As eleições na Venezuela deste domingo, 28 de julho, estão cercadas por dúvidas, incertezas e uma convicção: são, até agora, a melhor rota para resolver um conflito – não armado – que expulsou mais de 8 milhões de pessoas do país vizinho e submeteu sua população a uma emergência humanitária complexa.
Porém, o panorama está tão nebuloso que analistas e comentaristas acreditam ver sinais em cada gesto. E assim as dúvidas e expectativas vão mudando a cada minuto. No entanto, uma questão central é: caso a oposição vença, como sugere a maioria das pesquisas confiáveis, o governo de Maduro reconheceria essa vitória? Tampouco está claro se a oposição admitiria uma eventual vitória do governo. Do lado do governo, afirmam que eles têm os votos necessários para ganhar.
Que tudo isso esteja em jogo, neste momento, já é um bom sinal: há um ano e meio, havia um consenso em vários setores de que a eleição de 2024 seria apenas uma formalidade para garantir a permanência de Nicolás Maduro no poder até 2030.
Agora, a maioria dos estudos de opinião confiáveis apontam na vantagem do candidato opositor, Eduardo González Urrutia (EGU), por até 20 pontos de vantagem.
“Em contextos autoritários e pouco competitivos, como é o caso da Venezuela, a expectativa seria que o Governo ganhe. Ou dito de outra forma: as expectativas a priori antecipariam uma vitória da coalizão autoritária. No entanto, o que estamos vendo na Venezuela hoje, a palavra que está mais presente é a incerteza. E esta é uma característica do jogo democrático, quando os resultados não estão previstos”, afirma Maryhem Jiménez, doutora em ciência política e estudiosa dos sistemas autoritários e dos movimentos de oposição.
“Parece que esta é uma das situações mais interessantes neste momento porque não sabemos o que pode ocorrer. Abre-se a possibilidade de uma vitória da oposição, levando em conta a tendência das pesquisas mais confiáveis do país”.
Alguns analistas vêem sinais de que o governo de Maduro está consciente de que esta é a eleição na qual sua permanência no poder mais esteve em perigo. Entre esses sinais estão as declarações recentes do presidente Lula – que afirmou que “o Maduro tem que aprender que, quando você ganha, você fica, quando perde, vai embora”. Além disso, pesam o envio de Celso Amorim para a Venezuela durante eleições e as declarações recentes do filho do presidente venezuelano, Nicolás Maduro Guerra, que disse ao jornal El País que, se perderem, estão dispostos a reconhecer a derrota.
Hoje, às vésperas do pleito, a emoção é sentida nas ruas, os prognósticos circulam até nas casas de apostas, as análises circunstanciais emergem e, em geral, os interessados perguntam: O que vai acontecer na Venezuela?
Além disso, surgem outras dúvidas devido às campanhas de desinformação e à ansiedade eleitoral que tomou conta do país vizinho.
A reportagem consultou vários especialistas sobre o processo político venezuelano, sobre a relação do chavismo de base com a cúpula, o papel das Forças Armadas, a possibilidade ou não de uma fraude, o funcionamento do sistema eleitoral, as expectativas sobre os cenários mais prováveis, a possibilidade de uma transição do chavismo, entre outras questões.
Encerramento da campanha eleitoral de Maduro, no dia 25 de julho
Acabou o amor?
Uma das dúvidas é como se chegou a este momento. Uma das hipóteses é que a cúpula governante perdeu a ligação com as bases chavistas. A esse respeito, Antonia Muñoz, duas vezes governadora do estado de Portuguesa, nos pampas venezuelanos, e ex-diretora do Partido Socialista Unido de Venezuela (PSUV), afirma que “uma boa parte do chavismo rompeu essa conexão com a cúpula. Estou mais que convencida de que o povo que apoiou Hugo Chávez é o mesmo que uma vez apoiou Rómulo Betancourt, Carlos Andrés ou o doutor Caldera. Esse povo, em 1998, já estava decepcionado porque a população vivia na pobreza. Segundo as estatísticas, 49% da população venezuelana naquela época estava empobrecida… Hoje, parte desse povo que apoiava o presidente Chávez, agora está com Edmundo González Urrutia e María Corina Machado, a candidata que foi inabilitada pelo governo”.
