ITCMD sobre esses recursos, especialmente em estados que ainda não aplicam essa tributação”, explica Renata.
Carga elevada
Um dos possíveis avanços da reforma é a projeção de maior transparência na arrecadação. A ideia é que o consumidor tenha uma visão mais clara do quanto está pagando em tributos ao adquirir bens e serviços, algo que atualmente é pouco evidente na maioria dos casos. No entanto, Renata Bilhim pondera que, embora a transparência seja um passo positivo, ela por si só não resolve o problema dos impostos elevados sobre o consumo.
A adoção do IBS poderá, de fato, simplificar a gestão fiscal das empresas ao reduzir a complexidade do sistema, mas isso não se traduz necessariamente em alívio para o bolso do consumidor. “Os encargos fiscais continuarão sendo repassados aos preços finais, o que, em última instância, mantém elevada a carga sobre a população”, ressalta a advogada.
Expectativa do consumidor
Com a aprovação do segundo projeto complementar, o texto agora segue para o Senado, onde novas discussões e possíveis emendas poderão ser apresentadas. Há ainda uma terceira fase da regulamentação, que envolverá a transferência de recursos para o Fundo de Desenvolvimento Regional, essencial para estados e municípios durante a fase de transição.
No entanto, segundo Renata, as incertezas sobre a reforma permanecem. A simplificação do sistema é bem-vinda, mas não garante que os encargos sejam menos onerosos para a população. “Para muitos brasileiros, a expectativa de uma redução sobre o consumo pode não se concretizar, especialmente para aqueles que atuam nesse setor ou utilizam serviços no dia a dia”, explica a especialista.
Sobre Renata Bilhim
Renata da Silveira Bilhim é advogada tributarista há mais de 25 anos atuando nas áreas contenciosa e consultiva. Atuando como empresária, é sócia da Bilhim Educação e Consultoria Tributária, sócia da Bilhim Treinamentos, empresária e investidora no ramo da construção civil. Além disso, é ex-conselheira do CARF, palestrante internacional, Doutora em Finanças Públicas, Tributação e Desenvolvimento pela UERJ e professora convidada nos cursos de MBA da FGV, EMERJ, PUC e IBMEC.
É autora de inúmeros artigos e capítulos de livros, em destaque para os de sua integral autoria, como “Pragmatismo e Justificação da Decisão Judicial” e “Planejamento Tributário no CARF Pós-Zelotes”.
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