Segundo dados da empresa de pesquisas Delphos, a base social do chavismo se rompeu – e isso começou a se tornar evidente há mais de dois anos. Em março deste ano, de acordo uma pesquisa de opinião, 70% do chavismo moderado afirmava ser necessário uma mudança.
Muñoz não é a única ex-alta funcionária do chavismo que alerta sobre o rompimento entre a atual cúpula e o chavismo de base. O ex-prefeito de Caracas, Juan Barreto, se aliou ao Partido Comunista da Venezuela para apoiar a candidatura de Enrique Márquez. Isso porque o governo venezuelano deixou a esquerda não-alinhada a Maduro sem espaço na cédula eleitoral ao intervir em partidos políticos que, em algum momento, fizeram parte da coalizão oficialista Gran Polo Patriótico.
O que acontece com as Forças Armadas?
“As Forças Armadas são um arquipélago, estão fragmentadas em seus interesses e não parece que tenham disposição para desconsiderar a vontade da maioria,” afirma Hernán Castillo, professor de história militar da Venezuela e autor de pesquisas sobre as relações entre o mundo militar e civil. Para o acadêmico, embora na Venezuela, como na América Latina, haja uma tradição de golpes de Estado, atualmente não há incentivos para que a comunidade internacional tolere qualquer tipo de pronunciamento fora dos parâmetros democráticos.
Ele destaca, além disso, a quantidade de militares que estão presos, acusados de conspirações contra o governo de Maduro.
“Acredito que, se seguirmos o que as pesquisas têm demonstrado, a parcela a favor do candidato opositor é esmagadora. Não acredito que eles [os militares] se manifestem contra isso. Acho que no domingo, dia 28, e no médio prazo, vamos sair em paz. Depois, podem vir tempos muito desafiadores para um processo de transição.”
Sobre as condições das Forças Armadas, um dos elementos que surgiu é o pronunciamento do ministro da Defesa, Vladimir Padrino. “O que vamos fazer? Vamos fazer o que está no Plano República: esperar a decisão do público transmitida através do Conselho Nacional Eleitoral e pronto. Quem ganhou, que se monte em cima do projeto de governo e quem perdeu, que vá descansar”, diz ele no vídeo que que circulou nas redes sociais.
Além disso, as Forças Armadas publicaram um vídeo de uma reunião realizada com o grupo de observadores do Centro Carter, que tem uma missão na Venezuela. Isso demonstra como os militares são reconhecidos como atores fundamentais no processo.
Para o general da reserva e ex-governador do estado de Aragua, Rafael Isea, que na juventude participou na tentativa de golpe de Estado liderada por Hugo Chávez em 1992, a situação interna das Forças Armadas não difere muito do que se percebe no resto do país. Ele afirma que o ministro da Defesa, o general Vladimir Padrino López pode desempenhar um papel importante para que o reconhecimento dos resultados ocorra sem maiores sobressaltos, caso a oposição vença.
Segundo Isea, que afirma ter fontes internas nas Forças Armadas, a disputa pelo poder dentro da instituição se reconfigurou: tanto o atual ministro da Defesa, quanto o general Iván Hernández Dala, chefe da Direção de Contrainteligência Militar, um dos órgão de repressão política contra o qual pesam denúncias de violação de direitos humanos, podem ter papéis relevantes nas negociações que impliquem em reduzir os custos de saída da atual cúpula governista.
As Forças Armadas venezuelanas se tornaram uma espécie de caixa-preta, especialmente após a detenção arbitrária, em março deste ano, da ativista e analista de temas de segurança Rocio San Miguel, principal analista venezuelana que estuda as Forças Armadas e que, até então, publicava relatórios sobre questões de segurança nacional que eram muito lidos por analistas dentro e fora do país.
Para Mark Feierstein, pesquisador do United States Institute for Peace, os militares poderão desempenhar um papel fundamental ao apoiar a estabilidade, talvez como ocorreu no plebiscito do Chile em 1988 ou na Nicarágua em 1990, quando o então presidente Daniel Ortega teve que reconhecer a vitória da oposicionista Violeta Chamorro.
General-Chefe Vladímir Padrino López (centro) na reunião com representantes do Centro Carter, em 22 de julho
Dá para acreditar no que dizem as pesquisas?
Na Venezuela, quando um político não obtém bons resultados nas pesquisas de opinião, costuma desqualificá-las e dizer que a verdadeira pesquisa é o voto. No entanto, desta vez, a maioria dos estudos de opinião confiáveis apontam na vantagem do candidato opositor, Eduardo González Urrutia (EGU).
Isso provocou uma avalanche de desinformação, com pesquisas alternativas publicadas por supostas consultorias que não têm trajetória nem boa reputação. Carmen Beatriz Fernández, doutora em comunicação pública da Universidade de Navarra e especialista em análise de fenômenos de desinformação, as classifica como “pseudo-pesquisas:.
“Não são verdadeiros institutos de pesquisa, são feitas como um misto de propaganda e operações de confusão. Divulgam números aleatórios ou até mesmo inventados.”
Fernández lembra que no país sul-americano existe um amplo histórico de institutos e empresas especializadas em pesquisas de opinião e estatísticas, com trajetória reconhecida. Estas empresas, como Delphos, Consultores 21, Datanálisis e More Consulting, mostram resultados parecidos, favoráveis ao oposicionista Eduardo González, com uma margem de vantagem bastante ampla.
Além delas, corroboram essa previsão as empresas Datincorp, ORC e outras menores, como Poder e Estratégia.
No entanto, alguns especialistas chamam a atenção para as condições do país e o controle do autoritarismo chavista.
Para Luis Vicente León, do Instituto Datanálisis, os resultados da eleição só vão se parecer mais com os resultados das pesquisas se mais pessoas participarem.
Nesse sentido, há um ponto cego. Não há informações verificáveis sobre quantos dos 8,5 milhões de venezuelanos que saíram do país estão de fato no cadastro eleitoral. E, portanto, a estimativa de participação, que as pesquisas situam em pelo menos 70%, não têm um número concreto no qual se apoiar com certeza.
O Registro Eleitoral tem cadastrados 21 milhões de eleitores. Destes, estima-se que 25% não poderá votar porque as autoridades dificultaram a atualização dos dados no exterior.
Outra polêmica recente diz respeito a um possível viés das empresas de pesquisa a favor da oposição. O debate foi iniciado pelo economista Francisco Rodríguez, ao apresentar um estudo de sua autoria que o levou a concluir que, na melhor das hipóteses, a vantagem a favor de Eduardo González não supera os seis pontos percentuais.
Em resposta, John Magdaleno, especialista em estudos de opinião, questionou tais afirmações. Para ele, a diferença a favor do oposicionista é tão ampla que dificilmente poderia ser anulada através de uma reengenharia das mesas de votação aplicada pelo Conselho Nacional Eleitoral.
Por outro lado, o chavismo assegura ter pesquisas que garantem sua vitória por até oito pontos percentuais. No entanto, essas afirmações não puderam ser verificadas. É fato que o governo conta com várias bases de dados, entre elas as do Sistema Pátria, que centraliza as informações sobre os bônus e outros benefícios sociais.
Vai ter fraude?
A possibilidade de uma suposta fraude surge como a hipótese alternativa seguindo a suposição de que o chavismo queira se impor pela via do voto emitido, já que o governo colocou todos os obstáculos para a realização de uma eleição competitiva.
Aqui há um detalhe: os especialistas no sistema eleitoral venezuelano também lutam contra as teorias conspiratórias que falam da possibilidade de uma fraude eletrônica. Isso porque, ao longo dos anos em que a oposição esteve atrás nas pesquisas, vários mitos foram instalados sobre o sistema eletrônico de votação.
Experts como o analista Eugenio Martínez explicaram profusamente que o voto é registrado, contado e totalizado. O sistema eletrônico deixa rastros que permitem comparar o voto emitido por um eleitor com o voto que é somado na mesa de votação e, posteriormente, uma vez fechados os centros eleitorais, são totalizados.
Griselda Colina, ex-reitora suplente do Conselho Nacional Eleitoral, explica que “se entendermos por fraude eleitoral a alteração dos resultados emitidos pela máquina de votação, não é possível que o governo cometa fraude no dia 28 de julho”.
Segundo ela, “o sistema de votação foi auditado por técnicos que garantem que os votos serão contados corretamente”. A situação é diferente, alerta, se quando falamos em fraude, contamos a atuação de um Conselho Nacional Eleitoral que possa declarar um resultado diferente do que as máquinas indicam.
Isso já vimos em eleições como a Constituinte, em 2019”, diz. “Mas hoje, o custo que o governo teria que pagar seria muito alto devido a toda a atenção que o processo venezuelano tem gerado e pela diferença de vantagem que o candidato da Plataforma Unitária tem agora.”
Os representantes dos partidos políticos que participam no processo assistiram a diversas auditorias do sistema e credenciaram testemunhas para as 30 mil mesas de votação instaladas a partir da última sexta-feira.
No domingo de manhã, todos os membros da mesa e as testemunhas dos partidos devem verificar no início da votação se a máquina está zerada.
Quando o período de votação for encerrado, a máquina conta os votos e emite uma ata, a ser validada pelas testemunhas dos partidos, que têm acesso à impressão de cada ata. As atas têm um código QR que facilita o acesso dos membros dos partidos à informação.
Finalmente, a lei venezuelana estabelece uma verificação cidadã, com a abertura de 52% das urnas para confirmar que o número de votos dentro da urna corresponde ao que foi registrado na ata.
Até o momento, não houve nenhuma evidência de fraude eletrônica.
No entanto, as condições prévias e algumas decisões políticas estão, de fato, desenhadas para influenciar o ato de votação.
Algumas dessas táticas que podem ser usadas, segundo especialistas consultados, são: a inabilitação de candidatos; a judicialização dos partidos políticos; a pressão e controle social sobre as pessoas que são beneficiárias de políticas públicas (como a caixa de alimentos Clap); a prisão ou impedimento de eleitores; e as prorrogações além do horário estabelecido pela lei, às seis da tarde.
Afinal, o que vai acontecer na Venezuela?
Enquanto as apostas vão e vêm, a maioria dos entrevistados considera que, se houver uma participação massiva, os resultados serão favoráveis à oposição. Mas não descartam um cenário diferente devido à máquina eleitoral governista.
Sobre as expectativas de reconhecimento dos resultados eleitorais, Andrés Cañizales, doutor em comunicação social, afirma que o chavismo fará todo o possível para pôr obstáculos aos votos da oposição, desencorajando e confundindo para reduzir a diferença na contagem total.
“Obviamente, em uma campanha ninguém diz que vai perder. Tudo parece indicar que eles poderiam reconhecer, mas buscariam uma forma de evitar que a oposição possa celebrar uma vitória esmagadora. Percebo que há pressões externas e correntes dentro do chavismo que já estão considerando a mudança para a oposição. É um chavismo que não é monolítico, por isso chegamos a este momento.”
Cañizales aponta que o anúncio do presidente Lula de enviar seu ex-chanceler Celso Amorim a Caracas é um indício positivo porque, evidentemente, o diplomata não vai observar as eleições, mas possivelmente pode mediar algum tipo de negociação. “Ele é um articulador político que tem estado em inúmeros cenários internacionais.”
Por sua vez, o historiador Pedro Benítez afirma: “Não sabemos o que vai acontecer, mas sabemos o que aconteceu. Nos 25 anos de poder do chavismo, eles reconheceram – com exceção da fraude contra um governador – quando perdem uma eleição. Embora depois tenham feito de tudo para esvaziar os triunfos da oposição.”
Para ele, tudo dependerá da margem de diferença entre a opção vencedora e a perdedora.
Em resumo: será como acontece em toda eleição: cara ou coroa. Alguém perde e alguém ganha.